Tecnologia Assistiva: a tecnologia que possibilita

Tecnologia Assistiva: a tecnologia que possibilita

Você sabe o que é Tecnologia Assistiva? Projetos como Andar de Novo, apresentado na Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014, ou Equalizer, sistema de comunicação utilizado por Stephen Hawking, são exemplos desse tipo de tecnologia tão importante para dar suporte às pessoas na superação de alguma dificuldade.

Giovani de Sousa Leite e Thais Rodrigues Neubauer

Recursos tecnológicos especializados estão sendo produzidos e utilizados com maior frequência nos últimos anos, afinal, a tecnologia vem sempre como um modo de simplificar tarefas ou possibilitar que elas sejam realizadas.

Em alguns casos, sem o apoio de recursos tecnológicos não se conseguiria prover o mínimo de qualidade de vida a uma pessoa, visto que somente com a ajuda de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias é que algumas tarefas básicas, como andar ou comunicar-se, tornam-se factíveis para algumas pessoas.

A partir do desenvolvimento de um projeto como o Andar de Novo, de Miguel Nicolelis, por exemplo, (leia mais sobre na edição passada do nosso jornal – http://goo.gl/7e0XHJ) algumas pessoas passaram a ter esperanças em relação à realização de tarefas que não podem realizar.

Só no Brasil, segundo o IBGE, mais de 45 milhões apresentam alguma deficiência [3],e este é apenas uma parcela do público que se beneficia de tecnologias assistivas. Por isso, considerando a quantidade potencial de pessoas que podem se beneficiar dos resultados de um projeto deste tipo e a indiscutível melhoria na qualidade de vida delas, a divulgação dessas pesquisas e o entendimento sobre o quê essas tecnologias representam para uma parcela da população é essencial, pois quanto maior o conhecimento, maior a conscientização da importância do assunto e maior a possibilidade de investimento em pesquisas na área.

StephenHawkingMandela
http://www.hawking.org.uk/images.html

Um dos projetos mais famosos quando o assunto é Tecnologia Assistiva é o Equalizer, sistema de comunicação utilizado pelo astrofísico Stephen Hawking, cuja primeira versão fora desenvolvida pela empresa Words Plus e solicitada a ser utilizada por Hawking pelo seu colega físico Martin King. Em 1985, ano em que Stephen perdeu a fala e o sistema foi desenvolvido, o Equalizer contava com funcionalidades que permitiam escreverutilizando um controle acionado apertando um botão com a mão para que o sistema emitisse o que foi escrito. Dessa forma, Hawking adquiriu a capacidade de se comunicar de um jeito diferente, e que lhe permitia usar 15 palavras por minuto.

Com o passar dos anos e o avanço da doença degenerativa de Stephen, o sistema passou por várias atualizações e adaptações, e, recentemente reestruturado pela Intel, apresenta em sua última versão funções tais como o envio de e-mails, a possibilidade de escrever livros ou preparar palestras, etc.

O sistema conta ainda um sistema de previsão de palavras (semelhante ao que podemos facilmente encontrar em smartphones hoje em dia) e com diversos atalhos, ambos com o intuito de tornar mais rápida e agradável a interação do usuário com o sistema e, consequentemente, aumentar a eficiência da sua comunicação com o mundo, assim como, com os mesmos objetivos, melhorias são feitas nos nossos atuais smartphones, por exemplo.

Esse é um exemplo de como o desenvolvimento de uma tecnologia pode mudar completamente a perspectiva de vida de uma pessoa, afinal, a comunicação é uma função tão básica que não se consegue nem mesmo imaginar a vida sem poder executá-la de modo minimamente eficiente.

Mais um exemplo de tecnologia desenvolvida para possibilitar é a aplicação Braille Fácil desenvolvido no Núcleo de Computação Eletrônica (NCE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que dispõe de um conjunto de ferramentas para facilitar  a impressão de textos comunsem braile. Com essa aplicação, é possível digitar o texto no próprio software ou importar textos de um editor de textos convencional, sendo que a entrada é convertida para braille para que possa ser enviada, então, a uma impressora em braille. Além disso, com o auxílio de um simulador de teclado em braile, o Braille Fácil permiti a inserção de codificações matemáticas ou musicais e conta com um editor gráfico básico no qual se faz possível a criação de ilustrações táteis. A aplicação está disponível em: http://goo.gl/iKunRU.

Outro exemplo de tecnologia desenvolvida no nosso país, também pela UFRJ, para auxiliar deficientes visuais é o sistema operacional DOSVOX, que começou a ser desenvolvido em 1993 eatualmente já tomou proporções bastante grandes, envolvendo diversas pessoas ao longo desses anos e atualmente contado com muitas ferramentas.

O sistema tem como objetivo permitir que pessoas cegas utilizem um microcomputador comum (PC) para desempenhar uma série de tarefas, adquirindo assim um nível alto de independência no estudo e no trabalho. O DOSVOX se comunica com o usuário através de síntese de voz em Português, sendo que a síntese de textos pode ser configurada para outros idiomas.

Segundo o site do projeto (http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox), o que o diferencia de outros sistemas voltados para uso por deficientes visuais é que “ao invés de simplesmente ler o que está escrito na tela, o DOSVOX estabelece um diálogo amigável, através de programas específicos e interfaces adaptativas. Isso o torna insuperável em qualidade e facilidade de uso para os usuários que vêm no computador um meio de comunicação e acesso que deve ser o mais confortável e amigável possível.”

Uma questão que necessita de atenção quando do desenvolvimento de tecnologias assistivas é a facilidade e o conforto na realização de tarefas, e é buscando atender a esse requisito que o projeto FingerReader, de estudantes do Massachussets Institute of Technology (MIT), foi desenvolvido. Com o crescimento das wearable technology ou tecnologias vestíveis, iniciou-se um projeto de desenvolvimento um dispositivo que auxilia pessoas com deficiência visual, ou visão limitada, a lerem textos ou palavras de forma simples. Ele consiste em um anel que lê, “em voz alta”, as palavras para as quais é apontado e fornece avisos ao usuário sobre fim da linha, correção do percurso do dispositivo sobre o texto, entre outros. Sabendo que apenas 12% dos livros têm versão em letras grandes, braile ou áudio, esse protótipo é bastante promissor. A expectativa é que o produto seja lançado para consumo em um ou dois anos.

Finger Reader
Projeto Finger Reader – http://fluid.media.mit.edu/projects/fingerreader

Mas afinal, o que é Tecnologia Assistiva?

Tecnologia Assistiva (TA), no seu sentido mais geral, refere-se a todo conjuntode recursos e serviços, como dispositivos e sistemas, que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiências, incapacidades ou limitações. Esse é um termo recente e pode também ser encontrado como Tecnologia de Assistência, Tecnologia de Apoio ou, de forma mais generalizada, Recursos Tecnológicos Especializados [2].

A TA muitas vezes promove uma possibilidade de vida independente e de inclusão para as pessoas, visto que geralmente a tecnologia vem como um instrumento facilitador de funções que, provavelmente, já seriam executadas ainda que sem a existência de algum instrumento ou sistema diferenciado para execução da mesma. Porém, para alguém com certa dificuldade, a TA pode definir se a tarefa pode ou não ser executada.

“A TA deve ser entendida como um auxílio que promoverá a ampliação de uma habilidade funcional deficitária ou possibilitará a realização da função desejada e que se encontra impedida por circunstância de deficiência ou pelo envelhecimento. Podemos então dizer que o objetivo maior da TA é proporcionar à pessoa com deficiência maior independência, qualidade de vida e inclusão social, através da ampliação de sua comunicação, mobilidade, controle de seu ambiente, habilidades de seu aprendizado e trabalho”[1].

Categorização de Tecnologia Assistiva

Existem várias vertentes de pesquisa e desenvolvimento diferentes na área relacionada à Tecnologia Assistiva, considerando-se o tipo de deficiência atendida e/ou o tipo de tarefa suportara pela tecnologia, e por isso costuma-se dividi-las em algumas categorias. Apresentamos a seguir uma dessas classificações, proposta por Rita Bersch (2013) [1], de modo a simplificar e organizar de uma forma mais clara os tipos de tecnologias assistivas existentes e fornecemos alguns  exemplos de cada tipo.

  • Auxílios para a vida diária e prática: elementos que facilitam ou possibilitam a autonomia de pessoas com deficiência em atividades rotineiras como vestir-se, alimentar-se, cozinhar, suprir suas necessidades básicas, entre outras.

Exemplos: talheres adaptados, barras de apoio, relógios com alto-falante.

  • Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA): Destinada a atender pessoas sem fala ou escrita funcional ou em defasagem entre sua necessidade comunicativa e sua habilidade em falar e/ou escrever.

Exemplos: prancha de comunicação, vocalizador (prancha com produção de voz).

  • Recursos de acessibilidade ao computador: hardware e/ou software destinados a tornar o computador acessível a pessoas com deficiências sensoriais e/ou motoras.

Exemplos: efeito lupa para adequação de tamanho de apresentação das informações, teclados virtuais, mouses adaptados etc.

  • Sistemas de controle de ambiente: com a utilização de controle remoto, pessoas com deficiência ou limitação motora podem controlar aparelhos eletrônicos ou, por vezes, até mesmo parte da infraestrutura do ambiente.

Exemplos: controle de som, luz, televisor, portas e janelas.

  • Projetos arquitetônicos para acessibilidade: projetos arquitetônicos que garantem o acesso de pessoas deficientes a determinados ambientes.

Exemplos: rampas, elevadores, adaptações de banheiro, etc.

  • Próteses: peças artificiais que substituem parte do corpo para garantir melhor posicionamento, estabilidade e mobilidade.
  • Auxílios de mobilidade e Adequação Postural: a adequação postural dos aparelhos que auxiliam na mobilidade, como bengalas ou cadeiras de rodas, é importante para que se obtenha estabilidade e segurança, além de conforto. Já a mobilidade em carros é a possibilidade de uma pessoa com deficiência utilizar, ou mesmo dirigir, um automóvel e isso é realizado por meio de acessórios adaptativos, como facilitadores de embarque e desembarque, e serviços de autoescola para pessoas com deficiência.
  • Esporte e Lazer: acessórios ou adaptações adicionadas a práticas esportivas para facilitar ou possibilitar sua prática por pessoas com deficiência.

Exemplos: bola sonora, próteses para corrida.

O que não é Tecnologia Assistiva

Facilmente confunde-se uma tecnologia para fins de avaliação médica, tratamento de doenças ou atividades de reabilitação com equipamentos ou recursos de TA, como por exemplo quando se confunde um aparelho ou atividade de fisioterapia com TA. Como dissemos acima, TA associa-se à ferramentas de suporte à realização de tarefas cotidianas de forma independente por pessoas com deficiência, como por exemplo, uma bengala utilizada por um deficiente visual.

A TA no âmbito educacional também é facilmente confundida com tecnologia educacional. Entretanto, um aluno com deficiência utiliza um computador com os mesmos objetivos de seus colegas sem essa deficiência e, portanto, a tecnologia no âmbito educacional só passa a ser assistiva quando utilizada para romper barreiras que antes limitavam ou inibiam o acesso da pessoa com deficiência a objetos, projetos ou informações de estudo, como por exemplo a utilização de textos em braile ou mobiliário acessível.

Demanda e projetos de TA no Brasil

Os dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no censo demográfico de 2010, mostraram que, aproximadamente, 24% da população brasileira têm pelo menos uma deficiência[3]. Em paralelo, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) realizou uma análise, em 2013, encomendada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sobre a oferta e demanda de tecnologias assistivas bem como sobre as ameaças e as oportunidades na área de TA. Este estudo revelou grande potencial brasileiro para a área em questão, dada a variedade de pesquisas e projetos brasileiros que a contemplam.

Um exemplo é o projeto desenvolvido por alunos do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), o Facilitas, que consiste em um reprodutor de vídeos acessível. O projeto surgiu com o intuito de permitir o acesso ao vasto e crescente conteúdo em vídeo presente na web por pessoas com deficiência ou com alguma restrição. Além das funções comuns de reprodutores de vídeos, o Facilitas permite que sejam feitas anotações – o que possibilita o acesso direto ao trecho do vídeo -, além de busca pelas legendas e, principalmente para pessoas com deficiência visual, existe, ainda, a opção de áudio descrição, na qual os acontecimentos são narrados. Disponível no GitHub com licença open-source (ou seja, é possível que outros pesquisadores colaborem e aprimorem esta incrível ferramenta), o projeto já foi inclusive reconhecido pelo Prêmio Nacional de Acessibilidade na Web.

Também desenvolvido em nosso país, no Núcleo de Computação Eletrônica (NCE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o projeto microFênix é outro exemplo de tecnologia inclusiva. Esta ferramenta simula o uso do mouse e teclado e possibilita o uso de programas e funções em ambiente Windows de modo bastante acessível, através do microfone ou configurações alternativas no teclado. Proporcionando o uso do computador a pessoas com limitações de coordenação motoras e/ou dificuldades adversas. A aplicação está disponível em: http://goo.gl/eO7cIM.

É importante salientar que consta em nossa legislação o direito do cidadão com deficiência a recursos de tecnologia assistiva dos quais necessita, mas ainda estamos no início de um trabalho para o reconhecimento e estruturação desta área de conhecimento em nosso país. Apesar de grandes passos terem sido dados em direção ao desenvolvimento necessário da TA no Brasil nos últimos anos, como a ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência da ONU e a incorporação da mesma ao seu regimento e conferindo-lhe equivalência constitucional, ou seja,assumindo um compromisso oficial referente à criação e alteração de leis, regulamentos, práticas e projetos de uma forma que tornem-se inclusivos,ainda há muito o que conscientizar, investir e pesquisar nessa área.

Fontes de Pesquisa:

http://www5.usp.br/76788/premio-nacional-de-acessibilidade-na-web-reconhece-projetos-de-alunos-do-icmc/

http://canaltech.com.br/materia/ciencia/Parceria-entre-Hawking-e-Intel-traz-avancos-para-tecnologia-assistiva/

http://fluid.media.mit.edu/projects/fingerreader

http://www.brasil.gov.br/ciencia-e-tecnologia/2013/10/estudo-revela-potencial-brasileiro-para-tecnologias-assistivas

http://intervox.nce.ufrj.br/microfenix/

http://intervox.nce.ufrj.br/brfacil/

Artigos:

[1] http://www.assistiva.com.br/Introducao_Tecnologia_Assistiva.pdf

[2] http://www.revistas.usp.br/rto/article/view/13968/15786

[3] http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/cartilha-censo-2010-pessoas-com-deficienciareduzido.pdf