1 . Cultura, Política e Identidades
Esta linha de pesquisa abrange estudos que tenham como foco a investigação sobre:
1) O lugar político da cultura, discutindo os desdobramentos teóricos e políticos recentes do conceito de cultura, a partir da relação central entre identidades e diferenças; o alcance e os limites do multiculturalismo enquanto política centrada na diversidade e seus embates, tanto com a universalidade dos direitos de cidadania, quanto com a soberania territorial e a construção do Estado-Nação;
2) os processos subjetivos e coletivos que caracterizam o reconhecimento identitário de diferentes grupos levando-se em conta aspectos como a diversidade, a memória e a afirmação de processos histórico-culturais. A linha abriga ainda o estudo das motivações políticas, sociais e teóricas que fizeram com que as questões referentes às identidades culturais se tornassem centrais no cenário político e epistemológico contemporâneo e os desdobramentos, em termos objetivos e subjetivos, da assunção deste paradigma. Esse processo mais amplo convoca a produção científica ao estudo dos movimentos que politizam as identidades, à análise das relações de poder, da sustentabilidade, da identidade, da memória coletiva e das políticas de direitos humanos.
Nesse sentido, compõem a presente perspectiva analítica e integram as agendas das pesquisas:
1) os avanços do direito internacional e as demandas dos movimentos de identidade por reconhecimento da plurinacionalidade e multiculturalidade dos países;
2) a análise das relações entre Estado e sociedade civil;
3) as políticas públicas e a introdução de políticas diferenciadas para a administração da heterogeneidade social;
4) os movimentos sociais, a elaboração e manutenção da memória coletiva como forma de afirmação identitária; as ONGs e outras formas de organização da sociedade civil.
Portanto, no âmbito desta linha de pesquisa são contemplados projetos relativos aos temas:
1- raça e etnia; 2- gênero e sexualidades; 3- migrações e territorialidades; 4- estudos dos fundamentos do multiculturalismo e das políticas multiculturais; 5- cidadania, direitos de grupo e direitos universais; 6- identidades nacionais; 7- políticas e cultura política; 8 – teorias de reconhecimento e 9 – identidade, narrativa e memória.
2. Crítica da Cultura
Pode-se afirmar que a crítica da cultura, campo fértil de pesquisas na contemporaneidade e na área dos estudos culturais, nasce da superação de pressupostos canônicos da arte e da cultura no Ocidente, centrados em valores universais e proeminentes pelo menos até os anos de 1950. Tal superação se revela nos rumos que tomam os estudos da literatura e da indústria cultural, os quais compõem os dois eixos desta linha de pesquisa, e os quais passamos a descrever a seguir.
A partir dos anos de 1970, devido, sobretudo, ao enfraquecimento da idéia de nação, à voga dos estudos pós-coloniais e consequentemente à força que ganha a idéia de Cultura no ambiente universitário ocidental, a literatura comparada – que abrigava as pesquisas referentes à articulação entre as literaturas nacionais, como também ligava os estudos literários com outras artes e discursos – começa a ser posta em questão. Junte-se a esse contexto cultural e intelectual mais amplo, a entrada, nos anos de 1980, no Brasil e no exterior do repertório pós-estruturalista e desconstrucionista, que com o tópico da morte da literatura e do autor, ataca oposições como alta e baixa cultura, centro e periferia, arte e discurso. Já numa perspectiva materialista, o questionamento dessas oposições se dará, entre nós, pelas especificidades da cultura – e não apenas da literatura – brasileira, entendida como periférica, que não obstante aparece integrada ao sistema planetário, analisado sob os prismas simbólico e econômico.
De modo que, embora ainda persista como nome e como marca, a literatura comparada passará a promover uma discussão dos seus métodos e pressupostos, abrindo espaço para uma reflexão ampliada sobre a produção cultural e, da mesma forma, no caso específico da literatura, para um entendimento desta a partir de uma perspectiva que poderíamos chamar de global. Assim, não seria exagerado afirmar que em alguma medida o comparativismo entre as literaturas nacionais cedeu lugar aos estudos culturais e à crítica da cultura, anexando ao seu discurso a própria crítica da crítica, isto é, a crítica dos termos de consagração de obras e objetos, como também os modos de produção da literatura e da cultura – a indústria cultural. No âmbito mais específico das séries artísticas, passam a ganhar ênfase não apenas as abordagens universalistas que põem em xeque os limites culturais e linguísticos antes vinculados principalmente às nações, como também as análises da produção contemporânea e dos gêneros e formas antes pouco considerados – o gênero epistolar, o ensaio, a literatura de viagens, a crônica, o manifesto, o texto jornalístico, a letra de música, o cinema, os quadrinhos, a arte contemporânea (vídeo arte, performance, arte digital, instalação) – os quais, inclusive, expandem o conceito de literatura.
Processo análogo se vê no âmbito dos estudos da indústria cultural. Num primeiro momento, eles serão orientados pela obra da Escola de Frankfurt, buscando entender de que maneira a produção industrial de bens culturais supera a divisão tradicional entre alta e baixa cultura – substituindo-as por uma cultura de massa homogênea. Como resistência a esse processo, no entanto, haverá ainda uma defesa mais ou menos declarada da arte erudita não-fetichizada. Essa visão anti-industrial da produção cultural será, por sua vez, criticada no final dos anos 1970 como “elitista”, já que reintroduz a distinção entre alta e baixa cultura – agora, entre uma cultura ainda não-reificada (exemplificada pela música dodecafônica) e uma cultura “pop” (e não mais popular). Assim como nos estudos literários, também nos estudos da indústria cultural, as divisões entre alta e baixa cultura serão postos em xeque – aliás, por duas vezes sucessivas. Em seguida, surgirão estudos que, buscando superar as distinções de valor estético, tentarão entender (ainda na trilha da Escola de Frankfurt, mas sob nova chave) os condicionantes materiais da produção cultural. Tais estudos acabam por convergir para pesquisas sobre as indústrias criativas nos anos 1990, as quais estão ligadas seja à produção de políticas públicas seja ao fomento de uma economia da cultura, braço simbólico da economia da informação. Pesquisas nesta área têm mostrado que, além do papel reconhecido como formador da subjetividade e da coesão social (inclusive “nacional”), a cultura adquire um significativo papel econômico que é preciso desmistificar e regular em vista das tensões persistentes entre os interesses propriamente culturais e mercantis.
Essa dimensão do substrato econômico da produção cultural, analisada em sintonia com os demais processos de configuração dos campos artísticos, literários e culturais, tem contribuído para as abordagens críticas que partem da análise interna dos objetos e, nesse sentido, podem vir a se conectar, complementando-os, aos estudos literários e culturais a serem conduzidos nesta linha.
Em síntese, a linha de pesquisa Crítica da Cultura tem como objetivo investigar objetos literários e culturais, produtores e mediadores da literatura e da cultura, seja sob perspectivas internas ao próprio campo seja a partir de sua vinculação às determinações sociais. Dada a proximidade da linha aos estudos literários e à indústria cultural, a origem dos objetos, autores e críticos tende a ser tanto aqueles pertencentes à literatura e crítica contemporâneas (brasileira e estrangeira) quanto gêneros e formas ditos culturalmente marginais. Estes, ao lado de objetos e produtores da cultura de massa, deverão ser vislumbrados ora a partir de sua contribuição estética ora em sua relação estreita com a economia, a política e as ideologias. Os projetos da linha contemplam os seguintes temas: indústria cultural, literatura e crítica brasileira contemporâneas, literatura estrangeira contemporânea, literatura de viagens, ficção científica.
3. Cultura e Ciência
A linha de pesquisa Cultura e Ciência aborda a ciência no contexto da cultura, a partir de matrizes teóricas ou práticas investigativas oriundas de campos como os estudos literários, a historiografia, a sociologia e a educação.
Entende-se ciência nesse contexto em um sentido amplo, englobando inclusive campos de saber que não são comumente considerados disciplinas científicas. A presente linha de pesquisa estuda o fenômeno do saber e da ciência como fenômenos produzidos culturalmente, ao mesmo tempo que são modificadores culturais. Na medida em que o sucesso de um campo de saber depende da interação dele com o restante da cultura antes do que de uma imanência epistêmica, a linha de pesquisa promove uma desconstrução do cânone, em sintonia com os estudos culturais como em outras áreas.
Em paralelo, a articulação entre a linha de pesquisa e a área de concentração concretiza-se também no entendimento do caráter plural da ciência e do saber: da mesma forma que cultura deixou de ser um conceito monolítico a partir da década de 1960, também o entendimento de ciência tornou-se multifacetado. Nesse contexto, faz-se um uso produtivo de termos e conceitos que ganharam proeminência em estudos sobre a cultura de modo geral e, especificamente, no campo dos estudos culturais. Valem alguns exemplos:
1. Hibridismo. Da maneira similar a como perderam força delimitações como literatura culta, literatura de massa e literatura popular, no campo dos estudos sobre a ciência, práticas como alquimia, horoscopia, magia e adivinhação, bem como saberes populares (especialmente na área da medicina), ainda que diferentes entre si em suas determinações, são considerados, ao lado de uma alta ciência, como responsáveis pela produção de conhecimento de uma sociedade. A ciência moderna, nesse sentido, seria herdeira de um sistema composto de conhecimento, do qual as práticas hoje chamadas pseudociências eram partes integrantes.
2. Descentramento. Dicotomias como ciência contemporânea e ciência antiga, ou ciência ocidental e ciência oriental, ainda guardam uma hierarquização. Por exemplo, no campo dos estudos sobre a ciência antiga, avaliar a cientificidade da astrologia em função dos critérios de ciência da astronomia é um passo em direção a um entendimento do fenômeno científico, mas não produz um descentramento capaz de pôr os dois termos desse par em níveis hierárquicos equivalentes, salvo em algumas exceções.
3. Multiculturalismo. Do ponto de vista de Cultura e Ciência, o termo coloca uma problematização que causa embaraço, mas admite um enorme potencial produtivo, que decorre do fato que ciência é um termo impregnado de conotações típicas do Ocidente. As abordagens multiculturais para o fenômeno da ciência buscam resolver a questão.
Tendo as preocupações anteriores em mente, os horizontes de pesquisa da presente linha desdobram-se nas seguintes principais vertentes:
1. História e Historiografia. A historiografia da ciência é tratada em dois níveis. No primeiro, a história da ciência é produtora de entendimento do fenômeno cultural chamado ciência. No segundo, nosso olhar volta-se para a própria produção historiográfica sobre a ciência, buscando entender as imagens da ciência que se tornaram funcionais nos trabalhos de história.
2. Sociologia. Investiga as dinâmicas das mudanças científicas por meio de fatores conceituais, institucionais e sociais. A análise das formações e das transformações das disciplinas científicas nos parece ser uma das maneiras para compreender as dinâmicas envolvidas.
3.Literatura. Trata das imagens da ciência incorporadas e produzidas pela literatura, especialmente pela ficção científica.
4. Cultura, Educação e Saúde
Nesta linha de pesquisa participam pesquisadores com formação na área das ciências biológicas e da saúde (geneticistas, biólogos e médicos) e das ciências humanas (sociólogos, psicólogos e educadores) interessados em promover, a partir de seus objetos específicos, uma produção científica capaz de interrogar, à luz de processos históricos, os modos pelos quais as constructos teóricos e práticas no campo da educação e da saúde participam da constituição da cultura e da construção das identidades nas sociedades contemporâneas.
Pretende-se investigar como se produzem determinadas categorias de pensamento que circulam amplamente nas sociedades e definem nossa percepção das identidades individuais ou coletivas. Trata-se, por exemplo, das distinções entre o normal e o patológico (Foucault, Canguilhem); entre o feminino e o masculino (Héritier, Scott); entre as classes sociais (Bourdieu); entre os instruídos e os não instruídos (Ringer). Frequentemente percebidas como categorias naturais e, por isso mesmo, universais, tais classificações, constitutivas de uma dada cultura, tendem a ser consideradas imutáveis quando se ignora sua história. Ao serem incorporadas, podem engendrar inclusões, exclusões e estigmas, circunscrevendo as possibilidades de atuação de indivíduos e grupos. As pesquisas que se inserem nesta linha pretendem contribuir para a compreensão deste universo de preocupações, buscando desnaturalizar e problematizar o que é da ordem do humano e, portanto, diz respeito à história, à sociedade, à cultura.
Busca-se focalizar o sistema de ensino como um produto cultural que emergiu no final do século XIX e que, por sua vez, vem criando uma cultura própria. Alguns autores definem a cultura escolar de forma mais ampla ou mais restrita, mas concordam que o trabalho escolar apresenta alguns princípios comuns, de continuidade e persistência ao longo de gerações, ainda que histórica e socialmente mutáveis, de institucionalização e autonomia, o que lhe confere a capacidade de criar produtos específicos e gerar uma cultura relativamente independente (Viñao Frago). Cultura diversificada e, por isso mesmo, considerada não como expressão única do que ocorre na instituição escolar, mas como uma série de produções específicas de determinados momentos históricos que estão materializadas nas unidades escolares, nas formas de institucionalização da profissão docente, na configuração curricular, no conjunto de representações sobre o que é ser aluno/a, na divisão dos diferentes ciclos de ensino etc.
Empenhados na investigação de diferentes objetos, os pesquisadores desta linha possuem em comum o interesse pelas relações e conexões entre diversas instituições sociais, notadamente, o sistema de saúde e o sistema de ensino. Trata-se de instituições sociais centrais nas sociedades contemporâneas e que possuem participação decisiva para a constituição das relações sociais. A partir da experiência do corpo docente aqui reunido pretende-se atingir, a partir da discussão integrada dos objetos de pesquisa específicos de cada pesquisador, tanto as instâncias educativas em sua pluralidade (as configurações familiares, a instituição escolar, o discurso científico), como o conhecimento biomédico e a prática da promoção da saúde tomando-as como produções culturais das sociedades nas quais elas estão inseridas.
Nas sociedades escolarizadas – caracterizadas pela presença de sistemas de ensino, encarregados da transmissão da cultura – não é possível compreender a construção das identidades e nem a cultura, sem investigar os processos educativos. Da mesma maneira, nas sociedades medicalizadas – caracterizadas por concepções de saúde e de doença e práticas técnicas construídas pelo saber biomédico – e na qual o poder público é responsável por promover a saúde da população, é preciso investigar os critérios de normalidade / patologia; saúde / doença; desenvolvimento / degeneração que, oriundos da racionalidade científica, orientam as práticas de assistência à saúde. A democratização do acesso à saúde e o prolongamento da escolarização para diferentes segmentos sociais faz dos programas de assistência médica e dos sistemas de ensino locus privilegiados de estudos para se compreender as permanências e as mudanças na cultura de uma dada sociedade, bem como a construção das identidades individuais e coletivas.
Para ficar apenas em dois exemplos, a divulgação dos princípios da puericultura nas primeiras décadas do século XX entre as mulheres de classe média urbana implicou na valorização social da figura materna, na medida em que se passou a considerar que a saúde e a boa formação dos futuros cidadãos da pátria dependia do desvelo e do esclarecimento das mulheres-mães. Ainda no que diz respeito à condição feminina, o ingresso progressivo das mulheres nos sistemas de ensino, ao longo do século XX e, especialmente, a partir dos anos de 1960, alterou de maneira significativa as relações de poder entre homens e mulheres. Entre os pesquisadores que focalizam a saúde há uma diversidade de projetos, capazes de empreender investigações sobre a constituição da cultura na área de biomedicina e de saúde em uma perspectiva crítica, como daqueles ocupados em avaliar a participação dos sistemas de saúde para a definição dos padrões de desigualdade que caracterizam o país (projeto do Leopoldo).
De um lado, trata-se de conduzir esta leitura crítica em três dimensões. A dimensão conceitual, na qual trataremos de avaliar criticamente a linearidade implícita no desenvolvimento de conceitos como o da homeostasia, entendido e cultuado por muitos como central (universal e invariável) na área biomédica. A dimensão pedagógica no qual devem ser propostas e introduzidas práticas pedagógicas que possibilitem a absorção crítica de conceitos fundamentais da área. Em uma terceira dimensão, exploraremos traços característicos da tecnologia de atenção à saúde – e fundamento de seus efeitos – o desenvolvimento do cuidado integral à saúde – com objetivo analisar práticas efetivas de cuidados em diversos contextos culturais. No plano das ciências experimentais um cenário propício a essa exploração temática é o da área da Cronobiologia, ramo da Biologia contemporânea que se ocupa da organização temporal dos seres vivos. Idéias de valores constantes de variáveis biológicas, confundidos com expressões de normalidade, constituem-se em exemplos de temas de questionamento que convidam a apreciação crítica do ideário contemporâneo sobre saúde – interesses privados muitas vezes informam a natureza de caixas de ressonância desse ideário. Um aspecto importante na atualidade reside nas tentativas de estabelecer relações diretas entre determinadas configurações genéticas e o comportamento humano, como é o caso das características da organização temporal dos seres humanos, ou os hábitos de pessoas matutinas e vespertinas.
Em perspectiva distinta, mas complementar, investiga-se também a efetivação das principais políticas públicas de saúde, seu impacto sobre as desigualdades em saúde e o necessário reconhecimento de especificidades culturais nessas políticas. A oferta de atendimento público de saúde, ampliada consideravelmente após a implantação do Sistema Único de Saúde, também será alvo de investigação, tanto no que tange à provisão do serviço, como no impacto sobre a redução da desigualdade social. Uma discussão dos efeitos diferenciais dessas medidas pode contribuir com a elaboração de subsídios que instruam proposições de estratégias focais, visando reduzir desigualdades ao promover inclusão social no que tange à saúde. Buscamos, nessa abordagem crítica em saúde, a partir de diferentes objetos de pesquisa, contribuir para o adensamento conceitual à compreensão da saúde como produção da cultura.
Em suma, a linha de pesquisa Cultura, Educação e Saúde pretende que os alunos desenvolvam uma compreensão dos significados associados à emergência das práticas de assistência à saúde e dos sistemas de ensino modernos, tanto no que diz respeito à constituição da cultura, como no que tange à construção de identidades. A seguir, apresentam-se, de maneira resumida os interesses de pesquisa das docentes que integram este subgrupo.