Café Filosófico – Mulheres na Computação

Café Filosófico – Mulheres na Computação

Realizamos este café filosófico a fim de refletir sobre a atual participação das mulheres nos cursos superiores de Computação e, num futuro, realizar intervenções que possam reverter o atual cenário e equilibrar a distribuição de gênero no curso. As professoras Fátima e Gisele foram convidadas para participar deste café, juntamente com duas de suas alunas: Bia e Mônica.

ÂNCORAS:
Introdução das professoras participantes
Influências para ingresso na área de Computação
Participação feminina na computação
Dificuldades na carreira
Permanencia da mulher na academia
Estereótipos na computação
Preconceito contra as mulheres
Atuação das mulheres na computação
Influências na formação das mulheres na área
Cenário em outros países
Projetos sobre a atuação das mulheres
Propostas de solução
Considerações finais

Profa. Sarajane: Os alunos aqui presentes são todos alunos de Sistemas de Informação, do segundo e terceiro anos. Eles formam o grupo de Educação Tutorial de Sistemas de Informação, que está sob um programa do Governo Federal. Esse é o vigésimo grupo PET da USP. Hoje já são vinte e três grupos na USP, e no país todo existem cerca de 800 grupos PET em diferentes áreas do conhecimento. Na área de computação são 37 grupo PETs. O PET é um programa pequeno quando comparado a outros programas federais, mas é bem interessante. Agora, vou passar a palavra para os donos da atividade, os petianos. O Jeferson e o Fábio são os responsáveis pelo café e por essa atividade de hoje, e a Amanda (petiana na época deste encontro) e a Lígia estão liderando o projeto relacionado às meninas na computação.

PET-SI: Como vocês veem o desenvolvimento de vocês no futuro, na área da computação? Quais são suas expectativas, seus planos?

Profa. Fátima: Em primeiro lugar, obrigada por esse convite. Eu não estudo a participação da mulher na computação, mas eu procuro agir no dia a dia em prol deste tema, por meio de meus gestos, ações e da minha conduta profissional, pois acredito que é uma questão de profissionalismo. Relacionado um pouco a minha experiência com o tema de nossa conversa, posso contar um pouco sobre minha experiência. No passado eu fiz duas faculdades. Quando eu fiz tecnologia de processamento de dados, no final da década de oitenta, mais ou menos metade da turma na faculdade era composta de mulheres. Depois, no começo da década de noventa, quando eu fiz ciência da computação, eu acho que a minha turma possuía 20% ou menos de mulheres. Parece que criamos, no Brasil, um sentimento de que ciências exatas é coisa de homem, um sentimento de que a mulher não raciocina como exigido pelas ciências exatas, mas eu simplesmente não acredito nisso. Eu acho que não é questão de ser homem ou ser mulher, e sim é uma questão de vocação. Na minha opinião, uma área de atuação não deve ser definida simplesmente a partir do fato de sermos homens ou sermos mulheres. Felizmente, nós estamos provando, como mulheres, que nós temos competência em todas as áreas, inclusive na computação. Existem várias mulheres de destaque no Brasil e no exterior na área de computação. Todo congresso de computação que eu participo, e que têm palestrantes mulheres, eu faço questão de estar na palestra porque eu quero ver, não por ela ser mulher, mas eu gosto de avaliar principalmente a postura, que diz muito mais em relação ao profissionalismo do que o fato de ser uma mulher. Acredito que no futuro continuarei assim, agindo profissionalmente. E também, quando tenho a oportunidade de ter (alunas) orientadas mulheres, gosto de mostrar para elas que é tudo igual, porque para mim é igual. Eu não oriento uma pessoa de forma diferente por ela ser homem ou ser mulher, eu oriento como duas pessoas que tiveram a competência de chegar até ali e é assim que eu conduzo meu trabalho. Se eu percebo, por exemplo, em uma aluna, que ela tem um pouco “esse receio” ou “essa postura” de que pode estar sendo subjugada por ser mulher, eu já tento esclarecer a situação dizendo que não existe essa diferença. Ninguém tem o direito de julgar por gênero, idade ou roupas que veste. No mundo profissional, o que deve ser levado a julgamento é o mérito, competência, e os resultados produzidos. Então, em termos de futuro, eu continuarei agindo profissionalmente.

Profa. Gisele: Obrigada, adorei a proposta do debate e torço para que ele evolua e parabenizo também os rapazes (presentes na discussão) por se disporem por elas. Esse é um grande avanço no movimento atual, justamente entender que o feminismo não é uma luta de mulheres para mulheres, mas basicamente é uma conversa sobre igualdade. Tem pessoas que estão mudando para que outros sejam tratados com respeito e consideração, que todos merecem. Então deixo minhas parabenizações. Quando eu penso em futuro, penso que nós temos um papel dentro da academia de formação de massa crítica. Então o surgimento desses debates e ações é algo que eu fico feliz de ver acontecendo e de alguma forma colaborando direta ou indiretamente. Nós basicamente pensamos que a academia, a universidade, é um dos grandes polos geradores de conhecimento, de inovação, inclusive na nossa área, que é de inovação tecnológica, mas também é local de inovações sociais. Então eu estou muito feliz por estar dentro desse ambiente que gera tanto conhecimento das mais variadas formas, seja escrevendo um paper, um código, ministrando uma aula, promovendo um curso de extensão, uma palestra ou uma ação no campus. Tenho uma expectativa e o desejo de que esses debates aconteçam cada vez mais e eu me coloco a disposição para apoiá-los. Compartilho muito desse ponto de vista da professora Fátima de exercermos nosso papel da forma mais profissional possível, e isso envolve todas as nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Eu também gostaria de chamar a atenção um pouco para o nosso papel também como cidadãos. Eu sou cidadã não só quando eu estou aqui como professora da USP, também sou cidadã fora do ambiente universitário e quando estou educando minhas filhas. Nós temos um papel político, essa é uma atuação política. Quando a Fátima se refere a lidar com as orientandas ou ir aos congressos que têm essa ênfase em prestigiar um espaço que está sendo conduzido e liderado por uma mulher, é uma atuação política. Podemos fazer política das mais variadas maneiras, não só necessariamente indo a uma passeata ou marcha, mas no cotidiano. Eu sou uma das coordenadoras de um grupo de pesquisa que, na nossa atuação, nas nossas atividades, além da atividade de pesquisa, envolve muita conversa e muito debate de como promover a participação. Nossos objetos de pesquisa envolvem justamente como promover a participação e, logicamente que a temática de gênero, as barreiras econômicas, sociais e raciais são uma preocupação, e muitas vezes acabamos percebendo que na própria dinâmica do grupo há a reprodução de padrões. Nossas conversas são bastante horizontais, nós temos nossos debates e algumas vezes nós reproduzimos, sem intenção, os padrões. No micro e no macro, é importante procurar ouvir o outro e aplicar o que aprende e ouve em sua vida pessoal da melhor forma possível. Eu acredito que as perspectivas futuras se entrelaçam nesses caminhos, de continuar aprendendo com pessoas interessadas no tema e compartilhar o que eu sei para que evoluamos juntos.

PET-SI: E qual foi o primeiro contato de vocês com a computação?

Profa. Gisele: Para mim, desde criança. Posso falar que eu nasci cientista da computação, porque meu pai foi um pesquisador da área. Desde criança eu o via trazer os primeiros equipamentos para casa, então literalmente brincávamos com os computadores, plugávamos na televisão e víamos ele programando. E eu devo muito do que eu sou, profissionalmente falando, nesse caminho da computação, ao meu pai, pela influência positiva de ver ele mexendo com todos esses equipamentos e muitas vezes convidando eu e a minha irmã para jogar e ver programas. Eu reconheço que tive um privilégio muito grande de, na década de 80, ver a tecnologia como uma coisa familiar, como uma coisa até afetiva, sendo que faz parte da minha lembrança ver tudo isso. Eu sei que a grande maioria das pessoas da minha idade, da minha geração, apenas entrou em contato com essa questão de tecnologia e da computação, apenas na faculdade ou muito mais para frente. Então, para mim, foi um grande privilégio ter sido exposta e influenciada tão cedo.

Profa. Fátima: Para mim foi… estava me lembrando agora quando vocês falaram… estava fazendo as contas…

Profa. Sara: É difícil, não é? [risos]

Profa. Fátima: É, mas para mim é claro. Para mim foi em 1983, quando eu estava na escola no então chamado primeiro colegial, hoje conhecido como primeiro ano de ensino médio. Na época nós fizemos uma visita à Embratel. Até então eu pensava em fazer engenharia civil porque eu adorava prédios. Eu vou viajar hoje e adoro tirar fotos de prédios… acho lindo!!! Mas, eu achava que eu iria fazer engenharia civil ou algo do tipo, arquitetura não porque eu não sei desenhar, apesar de ser da área de computação gráfica, eu não sei nada de desenho [risos]. Em 1983, a escola nos levou a uma visita à Embratel e lá mostraram um “objeto” para nós chamado Teleponto, que era uma televisão pequena que deixava você se comunicar com outra pessoa de qualquer lugar do mundo. Aí pronto, eu resolvi que queria fazer computação e nunca mais mudei [risos]. Eu sabia que eu não faria nada de biologia porque eu não gostava muito de química e também da própria biologia. Química sempre foi o meu fraco. Mas eu sempre gostei de ler, sempre gostei muito, eu adorava leitura, então era uma possibilidade ir para a área de literatura, apesar que ela não me atraía como uma profissão. E foi isso o que me fez decidir: foi uma visita à Embratel. Na época … como eu gosto de falar muito … na hora que falaram para mim que eu poderia falar com qualquer pessoa do mundo … me conquistou [risos]. Agora vocês façam as contas de 1983, primeiro colegial, até…[risos].

Profa. Sara: (Aos petianos) Antes de vocês continuarem, se apresentem para que as meninas (convidadas) conheçam vocês.

(petianos se apresentando)

Profa. Sara: Bia e a Mônica, se quiserem intervir na conversa, fiquem totalmente à vontade. Vamos fazer um break, para elas dizerem o que elas fazem e o porquê elas estão aqui. Tudo bem?

Bia: Tudo bem! Olá, boa tarde, meu nome é Bia Michele e sou estudante da pós de Mudança Social e Participação Política da EACH. Sou analista de estrutura e trabalho numa empresa chamada TW, de São Paulo. Sou formada em Sistemas de Informação, assim como vocês, pela Universidade Federal do Pará. Então, em mim vocês têm uma pessoa que adora pesquisar sobre a questão das mulheres na computação, mas para além das mulheres, “cis” na computação, a questão das mulheres cisgêneras, das mulheres transgêneras, das mulheres travestis. Me interesso em estudar como elas se distribuem, onde estão localizadas, como são as oportunidades no mercado de trabalho para elas, quais as problemáticas que todas nós enfrentamos no dia a dia, se isso é meramente individual, se isso é coletivo, se são problemas estruturais, se são essas questões que vocês estão levantando, assim como as que as professoras levantaram. Como a professora Fátima colocou, a questão do por quê na primeira graduação dela existia tantas mulheres na computação e porque hoje não é assim. Onde é que se observa esse fenômeno … Então, essas questões são coisas que sempre me interessaram muito, desde a minha graduação em Sistemas de Informação, e me interessa muito ainda, agora que trabalho na área. Se na faculdade já vemos poucas meninas entrando na área de computação, imagine no mercado de trabalho, sendo que lá existe um RH que seleciona de fato quem entra e quem não entra. Então, trabalhar na área fez despertar em mim ainda mais a questão da pesquisa sobre essas e outras questões como políticas públicas para travestis e transexuais, que é atualmente meu projeto de mestrado aqui na universidade. Então, eu transito nesses dois mundos.

Mônica: Eu me chamo Mônica, sou formada em Sistemas de Informação, também pela Universidade Federal da Amazônia. Esse mundo de discutir gênero já vem permeando minha vida há muito tempo, desde o tempo da faculdade. O meu TCC (trabalho de conclusão de curso) foi sobre a participação das mulheres paraenses na área de computação no estado do Pará. Hoje eu trabalho na Infopreta, um projeto que faz doação para mulheres que estão entrando na faculdade e que precisam de computadores, já que é algo essencial para elas. Nós recebemos doações e repassamos as doações para as meninas que estão na faculdade. Hoje eu também pesquiso a questão das mulheres em relação às regiões. Interessante notar que quando eu cheguei aqui em São Paulo, eu percebi uma grande diferença entre as meninas daqui e as meninas do Pará. Então, eu estou pesquisando porque há tanta diferença regional.

Profa. Sara: Bom, então agora a gente continua e aí quando vocês acharem relevante intervir fiquem à vontade, e os outros (alunos) também. Às vezes vocês ficam muito quietos … [risos] … vou sair cutucando vocês para ver se resolvemos isso [risos]. TOPO

Bruno Shirasuna: Muito obrigado por comparecem aqui, nossas entrevistadas e convidadas também. Meu nome é Bruno, estou do terceiro semestre, e gostaria de continuar, puxando o fio da meada, já que vocês falaram sobre os seus primeiros contatos com a computação. Gostaria que vocês falassem sobre as suas influências … suas influências para vocês terem entrado na carreira de computação. Você (Gisele) citou sobre a influência do seu pai, por exemplo, você (Fátima) falou sobre a Embratel, mas houve outras influências que foram determinantes para vocês terem entrado nessa carreira e também alguma influência para vocês terem entrado na área acadêmica? E se puderem citar algumas figuras femininas que foram influências, caso tenha, seria bastante interessante.

Profa. Fátima: Bom, eu tive duas professoras de matemática no ensino fundamental e no ensino médio que foram fundamentais. Acho que até hoje elas não sabem que elas foram fundamentais, porque não tinham relação com computação, mas elas ensinaram muito bem a matemática e, para ajudar … os meus professores … os de português foram bons, mas os de história e química foram péssimos, então eu acho que a influência foi positiva de um lado e negativa para o outro [risos] visto que eles contribuíram para que eu não fosse para outras áreas. Mas essas duas, e coincidentemente mulheres, da matemática… eu não sei… elas me fizeram achar a matemática gostosa, eu me divertia com aquilo, por incrível que pareça eu adorava fazer listas de exercícios, eu adorava saber matemática e ir à fundo, então eu acho que foram influências. Depois, em termos de pós-graduação, por incrível que pareça, quem me influenciou a vir para a academia foi um homem. Foi o meu orientador de TCC, que fazia mestrado na época na área de sistemas operacionais. A primeira área que me inscrevi para mestrado foi em sistemas operacionais. Depois achei que trabalhar com imagem seria mais legal, acabei indo para o lado de processamento de imagens. Mas, foi um homem, e não fui para o mestrado porque era homem ou mulher, foi porque eu achei a carreira legal, porque eu gostava de estudar, na verdade. Quando eu comecei a fazer mestrado, e depois doutorado, não estava certo ainda, na minha cabeça, se eu seguiria carreira acadêmica. Eu queria seguir mestrado porque queria estudar, e eu achava que quando eu terminei a faculdade, as duas na verdade, faltava profundidade. Então eu fui fazer pós-graduação porque eu queria estudar, não pelo fato de querer ser professora. Eu acabei fazendo a pós-graduação enquanto trabalhava. Além de mestrado e doutorado, e eu trabalhava na UNESP, onde eu era funcionária, analista de sistemas. No meio do doutorado, descobri que não queria mais viver a rotina de desenvolver sistemas e atender usuários. Então, quando estava no meio do doutorado, eu ainda estava naquele esquema de ou eu termino o doutorado ou eu faço um concurso para analista do INSS onde eu ganho o dobro do qualquer professor [risos] … porque ainda tem essa questão, se eu vou entrar na carreira de docente e vou ganhar “tanto” ou se sigo para esses concursos para analistas diversos, onde você ganha o dobro. Então eu me perguntava: por que eu estou estudando tanto? E a gente estuda muito… no mestrado e doutorado a gente estuda bastante. Vocês da graduação, não imaginam quanto!!!! E o que me deixava feliz era ver os meus programas rodando, meus algoritmos funcionando, o meu resultado. O que me encantou na área acadêmica foi saber que todo dia, todo mês, todo ano eu poderia fazer alguma coisa diferente. Alguma coisa que eu decidisse … que fosse legal para eu fazer. Ninguém viria me obrigar a fazer um projeto e acabar achando ele chato. E foi isso o que me encantou, juntando à minha rotina que não tinha novidades, era sempre a mesma coisa, os mesmos problemas, as mesmas pessoas, e eu não sou uma pessoa que gosta de rotina. Eu não consigo, a rotina, tarefa repetitiva, me irrita. Mas na academia eu não acredito que eu tive influência feminina. Eu avalio que fiquei na área de exatas por causa de duas professoras de matemática que demonstravam prazer na maneira de transmitir o conhecimento, e ao meu ver esse entusiasmo acabou sendo transmitido e influenciando na minha decisão sobre a área de atuação.

Profa. Gisele: Eu acredito que a minha primeira grande influência feminina foi minha mãe, que também trabalhava na área de exatas, em contabilidade. Dentro de casa eu tive muita influência tendendo para o lado de exatas. Nós, eu e minhas irmãs, éramos muito estimuladas para essa área de exatas. Éramos presenteadas com livros de problemas de olimpíadas de matemática e com brinquedos de raciocínio lógico. Apesar de ter sido estimulada por tudo isso, eu fiquei em dúvida se eu realmente iria fazer o curso de computação, mas uma das coisas que ficou clara desde o início era que eu gostava de estudar, eu era a “nerd” que gostava desde história até física. Eu gostava de aprender e sempre fui curiosa, e por ter tantas opções isso gerou um pouco de dúvida. Mas no período de vestibulares eu prestei arquitetura na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e computação, na minha cidade natal, Campo Grande, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Tive dúvidas até sobre fazer educação artística. Nessa época de adolescência, nós nos vemos com todas as oportunidades, e como eu não tinha preferências e tinha muita curiosidade, eu queria continuar em um ambiente que me estimulasse e me permitisse avançar na área de exatas. A entrada no curso de computação e não no curso de arquitetura, de certa forma, decorreu do meu histórico familiar, e isso teve uma maior relevância, principalmente durante a adolescência. Durante a graduação, eu tive grandes professores e professoras, sendo um deles inclusive meu pai. Por ele ser professor, eu já convivia nesse ambiente acadêmico desde cedo. Eu brincava nos corredores da universidade, eu considerava a universidade uma extensão da minha casa. Na graduação, uma grande influência para mim foi a professora Nahri Balesdent, que trabalha com sistemas distribuídos e foi minha orientadora de TCC (trabalho de conclusão de curso). Posteriormente, no mestrado eu procurei uma outra mulher bastante reconhecida na área de computação que é a professora Cláudia Medeiros Bauzer. Na época, eu estava procurando sobre banco de dados distribuídos, mas acabei não fazendo o mestrado com ela. Isso é uma história para outra hora, mas ela foi uma referência para mim. Eu acredito que seja normal, procurarmos pessoas com as quais nos identificamos. Nós acabamos por nos espelhar nessas pessoas. Minha vida acadêmica foi, em partes, parecida com a da profa. Fátima, procurando as referências femininas e masculinas. Eu destacaria como o último grande nome, a professora da Escola Politécnica da USP, Líria Sato, minha orientadora de doutorado que trabalha na área de programação paralela e distribuída. Ela é uma pessoa pela qual eu tenho uma grande consideração. Foi quase uma mãe dentro da academia, e foi uma pessoa que me ensinou muita coisa pelo que ela é e sobre postura na vida, assim como a Fátima comentou. Fátima também falou que o mestrado e o doutorado, ambos, são para pessoas que realmente sentem prazer em estudar, e muitas vezes esses são períodos que demandam muito pessoalmente, e ela (profa. Líria) foi uma pessoa que foi determinante para mim em um desses períodos, dando orientações muito além do escopo do doutoramento, e eu presto uma grande homenagem a ela.

Fábio: Eu gostaria de agradecer a presença de vocês também. Eu gostaria de entrar um pouco mais na questão do ciclo social e familiar. Qual foi reação das pessoas ao descobrirem que vocês decidiram adentrar em uma carreira profissional da área de exatas?

Profa. Gisele: “Soltaram fogos gente!!” A minha mãe me perguntou: “Você se inscreveu em que?”, e ao descobrir que eu havia me inscrito para a carreira de computação, ela se sentiu aliviada. Eu sofria na escola, eu era admirada e odiada ao mesmo tempo, então dizer que você vai para a computação, vindo de uma menina “nerd” eu acredito que não houve tanto choque, acho que se tivesse vindo de uma menina “patricinha” talvez as pessoas ficassem mais chocadas, mas de mim nem tanto, os meus colegas apenas falavam “vai fundo.”.

Prof. Fátima: Meu pai não tinha curso superior e ele falava que para você ser alguém na vida você tinha que estudar. Isso é meio emocionante … porque no fim ele faleceu antes de ver os filhos formados e isso é uma coisa que mexe um pouco. Minha mãe era professora do ensino primário e fez ensino superior depois de casada. A Gisele falou da mãe dela e eu estava pensando: “Poxa! Que injustiça minha não lembrar da minha mãe”, ela não tem muito a ver com a minha área, ela fez pedagogia, mas ela era um exemplo. Ela tinha três filhas pequenas, fazia faculdade, trabalhava oito horas por dia porque o salário do meu pai não era o bastante para sustentar todo mundo. Então eles tiveram muita influência, dizendo “vocês têm que estudar, vocês têm que fazer faculdade porque o estudo é o único jeito de vocês serem alguém na vida”, porque nós éramos muito pobres, tanto é que da família da minha mãe, só a minha tia tem curso superior, e com a família do meu pai nós não tínhamos muito contato, mas alguns devem ter feito. Eu cresci ouvindo isso e meu pai falava: “Eu vou guardar dinheiro para as meninas estudarem, se um dia eu não estiver aqui, esse dinheiro é para elas estudarem.” Eu fiz faculdade pública, mas as minhas irmãs fizeram particular e conseguiram pagar com muito sacrifício. Quando passamos na faculdade, foi uma comemoração do tipo “vai fazer faculdade!”. Eles não tinham noção do que era uma universidade pública ou particular, a gente não tinha noção da diferença, tanto que na minha cidade tinham faculdades particulares e tinha a USP que tinha odontologia. Mas eu não queria esse curso, eu entrei em uma faculdade municipal que era voltada à computação. Mas ela se tornou a UNESP (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”), no meio do caminho. Enfim, para eles (meus pais) a comemoração era “As filhas estão na faculdade e vão ter curso superior.”, e o que eles podiam fazer para nos poupar e nos deixar estudar, eles faziam. Eu fiz a universidade trabalhando e eu comecei a trabalhar cedo, não porque eu precisava trabalhar, porque o básico nós tínhamos, apesar de pobres, mas existia essa tendência de trabalhar e ter o próprio dinheiro. Muitas vezes, durante o curso da faculdade, eu ficava madrugadas estudando computação, depois trabalhava oito horas por dia, e estudava nos fins de semana. Quando eu tinha prova era comum eu ficar estudando até duas ou três horas da manhã. Eu fazia universidade à noite e a minha mãe fazia uma garrafa de café para eu poder tomar até três horas da madrugada. O apoio deles nunca foi muito intelectual porque eles não eram intelectuais, mas eles deram apoio de vida. Todas as minhas irmãs fizeram curso superior. Uma é diretora de uma escola da rede pública e está fazendo doutorado com quase cinquenta anos de idade e é um orgulho pra mim, porque ela é um exemplo de luta. A outra é enfermeira do hospital das clínicas aqui de São Paulo. Nós tínhamos que acordar cedo para ir trabalhar e fazer faculdade, e eu nunca ouvi meus pais falando “não vá porque está chovendo”. Ao contrário, eles nos davam a “sombrinha”. Como não tínhamos carro, tínhamos que andar até o ponto de ônibus. Mas isso nunca foi sacrifício para a gente. Nós nos víamos com o privilégio de poder estar fazendo faculdade. Não era difícil acordar cedo, andar de ônibus, não ter roupas novas e não estar sempre na moda. Era tão natural, porque eles passavam para a gente que tinha que ser assim se quiséssemos chegar a algum lugar. O exemplo deles foi a influência de vida, não foi exatamente para a área, mas resumindo a pergunta, Fábio, foi uma questão de comemorar por estar fazendo faculdade. Eu acho que qualquer faculdade que eu fizesse eles comemorariam. Na verdade, acredito que eles nem sabiam direito o que é computação, mesmo hoje acredito que minha mãe não saiba. Mas ela sempre sente muito orgulho porque a filha é professora da USP. TOPO

Profa. Sara: Fazendo um link com a resposta anterior sobre a questão dos professores de matemática. A maioria dos meus professores de matemática eram mulheres, no ensino fundamental e no ensino médio. Apesar de que no ensino médio tinha um número um pouco maior de professores homens, ainda assim esse número era menor que o de professores mulheres de matemática. Eu não sei se isso era relacionado à região, a questão econômica da época ou outros fatores. Mas eu não tenho lembranças de ver professores homens, meus ou de conhecidos, na matemática.

Profa. Fátima: É mesmo.

Profa. Sara: Ainda que valha o fato que professoras mulheres eram maioria naquela época, quando havia professores homens eles lecionavam disciplinas de história, português e geografia. Mas, nas disciplinas de ciências exatas eu não tenho a lembrança de ver professores homens. Eu não sei onde surgiu esse pensamento de que matemática é coisa de homem, porque na minha experiência, a educação da matemática era realizada por mulheres. Hoje isso pode ter mudado, eu não sei como está a situação atual porque eu não acompanho esse meio do ensino fundamental e médio.

Bia: Eu acho que tem um tópico que ficou muito evidente na fala da profa. Fátima: o quão forte é não só a questão de gênero, mas também a questão social. Eu acho que quando pensamos na questão das mulheres na computação, a questão social é algo que antecede isso. No Pará, os cursos de computação no período noturno tinham várias mulheres. E o motivo disso, identificado pela Mônica em sua pesquisa com as meninas do Pará, é que as mulheres precisam trabalhar durante o dia, e não havia nenhum outro curso no período noturno. Isso retoma o apresentado pela Fátima, que independente de qual a área do curso, o mais importante é elas fazerem um curso superior. E elas precisam ter no currículo o ensino superior completo para poder ter alguma chance no mercado de trabalho. Por exemplo, meu pai não sabia nem o que era mestrado. Ele achava que ao concluir a graduação o ensino estava concluído. O meu contexto é similar ao da Fátima, meu pai é um pedreiro e ele não conhece as diferentes áreas da computação. Minha mãe conhece um pouquinho a mais sobre isso. Então, bom base nesses cenários, eu gostaria de chamar a atenção para, quando formos falar sobre a presença de mulheres na computação, pensarmos que existe uma pergunta que nós devemos nos fazer: “de quais mulheres a gente está falando?”. Porque aqui neste “café” nós temos o exemplo de duas grandes mulheres. Olhando o exemplo da Gisele, que vê a importância da influência da família e da comunidade estreitar os laços com a universidade. Para ela existe a lembrança de observar a universidade como uma extensão da casa dela, e hoje nós vemos a universidade afastada da sociedade. Nas falas da Gisele, podemos perceber a importância da família e da universidade estar se relacionando com a sociedade. Na minha opinião, esses projetos de extensão conseguem fazer esse papel de aproximar a comunidade da universidade. Estamos falando de um tipo de mulher, uma mulher que teve oportunidades para chegar ao ambiente universitário. Já a Fátima é um outro tipo de mulher, que teve muitos obstáculos para conquistar o que conquistou, os motivos que a levaram para a computação foram um conjunto de fatores que foram acontecendo ao longo do caminho. E ainda existem mulheres que ainda não estão nesse meio acadêmico, de diferentes etnias e classes sociais… são questões muito estruturais. A gente tende a pensar que são questões individuais, que se a pessoa se esforça ela sempre vence, mas existem diversos fatores que vão contra isso, como o preconceito. As condições de sucesso não são iguais para todos. Por exemplo, o computador sempre foi visto como um brinquedo de menino devido a uma questão comercial. Essa escolha não teve nenhuma relação com a questão do raciocínio lógico e afins. A computação sempre foi um espaço povoado por mulheres, como foi colocado pelas professoras, e em algum momento isso se inverteu.

Profa. Sara: Existe um marco para essa mudança? Existe algum estudo relacionado a isso?

Mônica: Existe um estudo que diz que as mulheres atuavam na área de secretariado e se inseriram no início do desenvolvimento da área de computação, que começou com o trabalho com planilhas e afins. Mas a partir do momento que a computação se tornou uma profissão valorizada, os homens começaram a dominar na área da computação. No começo de tudo, as pessoas computavam fazendo os cálculos manualmente.

Bia: Recentemente foi lançado, o filme “Estrelas além do tempo”, que conta a história de três cientistas da NASA. No filme são mostradas cenas nas quais diversas mulheres trabalham dentro de uma sala, e elas eram as “computadoras”, já que a função inicial de um “computador” era calcular. Se você observar os registros históricos, você pode confirmar que a maioria das pessoas que exerciam essa função de computador eram mulheres. A pesquisadora brasileira que estuda esse assunto, definindo bem esse marco da valorização da área da computação e da migração dos homens para essa área se chama Gilda Olinto. TOPO

Fernando: Existiu alguma ocasião na qual vocês tiveram alguma dificuldade profissional, tanto na sua formação quanto na carreira, sobre a qual vocês gostariam de falar?

Profa. Gisele: Eu tenho várias anedotas, que a gente pode até achar graça, mas que revelam o machismo. “Essa menina programa que nem macho”, eu ouvi esse tipo de coisas.

Profa. Sara: Eu ouvi esse tipo de afirmação até pouco tempo, que “programação boa é programação para macho”.

Profa. Gisele: Porque era assim, você chegava no mestrado, o coordenador de pós falava: “esse curso aqui é para separar os homens dos meninos”. E eu como fico nessa história? Onde eu entro nisso? Eu passei, agora estou na sua categoria de homem? Para você ser competente e profissional você tem que ser viril, você tem que ser macho e esse discurso é totalmente equivocado. Primeiramente, não é engraçado. O ruim é que na época eu não conseguia falar isso. O bom é que hoje eu e outras mulheres podemos falar isso. Você acha engraçado, mas não é, você devia repensar por que você riu dessa piada, porque você está confundindo as coisas. É como Fátima falou: “Eu vou fazendo a coisa da forma mais correta possível, do jeito mais profissional possível e isso não indica que eu sou muito macha”. Eu fiz um doutorado que tinha que programar muito em baixo nível, em médio nível, em alto nível. Então para algumas pessoas eu era macha pois eu programava, mas isso é confundir tudo. Acho que essas questões são as que a gente tem que começar, cada vez mais, falar e denunciar. Tem situações muito sutis, de tratamento, pelas quais algumas vezes você passa em um ambiente profissional. Já me ocorreu de estar com outros homens que tinham menos titulação do que eu ou com pouco menos, e chegar uma delegação, uma comissão, e eles virem sempre te cumprimentar por último.

Profa. Sara: Ou não cumprimentar

Profa. Gisele: Começam pelo japonês, japonês mais velho. Desculpa gente, eu não estou querendo falar nada contra os japoneses. Em um grupo na tecnologia, geralmente têm orientais. Eu sempre pensava: “Com certeza, primeiro vai ser esse, esse, esse e talvez eu vá por último.” Começava pelo mais velho que coincidentemente tinha feições orientais, em seguida vem o oriental mais novo. É incrível você observar alguns estereótipos sendo reproduzidos – “o cara de exatas oriental, ele sim é o fera, o cara branco é assim… e aquela menina talvez seja a secretária dele.” Eu ia em feiras de comunicação e de computação com alguns colegas e amigos e em todos os estandes se repetia isso. Se coloque do outro lado. Para para pensar que você de repente está atuando, fazendo um prejulgamento totalmente inútil. Enfim, eu acredito que todo mundo tem que aprender e ensinar que se pode ter feições orientais, ser negro, branco, mulher ou homem… Mas isso é uma mensagem que é passada para mulher. Uma mensagem que você passa quando você está em uma roda de conversa e você começa a podar, interromper uma mulher. Tem até um nome para essa prática. Você está diminuindo a mulher, passando uma mensagem sutil de que a voz dela tem menos valor e força. Não é que isso só aconteça na computação, eu vejo isso acontecendo em outros locais e felizmente eu vejo cada vez mais pessoas atentas e denunciando isso. Denunciando essas questões sociais e culturais. Mas especificamente na academia, não só na computação, também vejo todo um sistema que é desenhado para ascensão do homem e não da mulher. Eu vou falar da academia porque é o ambiente em que eu trabalho, talvez no mundo corporativo também ocorra isso. Essas questões da idade reprodutiva da mulher, da questão da ascensão da carreira e os sistemas de avaliação, muitas vezes levam a mulher a tomar algumas decisões: eu subo na carreira ou viro mãe? A avaliação é igual e é isso que a Bia está trazendo: “A gente pode comparar pessoas que têm diferentes pontos de partida?” Todo mundo fala meritocracia, meritocracia… meritocracia para quem? … As pessoas pensam: “Eu me sinto assim, eu devia conquistar o prêmio nobel por tudo que eu tive… Tantas dificuldades que eu passei na vida…. O tanto de apoio que eu tive na vida. Eu devia estar muito além.” Mas é justamente falar sobre isso: quais são os pontos de partida de uma pessoa? É justo falar que você se esforça e consegue? Qual é o ponto de partida? E de quem a gente tá falando? Eu faço a mesma pergunta para o sistema, quem definiu o sistema de avaliação são, em via de regra, homens colocando todo mundo no mesmo ponto de partida. É essa decisão pessoal. Repito mais uma vez que eu sou uma pessoa muito privilegiada e graças a Deus a minha trajetória profissional coincidiu bem com a minha trajetória pessoal. Eu sou feliz hoje de estar conciliando essas duas coisas, mas eu já ouvi relatos de amigas que em vários momentos esses dois objetivos colidiram. Então é uma situação bem importante de ser debatida.

Profa. Fátima: Bom, enquanto a Gisele falava eu estava tentando lembrar de alguns fatos. Na minha cabeça veio primeiramente: nunca sofri preconceito. Mas na hora em que você para, sempre lembra de alguns fatos. Eu acho que não tem a ver com eu ser mulher, mas teve a ver principalmente porque eu era uma pessoa que trabalhava e queria estudar ao mesmo tempo. Na primeira faculdade que eu fiz, eu vinha de uma escola pública. Eu fiz ensino médio em uma escola pública e o nível era baixo. Eu consegui entrar na faculdade, mas para você conseguir ir bem é outra questão. Pois você não tem base e tem que se virar para aprender. Eu lembro que na primeira prova de matemática que eu fiz, eu tirei 4. Era uma prova simples, como se fosse cálculo agora para vocês. Não era uma prova complicada e o professor chegou na sala e disse: “Quem tirou abaixo de 5 dificilmente vai conseguir se recuperar.” Para mim as coisas funcionam assim: “Se você quer ver eu fazer um negócio fala que eu não posso… Aí eu vou provar que eu posso.” Na minha mente ficou assim: “Vou mostrar para você quem não vai tirar!!!” Eu lembro que na prova complicada eu tirei 9, e falei: e aí?. Claro que eu não falei, eu falei para mim mesma. Eu tinha 17 anos e não enfrentava o professor, mas para mim eu pensava: “Provei ou não provei?”. A segunda coisa foi interessante porque quando eu fui entrar no mestrado lá em São Carlos, eu trabalhava, e não podia ter dedicação integral ao mestrado. Eu fui procurar vários lugares em São Carlos que aceitavam alunos em dedicação parcial, e como eu queira na área de Sistemas Operacionais, eu procurei um professor dessa área. Fui eu e dois colegas, e eu acho que na verdade o preconceito não foi por eu ser mulher, mas o professor virou para nós três e perguntou: “vocês trabalham?” Os outros dois responderam que não, eu falei que trabalhava. Então, o professor disse: “você não interessa para nós”. Foi essa a frase, e essas coisas você não esquece. Continuou: “vocês dois interessam”. Na época, a USP de São Carlos (ICMC) disponibilizava um curso de verão para selecionar os alunos e tinha muita procura. O que era levado em conta era o seu desempenho. Ele virou para mim e disse: “Mas de qualquer forma, se você quiser pode deixar aí o histórico que eu vou ver” e eu respondi: “Tudo bem, professor, mas mesmo trabalhando eu garanto que eu tenho um dos melhores desempenhos da turma”. Imprimi o meu histórico escolar que vinha com a média da turma e deixei de baixo da porta dele, mas naquele momento eu decidi eu não queria fazer mestrado com ele. Porque se for para sofrer preconceito … eu prefiro trabalhar com alguém que me valorize. O que aconteceu foi que eu fui selecionada para o curso de verão, e os meus dois colegas não foram. Não é questão de ser melhor ou não, é questão de se você quer alguma coisa você vai atrás. As minhas notas eram boas mesmo trabalhando. E eu não admitia sofrer preconceito simplesmente por não possuir uma posição social igual aos outros. Eu falava: isso não serve para mim; eu quero trabalhar com quem me valorize. Essa foi a segunda ocasião, mas que eu considero que foi preconceito social. A terceira foi o seguinte. Quando eu fui entrar no doutorado, eu me inscrevi e o meu orientador não era credenciado no programa. O regulamento da Física lá de São Carlos, era assim: se o aluno passar e o orientador não for credenciado, o aluno tem um prazo para arrumar orientador, e tinha uma prova de computação. Eu estudei bastante e eu sabia que tinha ido bem na prova. Aconteceu que uma colega minha, que eu tinha certeza que não tinha ido bem porque eu a conhecia, entrou e eu não entrei no doutorado. Então fui ver o que aconteceu e fiquei sabendo que havia sido excluída pelo fato do orientador não estar ainda credenciado. Depois eu fui atrás, fiz uma carta, o representante discente resolveu na coordenação e me incluíram na lista de aprovados, e, de fato, as minhas notas da prova tinham sido bem altas, segundo ou terceiro lugar. Eu podia ter ficado quieta e me conformado, em todas as situações. Isso é estilo, eu não condeno estilo, tem gente que faz passeata, leva faixa e xinga o coordenador. O meu estilo é: eu vou provar a minha competência. Acredito que essas situações me marcaram e por isso eu consegui lembrar agora, mas eu acho que foi mais um preconceito social do que de gênero. Agora preconceito de gênero… tem umas coisas engraçadas. A primeira foi que um dia um professor, que eu não acho que seja uma pessoa preconceituosa, nunca demonstrou, assim que eu estava no mestrado ele me disse: Você começou a dar aulas, não é? Você precisa tomar muito cuidado com as roupas que veste pois tem cara de novinha, é mulher e é pequena, então não vai impor respeito, mas…

Profa. Sara: Tudo isso?

Profa. Fátima: Ele falou isso para mim. E eu não acho, por incrível que pareça, que ele falou isso para me ofender, eu acho que ele falou isso pra me alertar. Mas isso mostrava o machismo que estava impregnado também nele. Mas legal, serviu! A outra situação foi engraçada por que foi assim: fui num congresso nos Estados Unidos, daí eu sentei em uma mesa, em congresso é muito comum ter bancadas, você senta para anotar as coisas. Um cara sentou do meu lado e perguntou o que eu ia fazer à noite. Foi assim. Eu virei, fingi que não tinha entendido, falei “eu não entendi” e saí de perto dele. Porque, obviamente, aquilo tinha cara de cantada… É a única vez que eu me lembro na verdade de ter acontecido um preconceito assim no sentido que poderia ser considerado um assédio. Mas na época nem se falava na palavra “assédio”. Mas foram duas situações. Mas a Gisele falou uma coisa muito importante que eu queria comentar rapidinho. Por que a mulher tem que escolher entre ser mãe e se desenvolver profissionalmente e o homem não tem que escolher entre ser pai e se desenvolver profissionalmente? Por que o filho fica com febre e a mulher leva ao médico e o homem vai trabalhar de consciência livre? Por que depois de almoço no domingo, desculpem meninos se vocês fazem isso, mas é pra vocês pensarem também, as mulheres vão lavar a louça e os homens vão assistir televisão ou dormir? Então são coisas, na idade de vocês, que mesmo como menino a gente fala “Eu não sou machista”, “Eu não tenho preconceito”, mas eu vejo isso acontecendo na minha família com jovens da idade de vocês. Depois do almoço as meninas vão ajudar a arrumar a cozinha e os meninos vão dormir, assistir televisão ou jogar videogame. A gente pode achar que isso não é machismo, mas isso é machismo, gente. E aí eu falo para as meninas também: você achar que é obrigação sua, e só sua, levar filho no médico ou levar o filho na escola, e o homem pode sair normalmente porque aquele instinto de maternidade é mais forte, isso é o machismo que está nas meninas também. Do meu ponto de vista. Eu não tenho filhos, mas eu tenho uma sobrinha que ajudo a criar como filha, que estuda aqui, que mora comigo de vez em quando. E com meus sobrinhos eu tento alertar sobre isso também, eu falo “Cuidado!”. A nossa cultura é machista. E eu não sou daquelas que levanta bandeira cor de rosa, não sou. Mas acho que nos pequenos gestos eu tento conscientizar. Por que a menina acha que ela não pode? Porque nós mães, tias… a gente dá bonequinha para menina e carrinho para menino. Quando a minha sobrinha nasceu eu falava para minha irmã “Você me desculpa, mas ela nunca vai ganhar vassourinha, panelinhas, geladeirinha, de mim. Boneca até dou”. Mas vassourinha, cozinha… falo assim: “Se um dia eu puder dar uma vassourinha de presente para um menino e dar sem preconceito, aí eu dou para os dois. Mas se eu der uma vassourinha, uma geladeirinha, um jogo de panelinha pro seu filho, você vai ficar brava?”. A maioria das mães ainda fica hoje. Daqui a pouco não vai ter mais porque “Master Chef” está virando profissão de glamour [risos]. A mesma coisa que aconteceu na computação está acontecendo na cozinha. Antes era só coisa de mulher, agora como ganha dinheiro e é coisa de glamour, os homens estão por lá. Então eu acho que nas pequenas coisas a gente precisa se questionar. Quando a Gisele falou isso me tocou muito, porque é assim. Eu vejo colegas aqui na USP, falando “Eu não tenho tempo de escrever meus artigos, eu não tenho tempo de orientar meus alunos, porque eu tenho um, dois, três filhos e eu preciso levar para escola”. E volta e meia eu pergunto “Mas, e o marido?”, e respondem “Ah, ele precisa sair pra trabalhar, né. Ele sai cedo para trabalhar”. Eu digo “mas você não precisa?! Só ele precisa?”. Por que que a mulher tem que renunciar sua carreira, ou pôr um freio na sua carreira e o homem não? Por que a mulher não pode ter liberdade para viajar pra um congresso e o homem sai viajando pro congresso? Ela fica por causa dos filhos… isso é o machismo. Então, o que eu vejo é assim, as dificuldades … a gente sempre enfrenta. Independentemente se é homem ou se é mulher. Eu acho sim que algumas vezes as mulheres enfrentam uma dificuldade por ser mulher, porque a gente tem uma cultura assim. Mas, a postura diante da dificuldade determina o que você vai fazer depois. Você pode chorar, você pode se sentir injustiçada, ou você pode mostrar que aquilo está errado, ir em frente e lutar, mostrar que não é assim. Mesmo que você não vá enfrentar a pessoa, porque isso depende da pessoa. Eu não gosto muito de embate, eu não sou assim. Eu sou muito mais de reagir com ação, entende? Cada um tem seu jeito. Mas o que eu acho é que a gente não pode aceitar aquilo que está errado, aceitar que é assim e não mudar, a gente tem que mudar, homem ou mulher. E se você reparar bem como a Gisele disse no início, os meninos estarem tomando consciência disso já é uma gota d’água que vai aumentando, virando um copo, virando um rio… vai mudando. Porque você começa a agir diferente em relação às mães. Aposto que agora quando falei da cozinha você começa a pensar, não é? E não é por mal gente, é que vocês foram criados assim. O meu marido lavava a louça e falava para mim e dizia “hoje eu lavei a louça pra você”. Eu falava: “Não entendi? Lavou pra mim?”.

Profa. Sara: Pois é né?!?! Lavou para você, não é?

Profa. Fátima: Do tipo: “eu estou te fazendo um favor”. Eu falei “Não, a casa é nossa”. E ele nunca mais… E assim, se um dia eu chegar a falar que ele ergueu a voz para mim, eu vou estar divorciada, porque eu não admito. É coisa de você deixar também, que as pessoas façam as coisas com você. Quando seu marido, o seu namorado fala “eu fiz por você” uma coisa que você entende que é uma coisa dos dois, você está deixando também. Tem essa postura, não é? Hoje em casa, por exemplo, não tem esse negócio. A louça estava suja, quando cheguei está lavada. Eu não vou precisar bater palma para ele porque ele lavou a louça. Se eu estou, eu faço. Se ele está, ele quem faz. Simples assim. Tem um pouco dessa postura, de você não admitir também que as coisas sejam desse jeito.

Profa. Sara: Só pegando um gancho com o que a Gisele comentou e a Fátima também, sobre as pequenas coisas de comportamento. A gente passa por situações nas quais você vê que a cultura permanece… às vezes não é por mal. Eu acho que seu orientador não fez por mal.

Profa. Fátima: Também acho que não, mas está enraizado.

Profa. Sara: Acredito que foi um tipo de proteção… ele pensou “vão fazer isso com você”, é um alerta. “Por que vão fazer? Por causa disso…”. Concordo ou não concordo, não sei, a cabeça é dele, mas foi um alerta. Mas às vezes, a gente vê algumas coisas acontecendo com colegas, que podem não ser próximos de você como amigo, mas são próximos em termo de categoria. Então, imagina você numa festa. Quatro professores da mesma universidade na mesa, dois homens e duas mulheres, todos com a mesma titulação, e mais uma pessoa que não é da área, mas é uma mulher. E aí chega um outro professor também da mesma universidade para conhecer “os novos professores”. E ele cumprimenta apenas os dois professores (homens). Isso me deixa tão… eu e essa outra professora… de saber que aquela pessoa, tão esclarecida quanto você. Quero dizer… não é tão esclarecida. Não é!?!?! Dentro da minha visão aquela pessoa não é esclarecida. Mas, teoricamente, ela devia ser tudo o que se espera de alguém respeitado, porque é um nome pesado, conhecido… Mas não importa, o problema é o comportamento de não pensar que naquela mesa tem quatro professores (duas mulheres e dois homens). TOPO

Profa. Gisele: Tudo isso ilustra o micro se refletindo no macro. Porque você começa a imaginar: uma pessoa como essa se encontra com mais seis pessoas que desenham as regras para avaliar toda a computação no Brasil; e mais sessenta pessoas de áreas do conhecimento se reúnem na CAPES para avaliar a ciência no Brasil; uma pessoa genérica, homem ou mulher. Isso vai se aglutinando e aí você vê a matrizes dizendo “você tem que se encaixar nessa matriz”, que “é quantitativo, e é assim, é aqui, tem que ser assim, tem que ser assado”. Então é o micro e o macro, é algo estrutural, certo? E aí, para que eu vou desenhar um programa de avaliação ou bolsas específicas pra mulheres, um sabático pra mulheres que estão em fase reprodutiva… não sei que política pública doida poderia ser criada para estimular a ascensão, a permanência das mulheres na academia. De repente quem é um especialista pode falar melhor do que eu. Eu vejo tudo isso se compondo, o micro e o macro. Estou trazendo exemplo da academia…

Profa. Fátima: Gisele, às vezes eu penso nessa ideia… é até legal para você refletir, você que trabalha com políticas públicas, que algumas políticas… pode ser que ao invés de corrigirem, acabam enfatizando uma coisa. Por exemplo, eu sou defensora de licença paternidade, igual para homem e mulher. Porque, gente, não sei se vocês já acompanharam um bebê. Mas ficar em casa cuidando de um bebê por seis meses … eu prefiro sair para trabalhar dez horas por dia num emprego. Não é fácil. Eu não tenho filhos, mas eu acompanhei minha irmã com três, um atrás do outro. Cara … o bebê come, dorme e chora o dia inteiro. É difícil, não é fácil não. Então por que o homem não pode ficar também três, quatro meses e ter a “desvantagem” de ter que parar um período da sua vida profissional? Porque o que acontece é isso, como o homem não tem essa licença, a mulher tem o direito de ter… Mas eu acho que se o homem tiver essa licença, ele também é obrigado a cuidar do filho. Às vezes as minhas políticas públicas vão ao inverso daquilo que se quer … de afirmar a mulher. Para mim não é ajudar a mulher, é mudar a cultura do homem para que ele também faça as coisas que está enraizado na nossa cabeça que é de mulher, é nesse sentido. Mas o fato que eu queria lembrar, que foi muito engraçado, foi assim: eu estava mudando de universidade, saindo de uma pública para uma particular; tinha acabado o doutorado e fui para lá porque eu teria a oportunidade de começar a orientar mestrado; era uma universidade no interior de São Paulo, em Marília, e essa universidade estava criando dois cursos de mestrados, um em computação e outro em direito, por isso me convidaram;havia um amigo, professor de outra universidade, bem mais velho que eu na época, que por acaso estava indo para a mesma universidade e a gente se encontrou em um encontro social; uma das pessoas não conhecia ele, apenas por nome, e acho que nunca tinha ouvido falar de mim, obviamente; mas uma pessoa que nos conhecia nos apresentou “Ah, esta é a Fátima, que também vai trabalhar com você no mestrado”; ele virou pra mim dizendo “Poxa, que legal! Você vai ser a secretária?”; eu disse “não, vou ser professora”. Ele não sabia onde enfiar a cara … Depois a gente trabalhou junto, viramos amigos, ele virou pró-reitor de pós graduação dessa universidade, virou coordenador do mestrado, conheceu o meu currículo… e o que aconteceu quando fui sair dessa universidade para vir pra cá? Essa pessoa disse “Puxa, Fátima, você vai mesmo? Porque eu estava pensando em deixar o cargo e indicar você como pró-reitora de pós-graduação”. Isso foi depois de seis anos e meio que eu fiquei lá. Porém, a primeira impressão é mulher, não é tão velha quanto ele, ou seja, mais jovem que ele: vai ser secretária, imagine se vai ser doutora, professora do mestrado.

Bia: Não é masculinizada também, não é, professora?

Profa. Fátima: É, feminina, cabelo comprido, passa batom. TOPO

Bia: Porque parece que tem esse estereótipo que ser mulher e ser da computação já é uma afronta e se você quer manter … não estou dizendo que existem jeitos de meninos e meninas, mas estou dizendo que, se seu jeito é mais “arrumada”, seu jeito não é da computação.

Profa. Sara: E o pior é que, no começo de toda essa história da gente discutir no PET essa questão de gênero, eu tinha um pouco de restrição quanto a isso. Até um pouco antes deste projeto iniciar, eu tinha uma restrição com este tipo de ação. Eu me lembro de estar num congresso internacional e um professor insistiu muito para eu ir em um jantar do IEEE for Women, e eu disse: “Eu não vou, irei fazer o que?” Eu não admitia que tivesse que haver este evento. Por que este evento teria que acontecer dentro deste congresso? Mas, depois, conforme eu fui refletindo sobre o assunto, até porque o assunto veio à tona há alguns anos, muito diferente da época em que eu fazia graduação em que não existia isso, então eu comecei a pensar sobre as coisas que ele (o professor) falou. Assim como a Gisele disse, eu devo ser privilegiada, porque eu nunca sofri esse preconceito, eu não lembro de ter sofrido preconceito na graduação, por ser mulher. Se bem que era vinte a vinte (vinte meninas e vinte meninos na turma). Era da época da metade/metade, nunca sofri esse preconceito no mestrado, nunca sofri no doutorado… e eu pensava “não estou entendendo essa história”. Só que, depois que você começa a refletir, você começa a perceber que não sofria o preconceito porquê você não tinha noção desse preconceito, e a gente não tinha mesmo noção e em alguns momentos, até hoje por conta das sinapses formadas no nosso cérebro, nós que somos mais velhas que vocês duas (Amanda e Lígia) ou todos vocês, parece que a gente não sente algumas coisas, eu tenho agora esta impressão, mas ainda não é claro para mim. Mas, havia coisas muito simples que eu ouvia antes e que não me ofendiam e que eu não ligava, porém, se eu escuto hoje acredito que ofenda. Era típico, não sei se hoje isso acontece, mas era assim: existem dois tipos de mulheres, as bonitas e as que fazem computação ou as bonitas e as que fazem engenharia, porque eu também estudei na engenharia e era tudo a mesma coisa. Na época eu ouvia isso mas “me achava linda e maravilhosa”, então achava que não era comigo, eu era exceção, porque “eu sou bonita e faço computação”, então era esse o sentimento que eu tinha, e eu não ligava, falassem o que falassem. Porém, hoje eu já ligo, eu vi um email em uma lista de emails que eu participo com um comentário muito sutil que eu não sei se eu entendi, mas eu já fiquei pensando sobre aquele comentário e já não gostei daquele comentário que ia nessa linha, de separar as mulheres de um tipo, de um local, e dizer que aquilo é bom ou aquilo é ruim. Então, isso agora me incomoda muito, eu acho que também é uma questão de mudança de cultura. De repente eu não culpo esse “senhor”, embora eu culpe esse “mocinho”, porque para mim é outro nível, outro tempo, outra educação, outra cultura. Outro dia eu estava na cantina aqui e um senhor, professor, me perguntou que curso eu dava aula e eu disse que era de SI (Sistemas de Informação) e ele falou: “Jura que você trabalha com SI? Não parece.”… um professor daqui … eu não sabia o que falar, e eu assim, tomando café… fiquei muito chocada com a situação porque não sabia como reagir, e comentei: “Ah, é, então, trabalho”. Usarei mais essa camiseta (Meninas Digitais) para ver se assim parece que sou de SI … ou um blusão do DASI (Diretório Acadêmico de Sistemas de Informação). Então, antes isso nunca me incomodou, juro para vocês, mas agora me incomoda, porque e eu passei por um processo para entender algumas coisas.

Bia: Professora, ano passado eu tive oportunidade de participar do Fórum Internacional de Software Livre em Porto Alegre e teve uma coisa que eu disse ali naquele momento e que é uma coisa que a gente fala muito dentro das discussões políticas, e que as travestis e as transexuais com quem eu trabalho falam muito, eu acho que é válido para esta discussão aqui. A gente está sempre invisível, no sentido de que eu não quero estar o tempo inteiro lembrando que eu sou mulher e por isso eu tenho que estar nesse espaço, ou que sou mulher e por isso você tem que pensar nesta piada que você fez, pois ela está me agredindo. Eu não quero ficar o tempo inteiro, ou gastando tempo de estar fazendo… como você falou tem um congresso dentro de um congresso para tratar especificamente das mulheres dentro da computação. Eu acredito que nós mulheres ainda nos damos a esse trabalho porque entendemos que, apesar de tudo, ainda é necessário fazer esse trabalho, de falar sobre o machismo dentro da computação, de falar de oportunidades para as mulheres que ainda não são iguais, dos desníveis, porque ainda existem esses desníveis e ainda existe uma série de problemáticas que fazem com que espaços como estes sejam necessários. Eu tenho absoluta certeza que a professora Fátima, até porque eu conheço, a professora Gisele, podem participar de qualquer café filosófico de qualquer coisa relacionado ao trabalho delas que não necessariamente tenha que tocar em um assunto mulheres, então eu acho que bate para a gente como não apenas uma questão que é importante debater e depois guardar na gaveta, é importante debater o porquê e ir atrás disso. Vocês falaram muito de exemplo de machismos que aconteceram com vocês na época e até hoje e, como eu ainda sou estudante, saí da graduação a pouco, eu sei de diversas coisas que acontece conosco (meninas) no nosso ambiente. Um exemplo básico, uma equipe aqui vai programar, porém, tem que entregar o relatório todo final de semana sobre o que está fazendo, os meninos programam e as meninas da equipe que vão escrever o relatório para entregar. Por que a menina não pode programar? Ou seja, tem uma série de coisas que acontecem na graduação que revela esse espírito de machismo. Minha sugestão de atividade para o PET, seria montar um pequeno relatório quanto a isso, para o pessoal identificar, no curso, essas pequenas coisas que acontecem e são de incômodo para as meninas. Tanto os meninos identificarem coisas que fazem quanto as meninas identificarem. Isso, de repente, torna-se um viral de frases para as pessoas enxergarem, evitarem, um dicionário de coisas que deveriam ser evitadas. Funciona muito bem com a gente, por exemplo, na questão das travestis e transexuais, identificar que não é para se chamar travesti de “traveco”, então já entra lá no grupo de dicionário de coisas que devem ser evitadas. Então, fica a sugestão de exercício. TOPO

Profa. Sara: Vocês viram o vídeo das meninas da POLI (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo)? Eu assisti e achei interessante.

Profa. Gisele: Eu sou ex-politécnica … eu não me considero ex-politécnica … mas eu passei um tempo na POLI, e, eu acho que isso que aconteceu com você, mas lá no congresso, aconteceu na minha época de POLI. Porque, até então, eu achava, até o mestrado, que preconceito não me afetava, não existia para mim, não valia para mim. Porém quando você chega na POLI você sente muito como o sistema é diferente. Mas, eu entendo pelas meninas, elas se inspiraram em um vídeo da Clarice Falcão no qual ela dá um batom vermelho para diferentes mulheres, e essas diferentes mulheres usam o batom vermelho do jeito que dá na cabeça. Porque tem muito essa questão do batom vermelho… a mulher usar e ser um objeto sexual para o homem. E toda a música/videoclipe é sobre essa coisa de que “o corpo é meu e eu faço o que quiser” e olha o que eu faço com esse batom vermelho aqui.

Bia: Na verdade, um exemplo parecido é um em que as meninas reproduzem frases em que vivem escutando ao longo do curso. Na primeira parte do vídeo elas descrevem isso, “então, mulher não é exata”, em determinado momento elas apagam o “não”, para dar a entender que “ela é exata”, logo, vão aproveitando também essas frases em que elas escutam.

Profa. Gisele: Na POLI a gente escuta muito isso. E justamente nesta época as coisas se misturam com o maior acesso a informação aos canais de comunicação que temos na internet. A que gente é pré-internet, que assistimos a internet crescer, consegue ver bem essa evolução. Na época do meu doutorado, quem participa de uma lista de discussão de um grupo de Linux sabe o nível do diálogo, basicamente é o macho alfa mandando cada um para aquele seu lugar. Não há como uma mulher entrar em uma discussão dessa forma, você acha que esse é um meio no qual a mulher vai se sentir confortável para participar? Definitivamente que não. E o que começou a acontecer é que você vai procurando grupos no qual se identifica, vendo quem seguiu esse caminho, e aí descobri o LinuxTix. Era um grupo de mulheres que mantinham uma lista de discussão sobre tecnologia, software livre e Linux. Para as mulheres. E aí você vê que esse espaço era importante para mim, sabendo que podíamos compartilhar alguma coisa, é o que fazia toda a diferença. Então esses espaços de sororidade, eu reconheço e valorizo. Porém, espero que não existam mais, porque o dia que eles não existirem mais é porque perdeu a necessidade desse espaço de acolhimento de mulheres. Alguns ambientes são muito agressivos, eles repelem e afastam não só mulheres, mas pessoas com um nível de bom senso e de humanidade. Alguns ambientes são bastante tóxicos.

Profa. Fátima: Uma vez eu ouvi de um professor em um curso de administração de empresas que quando você está procurando um emprego e que muitas vezes a empresa está lhe avaliando, você precisa avaliar se a empresa lhe merece, este grupo me merece? Pois se não me merece procuro quem me merece. Às vezes o grupo não te merece, independentemente de ser mulher. Eu trabalho em outras unidades da USP e percebo que é quase sempre assim: quando você mostra serviço a visão das pessoas sobre você muda. Acho que se a gente tem competência técnica ou profissional espera que vai ter um momento para mostrar. Por exemplo, se estou em um grupo de pesquisa e existe preconceito contra mulher e tento reverter isso e não acontece, desculpa gente, então vocês não me merecem. Não acho que isso seja arrogância, é na verdade autoestima. Saber quem te merece, se o grupo não te merece, busque um melhor.

Profa. Gisele: É uma mistura! A nossa trajetória é privilegiada, mas no contato com outras mulheres, você vê que infelizmente parece que dignidade é um privilégio e as vezes você não tem escolha. A gente tem que enfrentar muitas coisas e cada uma apoia a outra: é o cara que é meu orientador e me oprime, e não tem como trocar de orientador; ou eu estou nesse emprego e estou buscando outro mas por enquanto estou nesse. A gente vê situações difíceis nas quais o apoio mutuo fazia a diferença. TOPO

Gabriel: Olá, bom tem muita gente que fala que programação é coisa de homem, que a programação é a parte dos homens e as mulheres ficam com a parte do relatório. E até tem relatos de machismo onde a mulher foi subestimada no trabalho dela. Como vocês veem a atuação da mulher na área de computação?

Profa. Gisele: As mulheres são “foda”. É isso mesmo. Em toda a minha experiência eu tive referências fantásticas. Na minha graduação, a gente começou com um terço de mulheres e todas se formaram em 4 anos, e no último ano havia uma relação de 50/50%, ou seja, os meninos ficaram para trás, e as meninas que entraram se formaram no prazo. Não é nada estatístico, é apenas minha experiência pessoal. Eu sempre vi essa carga da mulher provando que ela pode mais, que ela vence e supera. É o que a Fátima falou … a gente é muito instada pela sociedade para provar que dançamos melhor que Fred Aster de costas e salto alto. Todo mundo só fala dele, mas a parceira dele fazia o mesmo que ele, e ainda de salto alto. Então, eu vejo que nessa questão de competência e gênero… nem vou falar, é um discurso para o qual nem deveria dar muita bola. Temos que falar é da questão social e cultural. Esses reforços positivos e negativos, incentivos, punições. As mulheres são mais disciplinadas, pelo menos as que eu acompanhei, são ótimas programadoras eu vejo muita persistência, então eu vejo muito mais essa questão de ser desafiada a estar aprendendo em um certo nível e todo mundo estar dando bons resultado. Vejo isso em todos os níveis que pude participar, da graduação ao mestrado e doutorado. Então no fundo você fica pensando … tem gente competente nascendo aqui ou lá na Síria, vale do Silício, e poderiam ser o novo Einstein, e que condições estamos dando que reforços positivos para essas crianças… então é mais pensar nas questões de oportunidade, que vão muito além de gênero e classe social e outras coisas. O feminismo é só um pedaço dessa discussão de igualdade.

Profa. Fátima: Existe um livro chamado “Por que homens fazem sexo e as mulheres amor?”, não tem nada sexualizado, mas evidencia as diferenças entre os sexos. Ao longo da história as atividades acabaram sendo naturais, principalmente na pré-história, entre homens e mulheres. Pensando na pré-história, a mulher ficava em casa cuidando dos filhos, animais domésticos, da galinha, tirando leite, e o homem saia para caçar. Esse livro apresenta estudos que falam que geralmente o cérebro masculino faz apenas uma coisa de cada vez e a mulher faz diversas. Por outro lado, o masculino tem uma localização espacial melhor que o feminino. E o que esses autores dizem é que se a gente entende a diferença de cérebro e respeita a diversidade, chegamos em um ponto ótimo. No meio do livro tem um teste para verificar se você é masculino ou feminino, eu fiz, e adivinha o que aconteceu… descobri que pode não ser aplicável a todos!!!! Mas a questão é que a gente assume uns estereótipos. Na questão do relatório, por exemplo, que a menina gosta de fazer as telas dos sistemas … eu por exemplo não gosto. Eu não gosto de interface, adoro algoritmo, gosto de programar, e eu conheço muitas mulheres da área que são assim. Eu não sei dizer … não sou muito de ficar diferenciando quem é melhor. Minha percepção em relação aos colegas que trabalho, que inclusive é de maioria masculina, minha percepção geral é que a mulher tende a ser mais disciplinada e caprichosa, e gosta de ir a fundo nas coisas … isso no meu grupo de trabalho. Então em cargos de chefia, das experiências que eu tenho em comissões e coordenações de curso, na minha vida em geral, as mulheres com as quais eu convivi tendiam a ser mais conciliadoras e ouvir mais as pessoas para tomar as decisões, se isso é bom ou ruim, não sei, mas é minha percepção. A complementação dessas diferenças é o que faz o todo ganhar. TOPO

Victor: Primeiro obrigado por terem vindo, meu nome é Victor. Nessa semana, tivemos uma aula de Ciências do Universo e foi abordada essa questão: a diferença de comportamento e relações biológicas e as diferenças de comportamento entre homens e mulheres. Ao final da aula, a monitora recomendou dois artigos sobre o estudo das imagens de 1400 cérebros que busca encontrar diferenças entre o cérebro feminino e o masculino. A conclusão foi de que não há diferença significativa, de forma que não há uma bipartição no cérebro, sendo possível características femininas e masculinas em cérebros de ambos gêneros. As distinções visíveis biológicas não estão presentes no cérebro de maneira simples, mas sim em uma série de componentes, contribuindo para compor um todo. Entretanto, quanto às diferenças comportamentais, observou-se que estas são mais influenciadas por acontecimentos após o nascimento, sejam de origem hormonal ou cultural. As características consideradas masculinas ou femininas vão sendo reforçadas através de estímulos externos e encorajadas de acordo com o gênero. Foi citado aqui que as mulheres ouvem melhor, compreendem melhor outras pessoas ou têm maior empatia e no artigo isso também é abordado. Tanto o homem quanto a mulher têm uma capacidade muito semelhante de desenvolver empatia, mas pela mulher sempre ouvir que ela tem maior capacidade de empatia, ela acaba por se esforçar mais em situações nas quais faria uso dela, desenvolvendo assim maior aptidão nisso. Isso também vale para outras características.

Profa. Fátima: É cultural!

Victor: É. Eu achei interessante compartilhar por ser algo recente.

Profa. Fátima: Sim, são os estímulos ambientais junto dos biológicos. E tudo tem exceção.

Profa. Gisele: E mais do que isso: a Bia pode até falar melhor do que eu, mas a gente não tem essa “binariedade” assim do cérebro masculino e cérebro feminino. Nem vou entrar na questão da sexualidade aqui, mas o tanto de gente que nasce com uma identidade que não é dela é muito grande. Mas cada vez mais a sociedade está, talvez… aceitando isso cada vez mais, de que isso não é binário, mas sim múltiplo, e de que isso não é estático, mas sim mutável. Para mim, nossa…

Profa. Fátima: São grandes descobertas! A gente não foi criada assim.

Profa. Gisele: Não, nem um pouco! Era rosa e azul, e você nasce desse jeito e morre desse jeito. Eu acho muito legal estar viva no séc. XXI para ver tudo isso e saber que minhas filhas vão crescer num mundo assim, entendeu? Tem Trump e um monte de outras coisas que eu não queria que elas vivessem, mas dessa outra parte eu gosto, acho fantástico.

Lucas: Eu gostaria de fazer uma contribuição. Meu nome é Lucas e eu também gostaria de agradecer a vinda de vocês hoje. Coincidentemente, ou não, eu também tive uma aula de Ciências da Natureza durante essa semana que também abordou esse tema, mas do ponto de vista cultural: da influência que o ambiente tem em relação ao desenvolvimento de estereótipos e preconceitos. A aula era especificamente em relação a obras de ficção científica. A monitora que ministrou a aula estava mostrando como as pesquisas apontam que existem seis estereótipos principais em obras de ficção científica para personagens femininas. Esses estereótipos influenciam as meninas que assistem aos filmes, ou até mesmo os meninos, a acreditar que as coisas têm que ser daquela maneira. Existe, por exemplo, o estereótipo da solteirona: aquela que está focada apenas em sua carreira, que não liga para mais nada, não tem vida social, etc. Isso leva tanto às meninas creem que elas tem que abrir mão da vida pessoal delas para terem uma carreira bem sucedida, além de incentivar os meninos que estão assistindo a crer que aquele comportamento é natural e que mulheres realmente têm de abrir mão de todo o resto para ter uma carreira de sucesso. Outros vários exemplos foram abordados também.

Profa. Fátima: Lucas, só para complementar: tomemos como exemplo filmes de super-heróis. Como é a roupa das heroínas? E dos heróis? Isso não questionamos?!?! Por isso que digo em aula – a Amanda sabe, porque ela tem aula comigo – que temos sempre que questionar. Inclusive o que os professores falam. Mesmo que estejamos lá na frente, nem tudo é verdade. Questionem, conversem. E quando digo questionar, não é confrontar. Questionar é querer saber a verdade, confrontar é tentar provar que o outro está errado. E não é isso. Acho que formamos massa crítica e todo mundo, seja no mundo profissional, na vida familiar e pessoal, precisa ser criado dessa forma, questionando “o que é isso?”. Às vezes a gente questiona e descobre que aquela era realmente a melhor maneira e tudo bem, mas quando alguém te fala “Ih, ela está de mal humor porque está de TPM” e você aceita aquilo… é preciso questionar. Tudo bem, existe um hormônio que nos deixa mais nervosas durante a TPM, mas por que quando os meninos estão nervosos ou de mal humor, ninguém questiona se ele tem hormônio ou se está relacionado ao sexo masculino? Então questionar esses pequenos comentários, ações e as piadinhas que chegam prontas nas redes sociais, é importante. E não só as meninas devem fazer isso, mas também os meninos. Embora homem não passe por isso, são irmãs, a mãe, as avós e as filhas deles que passam por isso. Então, existe preconceito? Existe. Estamos num mundo machista? Estamos. No restante da América Latina é até pior. Estava conversando com a professora Karina e disse “Nossa, o Brasil ainda é muito machista!” e ela respondeu “Nossa, Fátima, você acha que o Brasil é machista? Se você conhecesse o resto da América Latina… você não sabe o que é machismo”. São os pequenos costumes culturais que estão arraigados que a gente está questionando. TOPO

Igor: Você comentou sobre o congresso nos Estados Unidos, e também comentou agora sobre a América Latina. A gente gostaria de saber como vocês veem a situação internacional. Vocês conhecem alguém que já teve alguma experiência fora, vocês têm alguma coisa para relatar desse cenário.

Profa. Fátima: Vou falar um pouco das percepções que tenho a partir das viagens. Em 2013, nós tivemos uma missão do programa de pós-graduação para a Alemanha, e nessa ocasião me espantou um pouco, porque a mulher alemã está num nível tão arraigado de feminismo, que ela se ofende em algumas situações. Então, por exemplo, se ela está carregando uma caixa pesada e um homem se oferece para carregar, ela se ofende. E é claro que isso não é genérico, sempre tem exceção. Mas, no geral, acaba sendo meio masculinizada por causa disso. Aí eu já acho que é um outro extremo, porque nós não somos iguais. Mulher e homem não são iguais . Assim, fisicamente, biologicamente, nós temos algumas diferenças, e algumas explícitas, certo? Então isso traz algumas consequências, e eu acho que tudo bem, vamos respeitar a diversidade. Eu acho que às vezes a gente vai por um extremo que também não é necessário. Qual é o problema de alguém ajudar você a carregar uma caixa pesada que você não está conseguindo carregar? E para o menino também, qual é o problema? Você vai se sentir ofendido? Acho que não é problema. Eu vi esse comportamento na Alemanha. Eu fui muito para os Estados Unidos, mas lá eu não percebi nada nesse sentido. Acho que daquilo que eu conheço, não convivi tanto por lá, mas acho que tem um pouco menos de machismo, acho que a mulher grita mais alto. Mas acho que ainda tem machismo sim. Esse negócio de tratar a mulher diferente no mercado de trabalho acho que tem. Agora no geral, no que eu percebo na América Latina, é que a maioria dos países da América Latina não só na América Latina, mas no nordeste do Brasil também, acho que o machismo é mais arraigado do que o que a gente sente aqui em São Paulo, no sul do Brasil, ou no sudeste do Brasil. Às vezes a impressão que eu tenho é de que isso passa mais pela classe social do que pelo machismo propriamente dito. Porque, por exemplo, eu comentei que minha irmã é diretora de uma escola muito pobre, e tem umas coisas muito interessantes que ela conta. As mulheres têm muitos filhos ainda, naquele bairro. Eu estou falando do interior de São Paulo. Não estou falando de lugar pobre, nem de nordeste e nem de outros países da América Latina. As mulheres ainda têm muitos filhos. Então a mulher tem 6, 7, 8 filhos. E na hora que você começa a conversar você descobre que o pastor da igreja proíbe as mulheres de evitarem filhos por meio de meios artificiais porque, se elas tiverem meios artificiais, elas podem trair os maridos. Então não pode tomar pílula, e elas obedecem, porque acham isso correto. Eu estou falando do interior de São Paulo. Na América Latina como um todo, para mim, essa questão do machismo também está ligada à questão social. Eu não sei se é falta de esclarecimento, se é comodismo, porque, para algumas mulheres, é cômodo o machismo também. Porque tem um outro lado da história. Eu vou falar um pouquinho da nossa lei, porque tem umas coisas que eu não me conformo. Eu sei que alguns não vão concordar, mas é a minha opinião. Eu acho que, quando, por exemplo, um casal se divorcia, não existe “ex-filho”, eu acho que pensão para filho é uma coisa, pensão para mulher é outra coisa. Se a mulher tem capacidade para trabalhar, e isso é comprovado, por que é que o marido tem que ficar dando pensão para ela? E por que é cômodo para essa mulher, principalmente se o marido tiver dinheiro, que ela fique sem trabalhar? Mas eu acho que, para mim, isso é falta de dignidade, você viver o resto de sua vida em função de uma pensão de ex-marido. Você está assumindo que você não tem capacidade de se sustentar. Isso é um ponto de vista muito particular meu, eu sei que é muito controverso. Eu acho que filho é obrigação dos dois, mas eu questiono quando uma mulher com capacidade de trabalhar, além de aceitar, requer e fica brigando na justiça, porque ela está assumindo uma capacidade que ela não tem, como se fosse para castigar o marido. Eu acho que isso também é um tipo de machismo que beneficia a população feminina, mas que quando é benefício, muitas mulheres aceitam. Então muitas vezes o machismo também é cômodo, e há muitas mulheres da nossa idade que pensam assim. Eu respeito. Respeito, mas não é o jeito que eu penso. Mas resumindo: eu acho que tem países que foram para alguns extremos, eu acho que tem alguns países que, devido à questão social, o machismo é mais arraigado, e parece que na América Latina tem muito disso e tem países em que isso nem é discutido. Por exemplo, no Oriente Médio é muito triste a situação, porque muitos acham normal as mulheres serem apedrejadas em caso de adultério, e o homem pode (cometer adultério). Isso nem é permitido discutir. E quando você discute você tem que sair do país, porque senão você vai ser morta, é essa a verdade. Então acho que tem situações muito piores que a nossa, mas isso não justifica a gente achar que está numa situação boa. Nós não estamos.

Profa. Gisele: Eu tenho só casos pessoais, muito longe de fazer um panorama mundial dessa discussão. Tive já oportunidades e visitar os cinco continentes, e também tive o privilégio de trabalhar diretamente com europeus, com mulheres, inclusive, europeias, gente mais ou menos da mesma idade e que tem muitas identificações, é fascinante. Uma das coisas que eu mais gosto na academia é que é um lugar para curioso, é o meu lugar. Essa é o número 1. O segundo é que se tem um privilégio de entrar em contato com tanta gente interessante, e essas mulheres interessantes que eu tenho o privilégio de trabalhar, me falam muito do quanto a gente é diferente e do quanto a gente é igual. É impressionante conversar com a alemã, eu vejo algumas coisas como: é ofensivo ajudar a carregar, mas ela me traz todo um histórico, e você pára para pensar: “eu não tinha pensado nisso”. O que a um primeiro momento isso pode parecer chocante, mas aí você vê toda uma conexão, e você entende o diferente e você fala: “Poxa, mas será que ela não tem razão?”. E aí você vai para uma americana que está vivendo em um país desenvolvido, passando por coisas até piores em termos de condições de trabalho: “Mas.., ah tá, você está numa grande universidade.”. Então você fala: “Mas, você, em uma grande universidade, está exposta a isso?”, e você fala: “Nossa, que sorte que eu estou aqui.”, e você fica pensando: “Nossa, se no MIT a coisa está assim, que bom que eu estou na USP”. Mas só para resumir, todos esses contextos, histórias e culturas e vidas pessoais mostram a nossa humanidade. Eu acho que o feminismo é uma pequena discussão dentro da grande discussão de igualdade. Então, não estou relativizando tudo e falando que a situação da mulher no Oriente Médio é igual aqui. Lógico que não é igual aqui, mas quando eu tive que ir para um país muçulmano, e eu fui sozinha, eu sabia que eu tinha que respeitar um contexto e uma cultura que, por mais que eu não concordasse e não entendesse, achasse um absurdo, eu tinha que me portar dentro daquele país em respeito às pessoas que estavam me recebendo, em respeito ao trabalho que estava me financiando para ir lá, em respeito a uma série de coisas. Ao mesmo tempo que eu tenho a minha identidade: “eu sou mulher, sou pesquisadora, sou brasileira, estou aqui, vamos trabalhar”, mas eu não vou andar sozinha, eu não vou fazer tais coisas, em alguns casos. Se não foi para a minha proteção, outros casos foi questão de que esse é um contexto, uma cultura que eu não vou para o confronto, eu vou para a integração, eu vou para tirar algo deles, eles tirarem algo de mim e todo mundo ficar feliz no final, o que é um pouco complicado nos dias de hoje, em que está tudo tão polarizado. “Eu sou assim, você tem que me aceitar assim”. “Eu te rejeito porque você é diferente”. Então eu acho que conviver com essas diferentes culturas sempre tentou me ensinar que tem horas e horas. Tem horas que você fica quieto e aprende, fica quieto e engole, ou grita, ou dialoga. Então não tem uma coisa genérica. Eu sou casada com um estrangeiro, isso me faz acompanhar muitas notícias da América Latina, especificamente do Uruguai e da Argentina. Eu vejo muito forte o movimento “Nenhuma a menos”. Para lutar contra o feminicídio. Então, em termos de uma sociedade organizada, de um movimento, eu destaco eles. Sinceramente não estou acompanhado outros de outros lugares do mundo.

Profa. Sara: Só para comentar: a Fátima perguntou se a Sara pode falar alguma coisa. Não sei se eu já te contei isso, talvez eu já tenha te contado. Porque, eu viajo muito mesmo, mas eu viajo muito a turismo. Viajo muito mais a turismo do que para congressos. E quando eu viajo a turismo, eu vou “na boa”, e eu vou para descansar. Então eu fui, recentemente, para o Egito, pra Dubai, Vietnã, Laos e Camboja, e eu fui “na boa”. Eu tenho o meu estilo de roupa, que não é o estilo de roupas pra mulheres em Dubai. Embora Dubai seja uma cidade tecnologicamente muito desenvolvida e com muito dinheiro, muitos recursos, ela é uma cidade dentro de um país muçulmano com leis muçulmanas. O Vietnã, Laos e Camboja têm muito do comunismo ali ainda, além da cultura oriental ser um pouquinho diferente da nossa. Então meu estilo de vestir não é o estilo adequado pra eles. E eu vou “na boa”. O que é pra fazer? É pra colocar uma burca? Então eu ponho uma burca, e vamos em frente. Sem questionamento. Mas, quando você anda numa cidade, você está andando na rua e vê todas as mulheres “cobertas”… choca. É chocante! Você fica sentindo que aquilo não é… Não dá! Eu não consigo! Porém, eu respeito. Nunca precisei colocar uma burca, mas se vou visitar um museu, vou visitar uma mesquita e tenho que me cobrir, porque estou com uma camiseta de manga curtinha – ou blusas mais justas, calças um pouco mais curtas – cubro e entro “na boa”. Coloco todos os panos que tem que por, visito culturalmente … mas choca. Não é uma situação que você não percebe. É bem estranho. E nos Estados Unidos … fui comprar um kinect nessas lojas de tecnologia. Uma loja de judeus, famosíssima: B&H. Não estou querendo dizer que os judeus são preconceituosos, nada disso, mas o vendedor, que pode ser judeu ou não dentro daquela loja – não falava comigo! Ele falava com o Marcelo. E o Marcelo nem estava interessado no kinect! Mas o vendedor, americano, não falava comigo. Eu respondia as perguntas, porque ele estava duvidando que eu queria um kinect para programador, que eu queria um kinect para programação. Ele estava tentando me ajudar e ele queria ter certeza que eu não queria jogar. Só que, não eu, o Marcelo. Porque nem para duvidar, duvidava de mim: duvidava do Marcelo. Poxa, estou nos Estados Unidos. Estava em Nova Iorque! Se em Nova Iorque você passa por uma situação dessa, onde que você não passa?

Profa. Gisele: No final, a gente está falando de protocolos. Protocolos de comunicação. Você está inserida num protocolo e você sabe respeitar o protocolo. Uma coisa semelhante aconteceu – não bem isso, pois graças a Deus o protocolo ficou muito bem estabelecido claramente desde o começo – quando eu cheguei no grupo de pesquisa do doutorado e tinha um senhor que já falou claramente “Me desculpa. Não tenho nada contra você. Mas na em respeito à minha religião, eu nunca vou poder me dirigir a você. Nunca vou te cumprimentar”. Depois eu descobri que ele estava exagerando um pouco, mas ele já falou antes. Ele usou a religião, ele é muçulmano, e falou assim “Eu não vou poder tocar em você, e você não toque em mim, por favor. A gente vai trabalhar aqui juntos, mas o nosso protocolo de comunicação é esse”. Beleza. Tudo claro. A gente tem camadas e camadas de protocolos, e a maior parte deles não está explícita. Todas essas camadas, que você ouve desde criança, que sua mãe fala, que seu pai fala, e a professora… São essas camadas de protocolo que você está obedecendo sem questionar, sem se dar conta. Aí vem uma gringa e fala para você “Por que você segue esse protocolo?”, eu sigo esse protocolo!? E a coisa vai: você tira uns, aperfeiçoa outros. Você começa a se comunicar melhor: olha, vamos estabelecer um protocolo bom pra nós dois. E esse é o diálogo com diversas culturas, com diversas pessoas, com que você vai interagir ao longo da sua carreira e vida pessoal. TOPO

Lucas: Tenho mais uma pergunta que volta um pouco no que a gente estava falando antes, quando você estava falando da lista de e-mails LinuxChix, de grupos de apoio. Gostaria de saber se vocês conhecem ou participam de algum projeto ou grupo que discuta a atuação das mulheres na computação.

Profa. Gisele: O que eu conheço é tudo o que a Bia faz e que ela participa. Eu pessoalmente não tenho participado mais de nenhum. Reconheço toda a importância da LinuxChix. Espero que elas ainda existam ou coisas semelhantes existam, mas nesse momento não estou atuante em nenhum coletivo ou lista de discussão.

Profa. Fátima: Eu conheço o workshop que a SBC promove. Já fui umas duas vezes, não participo sempre. Mas uma coisa que me incomodou bastante nas duas vezes que eu fui é você fazer um simpósio pra mulheres em que só mulheres falam. Eu acho que isso não tem sentido. Muitas vezes a discussão girar somente em torno de dupla jornada, não me atrai. Eu acho o seguinte: chama os homens aqui e vamos conscientizar a “homarada”. Eu acho que a gente tem que fazer isso que vocês estão fazendo aqui. Discutir, homens e mulheres juntos, as diferenças, as diversidades, impor respeito, dar um toque e falar “Às vezes vocês não acham que é machismo, mas é”. Eu acho que é aí que a gente conscientiza. Se for para juntar, para ser um simpósio desses em que homens e mulheres estarão juntos pra resolver a questão, então ok, provavelmente estou lá. Se é um simpósio de mulheres para mulheres em que a gente vai ficar discutindo “Por que criar filho e trabalhar fora é tão difícil?”, estou fora. É o meu ponto de vista. Eu não acho que acrescenta. Eu acho que tem que mudar a sociedade onde está o problema e, as mulheres sabem disso, quem não sabe são os homens e as empresas, então temos que discutir isso com eles.

Profa. Gisele: Eu tenho uma visão um pouco diferente: eu acho que existem múltiplos espaços. Assim, tem que haver a criação de espaços de “he for she”, homens e mulheres debatendo como pode ser melhor para elas, por eles também – que é nessa linha que a Fátima está defendendo. E eu apoio também espaços mais nessa linha da sororidade onde eu, de repente, preciso de um ombro amigo para perceber que a mulher do MIT e a outra, que está lá na Alemanha, são iguais a mim. A gente está sofrendo os mesmos problemas e a gente está trocando uma ideia entre a gente. E esse é um outro tipo de espaço que também é válido, dependendo do momento da pessoa. E devem ter outros tipos de espaço, que nem me passam pela cabeça, de luta pela igualdade de gênero. Acho que cada um construiu o que pareceu conveniente.

Lucas: Agora, um pouquinho mais voltado ao espaço acadêmico, mesmo aqui na universidade existem organizações discentes voltadas a esse tipo de atividade. Por exemplo, a coletiva, que é da EACH inteira, o DASI tem o núcleo feminista de um canal de apoio às meninas do curso. O que vocês acham sobre esse tipo de iniciativa? Vocês acham que ela é realmente benéfica ao ambiente, ou vocês acham que talvez prejudique de alguma forma, dependendo da maneira com que é abordado, se é muito radical e como são feitas as ações?

Profa. Gisele: Eu não julgo ninguém. É o que eu acabei de falar. Eu tive na minha experiência esses dois tipos de espaço e de repente existe uma terceira, quarta ou quinta forma que eu não conheça, e eu acho que tudo é uma questão de construção coletiva. Se um grupo de pessoas quer trabalhar de uma determinada maneira, com certos objetivos comuns e isso transcorre de forma coerente com os valores que eles têm, quem sou eu para julgar? Muito pelo contrário, eu apoio que espaços assim de debate, construção de ideias e esclarecimento floresçam em todos os ambientes e não só na universidade. A universidade é onde tem formação dos formadores de opinião. Acho muito importante que criem esses espaços de informação, de opinião para os futuros formadores de opinião. Futuros ou atuais formadores de opinião.

Profa. Fátima: Eu acho que todos os grupos são válidos. Eu acho que têm condutas que não atingem o objetivo. O que eu quis dizer é o seguinte. Se há um grupo de apoio de mulheres para acolher aquelas que sofreram preconceito, eu acho ótimo, até porque muitas mulheres se sentem mais à vontade conversando com outras mulheres do que conversando num grupo misto. Isso é ótimo, é necessário, não sou contra de forma alguma. O que não se encaixa no meu tipo de ser e que penso que não atinge o objetivo é tornar isso um muro de lamentações sem ação. É legal ouvir, mas o que iremos fazer em troca? Houve assédio? Tem que haver denúncia e tem que ser apurado. Houve ofensa, ela se sentiu ofendida? E se houve, tem que ser punido, isso não pode existir. O que eu quero dizer também e muitas vezes me criticam, é que isso pode acontecer do lado masculino também. Porque um homem também não sofre um assédio por parte de uma professora? De fato, é mais incomum, pois vivemos num mundo machista. Sou totalmente a favor dos grupos de apoio, não acho que atrapalhem de forma alguma, mas não podemos parar no “eu sou amiga e te dou o ombro”. Não podemos parar nisso. Devemos ser mais ativas que isso. Aquelas campanhas que a USP fez (contra o assédio), eu acho aquilo ótimo. Quem quiser pode passar na minha sala que eu distribuo. Aquelas frases são impactantes.Essas campanhas e esses grupos que apoiam e conscientizam são ótimos. Porém, a minha conduta é: não podemos nos vitimar e parar nisso. Devemos lutar para mudar, e para mudar é preciso sair disso. Acolher é a primeira fase. Mas a partir daí é preciso denunciar, tem que apurar, fazer campanha. Esse é primeiro momento, mas também a administração superior deve ser envolvida.

Profa. Sara: Aproveitando sua fala, sabe o que vem me incomodando? O livro de Banco de Dados. Não sei se o problema é que eu tenho a versão traduzida antiga, a minha nova está em inglês. Em inglês o problema de gênero é muito mais sutil. Mas, veja o primeiro exemplo do livro. É um exemplo de especialização e hierarquia: o funcionário que se divide em secretáriA, engenheirO e técnico. Isso está me incomodando e nunca tinha me incomodado. Mas do semestre anterior para cá, talvez devido a toda essa discussão (da posição da mulher), ou depois que passei a usar os slides em inglês, o texto em português passou a me incomodar. Porém fui preparar o curso de Banco de Dados agora em janeiro, e tive que fazer em português. Quando eu vi eu troquei tudo, mas para masculino. Não sei o que eu deveria ter feito, mas coloquei secretário, pelo menos para deixar igual, pois esse “negócio” está me incomodando agora.

Profa. Fátima: Mas é aí que você vê como a coisa está arraigada em você. Nós não percebemos essas sutilezas. Devemos mudar isso.

Profa. Sara: Não sei se as novas traduções do livro são diferentes, mas não sei o que fazer.

Profa. Gisele: Não sei se meus alunos reparam, mas quando eu mando todos os e-mails eu uso o pronome indefinido, uso o “x” no lugar de “o/a”.

Profa. Sara: Mas, como você fala (pronuncia), Gisele? Porque sempre fico pensando na aula. Tenho que “falar” (pronunciar) das três possibilidades de divisão.

Profa. Gisele: Você pode chamar a atenção de propósito: chamar de secretário e engenheira. Ou usar o “xs” no final.

Profa. Sara: Na escrita tudo bem, mas na fala é difícil.

Bia: E também há o lance do incômodo, professora. Somos acostumados a retirar o incômodo. Se há algo nos provocando eu quero que isso pare. Esses novos incômodos têm que acontecer e não devem parar. Se está me incomodando a questão da secretária e engenheiro, que bom que está incomodando. Tem que incomodar mais. Talvez para alguns aqui tudo o que as professoras estão falando esteja incomodando. Mas que bom que está incomodando. Até ontem não estava incomodando. Enquanto não há desconforto não há mudança.

Profa. Fátima: Depois da fala do nosso presidente no dia da mulher né? Quanto mais ele falava mais ele piorava. TOPO

Fernando: Que ações vocês pensam que sejam possíveis para que provoquemos essa mudança? O que sugerem?

Profa. Gisele: O que vocês estão fazendo já é algo importante. Essa é uma das coisas mais legais que eu já participei nos últimos tempos aqui na EACH, principalmente dentro do curso de SI. Eu penso que vocês devem voltar para si mesmos e pensar: o que esse grupo pode ou não fazer a partir disso tudo. A pergunta é devolvida a vocês mesmos. E eu sei que vocês vão achar respostas e novas alternativas vão começar a ser desenhadas. Por mais que às vezes o grupo não se interesse, e isso é totalmente legítimo, às vezes você como indivíduo se interessa e corre atrás de fontes que discutam esse assunto. Resumindo: em um primeiro momento, voltem a si mesmos e tentem digerir toda a conversa e então depois pensem o que fazer. Estamos numa faculdade fantástica devido sua diversidade. Temos disciplinas (ciências da natureza) que abordam esse tema. Há gente dentro da academia que pode apontar para projetos, coletivos e ações que talvez vocês não conheçam e vocês possam acabar ajudando ou se inspirar. A EACH é um lugar fantástico dentro da USP para dar o próximo passo. Diferentemente quando você está na Poli e não há com quem conversar. Aqui você pode procurar um professor e justamente esse é o tema de pesquisa dela (Bia). Ou um aluno de mestrado que tem contatos com coletivos de mestrado. Ou alunos de RP (disciplina) que realizam esse tipo de ação. Mas são vocês que têm que descobrir com o que vocês se identificam.

Profa. Fátima: Há um grupo aqui na EACH, como vocês mesmo falaram, com a professora Beth que é justamente sobre apoio às mulheres. Talvez entrar em contato com suas ações. Eu penso que vocês estão num curso extremamente rico, pois a maioria absoluta no curso é homem. Vocês como PET e que trabalham para o curso poderiam extrapolar essa discussão. À medida que conversávamos acredito que vocês meninos tenham identificado situações do dia-a-dia que são machistas. Coisas como: ir a uma festa onde há uma menina de minissaia e todos comentam. Eu acredito muito em ações cotidianas, de dentro para fora. Há duas linhas principais para se trabalhar: autoestima da mulher, pois ela não é melhor ou pior. Percebo isso em sala de aula. Meninas ficando de fora de discussões técnicas, numa sala de 50 alunos com poucas meninas. E isso parte dos dois lados. A menina tímida para entrar na discussão e o menino deixando-a de lado, várias vezes. Então, várias vezes, se você parar para observar… Comecem a observar e vocês irão perceber essas coisas. Então isso é uma coisa legal de vocês perceberem e de repente acham ações perto de vocês, entendeu? Se de repente não der para fazer algo para o curso, eu acredito, acho muito legal, por exemplo, essa campanha da USP. Eu amei quando a USP fez isso ano passado, amei mesmo. Achei super legal. Coloquei na minha sala, distribuí os postais, achei legal. Adorei os outdoors que estavam na cidade universitária. Senti que não teve aqui. Deveria ter tido outdoor aqui também. Tudo bem, mais uma vez fomos esquecidos. Mas, eu acho que vocês podem começar entre vocês, os grupos pequenos, sabe? Combatendo, incentivando autoestima… ficar mais atento. E aí eu acho que dá para expandir, né? Está bom, então vamos fazer uma ação agora para … sei lá, primeiro ano de SI, os calouros. Depois expande isso, acho dá para fazer. Essas ações de conscientização, de valorização, de autoestima, acho que dá para fazer isso.

Victor: Complementando um pouco a pergunta, como seria, então, uma ação especificamente para a carreira de computação? Algo que estimulasse a mudar um pouco dessa proporção entre homens e mulheres. Seria uma ação mais de conscientização? Seria uma atuação de prevenção, com alunas do fundamental ou do ensino médio? Em que ponto vocês acham que seria mais crucial ter uma intervenção que produzisse algum resultado na carreira de exatas, mais de computação, especificamente.

Profa. Fátima: Essa é uma ótima pergunta!

Profa. Gisele: É muito amplo, eu acho. Eu acho que em primeiro lugar é o diagnóstico, certo? Eu não sou especialista no assunto, mas eu tenho certeza que existem muitos especialistas experientes nisso. Especialistas que tenham esse diagnóstico. Então, o sistema, na questão específica da entrada… é ir para o diagnóstico da entrada, você também não falou nada da manutenção. Porque é preciso entrar, manter e finalizar. Essas três etapas têm desafios diferentes, então, especificamente na entrada, eu acho que o primeiro é achar o lugar que inicia o problema. A gente está falando de ensino fundamental, ensino médio ou na hora da matrícula, entendeu? Ou nos calouros… Aí depende, é o escopo da ação que você quer definir, mas tudo parte de você entender o problema, delimitar o escopo e pensar em ações que sejam viáveis em questão de custos, tempo, ferramentas, técnicas que vocês têm a disposição.

Victor: Durante a conversa teve um exemplo de que a turma começou com um terço sendo mulheres e basicamente todas se formaram no tempo, então, com esse exemplo, a ação poderia não estar tanto na manutenção, mais no ingresso. E, complementando esse exemplo, teria a questão em que as professoras do fundamental de matemática foram cruciais para que você (professora Fátima) seguisse a carreira de exatas, né? Então, tem um gap, né? Entre a parte que motivou a entrar na carreira e o que motivou a continuar na carreira e eu acho que o problema está mais em entrar na carreira, por isso que eu achei que uma ação nesse ponto seria ideal.

Profa. Fátima: Se a gente for expandir isso, vai ter o problema do jardim da infância, entendeu? Que o menino recebe o “bloquinho” para trabalhar, para fazer “predinhos” e as meninas só recebem as “panelinhas”. Então, tem vários escopos. Na minha opinião, em termos de computação, a gente precisa escolher. Se for para vocês fazerem uma ação, eu acho que precisa escolher aquilo que é possível. Não vai dar para um grupo de quinze pessoas trabalhar desde o jardim da infância até a maturidade, né? Então assim, onde que é possível? É possível atuar no nosso curso? A gente sabe a situação do nosso curso? Caramba, nunca paramos para pensar nisso, a gente não sabe se as meninas do nosso curso sentem preconceito, então, diagnóstico. Fazer um diagnóstico disso seria um grande trabalho e, na minha opinião, uma grande contribuição. Por isso que eu falei sobre o contato com esses grupos de apoio… pode ser interessante porque, de repente, não passa pela cabeça de vocês situações que podem ser preconceito que esse grupo identifique como um todo. E por quê? Ah, nunca apareceu nenhuma menina de SI para reclamar. Será que não apareceu porque a nossa característica de SI é ficar quietinha, no canto? A gente não é alguém que vai para as ruas e reclama. Ou será que não apareceu porque ela nem sabe que existe esse fato? Se ela nunca pensou que aquilo era um preconceito? Então, esse diagnóstico já seria uma grande contribuição de vocês, porque assim, o PET é uma coisa (se Deus quiser, né Sara?) de longo prazo, enquanto o governo não cortar, né? Então, assim, fica para os próximos petianos. Vocês comecem e já seria uma grande contribuição para o curso. Minha sugestão é que trabalhem com o time nesse sentido. Olha, essa turma faz o diagnóstico, o ano que vem… e até o planejamento, onde nós queremos chegar? A gente quer chegar no ponto que nenhuma menina do curso de Sistemas de Informação se sinta embaixo de preconceito. Legal, qual é o nosso planejamento? O que que a gente vai fazer? E consultar os especialistas.

Profa. Gisele: Eu acho que eu resumiria na palavra visibilidade, entendeu? Então assim, dar visibilidade para alguma coisa, eu só não sei o quê, aí o diagnóstico vai ajeitar. Nós temos que dar mais visibilidade para as meninas se valorizarem? Vamos dar visibilidade às situações que elas enfrentam? Ou coisas que elas fazem? Eu não sei, vocês vão ter que ver o que está mais mobilizando, pra envolver a motivação de cada um de vocês, né? E dizer, dá pra fazer ou não dá? Eu não vou fazer com você, vou fazer com outros. E aí os limites vão direcionando um pouco.

Profa. Fátima: Só para mostrar um caso de fora, e eu não estou falando que isso pode ser feito, mas… eu corro. Faço parte de um grupo de corrida e tal. Até a década de 1980, em algumas maratonas as mulheres eram proibidas de participarem. Aí em 1982…

Victor: Aqui no Brasil ou no exterior?

Profa. Fátima: No Brasil e fora do Brasil. Eu até lembrei que isso aconteceu fora porque semana passada eu vi que alguém compartilhou um post sobre a primeira mulher que correu a maratona de Boston e, se eu não me engano, não tenho certeza do ano, mas foi na década de 1980. Se não fosse ela enfrentar, as mulheres não poderiam até hoje talvez, participar de corridas, porque elas “não têm corpo para isso”, entendeu? Então, é assim que se pensava. As mulheres antigamente não participavam de olimpíadas, era só para homens. Em esportes tem muito exemplo disso, né? O que que se fez no esporte para fazer isso? Começou a ter provas com disputa mista. Então assim, tem meia maratona, tem revezamento que o grupo tem que ser misto. Eu acho que esse tipo de coisa em um curso de graduação meio que força um pouco a barra, eu não vou fazer isso em turma minha e falar que os grupos de trabalho têm que ser mistos. Mas, de repente, você dá um toque e pensa, será que não estão acontecendo coisas desse tipo? Fazer um diagnóstico e já vai ser uma grande contribuição.

Victor: Obrigado.

Bia: Eu só queria fazer um comentário na sua pergunta, para você ter cuidado com os exemplos, né? Esses exemplos que as meninas colocaram são apenas um, dois, três em uma série de exemplos, entendeu? Porque, por exemplo, eu poderia ter dado o exemplo para vocês das meninas que terminam a graduação e não ingressam no mercado de trabalho ou fazem uma outra graduação, de um outro curso, isso também é um exemplo. Por exemplo, ela comentou sobre um grupo que eu conheci recentemente que trabalhava com mulheres da terceira idade, para ingresso na área de computação. Então assim, existem grupos de meninas que trabalham com crianças. Vejo vários grupos trabalhando, ensinando arduíno e robótica para crianças. Conheci uma menina fantástica, de oito anos de idade que já dá palestras, que trabalha com arduíno, faz umas coisas fantásticas. Uma menina de 13 anos também. Então assim, existem diversos grupos que estão focando em alguns grupos que identificam onde vale a pena investir e qual é o meu esforço para aquilo. O que eu quero dizer é que não dá para generalizar a partir do relato das professoras de matemática, das meninas que se formaram, que agora tem menos e agora tem mais, entendeu?

Victor: Só que pareceu para mim que esses exemplos são um pouco mais comuns, não seriam exceções. Um exemplo de que as mulheres conseguem provar seu desempenho ao longo da graduação, para mim é mais recorrente. Eu tenho aqui mesmo, a Lígia e a Amanda que se destacam bastante na sala, a Lígia principalmente porque ela é do meu ano e eu sei que ela se destaca bastante. Eu escolheria ela para ser do meu grupo. E o exemplo de professoras não foi só com uma, a própria Sara deu a entender que antigamente as professoras mulheres é que davam aula de matemática. Não que fosse exatamente isso, mas são exemplos que ocorrem com mais frequência do que o exemplo da integração das pessoas da terceira idade na computação ou da menina que dava aula de arduíno, mas com certeza não tem como generalizar, mesmo que sejam um pouco mais frequentes, então a atividade de diagnóstico é o início, né? O ponto de partida. TOPO

Profa. Sara: Gente, o papo está bom, mas a gente precisa tomar café. Então, eu agradeço a todos vocês pela preparação da atividade, às professoras pela disposição de parar um “mundaréu” de coisas a serem feitas para vir aqui conversar com a gente, à Bia, por ter vindo também trazer experiência e também Mônica que foi embora assistir aula, mas fica o nosso agradecimento também. E eu quero tirar uma foto, então, temos uma câmera profissional aqui…

Silas: Tem mais alguma coisa que vocês gostariam de deixar de mensagem para as mulheres na computação, sobre o tema que foi discutido aqui, para fazer parte do futuro?

Lígia: Alguma inspiração para as meninas que querem entrar na área?

Silas: Uma mensagem final.

Profa. Gisele: Mais uma vez parabenizo a iniciativa, sério mesmo, achei fantástica e eu acho que gostaria de apoiar algo interno, se alguma menina precisar de alguém para conversar, desde coisas mais “micros”, vamos dizer assim, de ter alguém porque acho que algo muito importante é ter uma pessoa na academia com quem possa conseguir conversar e compartilhar problemas, eu me coloco um pouco nesse papel, tentando retribuir uma série de pessoas atrás de mim que deram muito apoio e eu quero doar de alguma forma. Acho difícil eu poder me engajar em um projeto, mas, dependendo, eu estou à disposição do que vocês quiserem levar para frente.

Silas: Obrigado.

Profa. Fátima: Eu queria agradecer a vocês por essa iniciativa e pedir para vocês não pararem, não termina aqui. Eu acho que isso aqui deveria ser o início e que vocês continuassem. Se eu pudesse falar uma mensagem final, seria mais para as meninas no sentido de: Não aceite “não”. Nenhum não é definitivo, se alguém falar que você não pode porque você é mulher, que lhe sirva de estímulo. Eu acho que seria por aí. Isso serviria de estímulo para você provar que pode e acabou.

Profa. Gisele: Ah, importante, “he for she”, “he for she”, lembrem-se disso.

Profa. Fátima: Obrigada, pessoal, foi muito bom!