A questão educacional na Campus Party

A questão educacional na Campus Party

Johnny Jyundi Taira e Pedro H. M. Delmondes

É inegável a importância da educação na formação de uma sociedade, principalmente em um período caracterizado pelas exigências cada vez maiores em relação à qualificação e pela formação de excelência. Isso, unido ao fato de que uma boa estrutura educacional é capaz de prover melhorias na qualidade de vida da população e, consequentemente, um desenvolvimento sustentável de uma nação, justifica a discussão do tema. Desse modo, faz-se interessante uma breve explanação sobre as revoluções educacionais que ocorreram ao longo da História, justamente para entender melhor o sistema educacional atual e levantar alguns pontos a serem discutidos. Veja essa explanação no Quadro – Revoluções Educacionais.

 

“Em 5 anos o aprendizado será 10 vezes mais rápido”: Nolan Bushnell, criador da Atari e Keynote da Campus Party Brasil 6, em sua apresentação – a educação foi tema presente em diversas palestras.
QUADRO – REVOLUÇÕES EDUCACIONAISEm seu artigo “A quarta revolução educacional: a mudança de tempos, espaços e relações na escola a partir do uso de tecnologias e da inclusão social”, publicado em 2011, Araújo discorre a respeito das revoluções educacionais, um breve resumo pode ser encontrado abaixo:A primeira revolução educacional data do ápice no Império Egípcio, e da Revolução Industrial, a primeira tinha como característica um educação destinada apenas para a elite aristocrática (reis, nobres e alta burguesia),que tinham aulas particulares. A segunda revolução educacional veio com o acúmulo de capital nas nações europeias e consequentemente a revolução industrial. Nela, foi decretado que a educação deveria ser uma responsabilidade do Estado, com isso, a educação atingiu mais pessoas. As principais características da escola naquela época eram a figura do professor como o centro do processo educativo, e a cultura de homogeneização, que buscava excluir qualquer tipo de diferença entre os alunos, como os que tinham alguma dificuldade no aprendizado, mulheres e pobres, além de se padronizar as vestimentas, corte de cabelo, e fisionomia.

A terceira revolução educacional aconteceu durante a segunda metade do século XX. A sociedade capitalista dessa época exigia que todos estivessem na escola e se qualificassem, alunos com diferenças sociais, econômicas, físicas e raciais foram trazidos ao mesmo ambiente. Entretanto, a escola e universidade contemporânea não se reinventaram com perfeição com relação aos moldes da Revolução Industrial, talvez se fazendo necessária uma quarta revolução educacional.

Deve-se agregar responsabilidade ética e social nas aulas, fazê-las transcender as quatro paredes da classe e o tempo determinado para a aula. Além de mudar a relação entre discentes e docentes, fazendo do discente um produtor de conhecimento e do docente um mediador desse processo, deixando de lado a condição do aluno de mero reprodutor do conhecimento passado pelo professor, promovendo a busca de informações e conhecimentos acerca de seus questionamentos de forma coletiva e cooperativa, de forma que a diversidade passe ser fator fundamental na produção do conhecimento.

 

Don Tapscott, keynote da Campus Party Brasil 6, e as mudanças da sociedade com o advento da Internet.

A atual situação do modelo de educação global, ainda muitas vezes presa em sua segunda revolução, fomenta a discussão do tema em grandes eventos, como, por exemplo, a Campus Party. É interessante destacar que, principalmente pelo fato da Campus Party ter como temática principal a tecnologia e suas diversas aplicações na sociedade contemporânea, promover, dentro do evento, o discurso da educação em união com a tecnologia é especialmente válido.

Tal temática foi bastante discutida na Campus Party Brasil 6 sob diferentes óticas e todas elas girando em torno de porque e como a tecnologia pode auxiliar no desenvolvimento educacional. As justificativas, a princípio, podem ser encontradas na própria sociedade em que vivemos, na qual os jovens, antes mesmo de se inserirem em um meio formal de educação, estão acostumados a utilizarem as diversas tecnologias criadas entre a segunda metade do século XX e o início do século XXI. Esses jovens, conforme denominados por Marc Prensky, são chamados de “Nativos Digitais” e são capazes de se adaptar com facilidade às mudanças que ocorrem constantemente no planeta, principalmente em tempos onde novidades tecnológicas surgem a todo momento. Ou seja, conforme discutido no Quadro – Revoluções da Educacionais, a proposta educacional predominante na maioria das escolas do mundo não faz mais sentido, levando em conta que os estudantes de hoje não são mais as pessoas nas quais o atual sistema educacional estava designado a ensinar (PRENSKY, 2001).

Mark Prensky, Keynote da Campus Party Brasil 6.

A capacidade da internet e dos dispositivos de comunicação em derrubar as fronteiras e facilitar o Networking também são fatores que justificam a utilização de meios tecnológicos para o aprendizado. Marc Prensky, em sua apresentação na Campus, afirmou que as relações interpessoais são essenciais na obtenção de conhecimento, através da troca de informações e do aprendizado mútuo.

 

A Internet tem se mostrado a maior aliada no combate a centralização do conhecimento, e seu uso como ferramenta de aprendizado já é bastante difundido. Podemos então deduzir que quanto maior o número de pessoas com acesso a Internet, maior o acesso ao conhecimento. No Brasil o número de acessos a banda larga móvel aumentou em 59% (EXAME), o consumo de vídeos online aumentou em 18% (IDGNow). Observamos conteúdo sendo produzido e disponibilizado a todo tempo, muitas vezes com acesso livre a todos os internautas, como por exemplo jogos educativos, palestras e videoaulas. Everton Zanella Alvarenga, palestrante do evento e envolvido em projetos como a Wikimedia Foundation[1], confirmou em sua apresentação relacionada à “Wikipedia e o futuro da educação” tal constatação, argumentando que a WEB é um importante meio para que existam grandes contribuições para a distribuição do conhecimento.

Everton Zanella em sua palestra “Wikipédia e o futuro da educação”.

Observada a importância do Networking na formação do indivíduo para a sociedade, Marc Prensky afirma que o papel das instituições de ensino não se concentra somente na passagem de conhecimento aos alunos, buscando desenvolver as suas habilidades. Pode-se afirmar que essas habilidades, além da já citada capacidade de conviver coletivamente, envolvem a criatividade, proatividade, competência para resolver problemas etc.

São várias as ferramentas e tipos de conteúdo existentes atualmente que têm como objetivo apoiar o processo de ensino e aprendizagem. A Khan Academy[2], criada por Salman Khan a partir da iniciativa de ensinar matemática para sua prima através da internet, é um dos melhores e mais completos portais de educação online existentes, com um acervo contendo mais de 4000 palestras e videoaulas armazenados e disponíveis para todo o público. Faz parte da meta da Khan Academy “prover educação livre a nível mundial para todos em qualquer lugar”.

 

Na Campus Party, em uma das palestras, foram apresentadas iniciativas de brasileiros que criaram Startups criadoras de soluções voltadas à educação. São eles:

  • Veduca, primeiro site do Brasil a disponibilizar gratuitamente videoaulas das melhores universidades do Brasil e do mundo;[3]
  • Qranio.com, cuja ideia traz a gameficação do aprendizado, através de jogos e desafios educativos com pontuações que podem ser trocados por diversos prêmios;[4]
  • Cinese.me, portal que tem como objetivo facilitar encontros e bate-papos de diversos temas, com o intuito de promover a troca de informações de uma maneira informal;[5]
  • Geekie, que parte dos princípios do Ensino Adaptativo, na qual “leva em consideração o perfil de cada aluno e adapta o conteúdo à maneira como ele aprende”. [6]

“Palestra: Empreendedores pela educação”

Focando a temática em ideias aplicadas em escolas, podemos também falar sobre modelos educacionais diferenciados, que estão mais próximos da realidade vivida por nós. O PBL (Problem-Based Learning) é uma forma de implementar o modelo de “quarta revolução educacional”. Nele os estudantes trabalham colaborativamente em um pequeno grupo para resolver um problema real, similar a um que seria eventualmente encontrado na prática do conteúdo estudado em aula. Para resolver o problema os alunos devem empregar habilidades de pensamento crítico e capacidade de assimilação e compreensão do conteúdo. No PBL o professor assume um papel de tutor, facilitando e indicando onde procurar informação sobre um determinado tema, além de ainda ser responsável por gerenciar as tarefas realizadas pelos estudantes e auxiliá-los nas etapas decisivas e mais importantes do processo de PBL.

 

O projeto GENTE (Ginásio Experimental das Novas Tecnologias Educacionais) também é outra grande ideia que atualmente está sendo aplicada na Escola Municipal André Urani, localizada na favela da Rocinha, Rio de Janeiro[7].

A proposta do projeto agrega diversos pontos discutidos nesta matéria e o objetivo dela é justamente alterar o como e o que se ensina, através do aprendizado individualizado – focado nos alunos e em seus projetos de vida individuais -, da utilização de tecnologias, como tablets, smartphones e portais on-line, dentre outros, na proposta pedagógica baseada mais na formação do aluno para a sociedade – para isso, a divisão por séries é abolida, bem como as salas de aulas tradicionais, tornando o aprendizado mais “aberto”, além da inclusão de projetos transdisciplinares e interdisciplinares.

Como podemos observar, as metodologias de ensino que seguem os novos paradigmas educacionais são muito mais complexas que os modelos adotados em muitas escolas do Brasil e do resto do mundo, visto que torna-se mais fácil ensinar uma classe totalmente homogênea e padronizada e aplicar somente uma forma de ensinar. No entanto, sabe-se que a própria sociedade não funciona deste modo, e cada indivíduo possui seus próprios anseios, desejos, metas e objetivos. Cabe às escolas, portanto, auxiliar os futuros cidadãos para que eles contribuam, através dos conhecimentos e habilidades adquiridos, com uma sociedade melhor. A tecnologia, nesse caso, assim como no mundo em que vivemos, é uma ferramenta primordial para auxiliar-nos e otimizar esse processo educacional, justificando a importância de ensinar os alunos a entendê-la e utilizá-la da melhor forma possível. No entanto, é válido afirmar que mesmo com todo o avanço tecnológico, o ser humano ainda é muito mais capaz que a máquina (ao menos por enquanto) em diversos aspectos, principalmente no que se diz ao emocional. Ou seja, conforme Marc Prensky disse, cabe a nós unir tudo aquilo que as tecnologias podem fazer muito bem com aquilo que os seres humanos são mais capacitados em executar.

A própria Campus Party é um evento na qual essa experiência é vivida na prática, onde as relações interpessoais fomentam a discussão de diversos temas atrelados às tecnologias e suas aplicações na sociedade, sendo que a educação, direta ou indiretamente, perpassa por todos esses temas, já que ela é essencial para formar indivíduos empreendedores, criativos, autodidatas, conscientes politicamente e preparados para viverem coletivamente.

 

Bibliografia

 

Marc Prensky – Digital Natives, Digital Immigrants

Jacques Delors – Os Quatro Pilares da Educação

Ulisses Araújo – A quarta revolução educacional: a mudança de tempos, espaços e relações na escola a partir do uso de tecnologias e da inclusão social

http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/banda-larga-deve-chegar-a-82-milhoes-de-acessos-em-2013

http://idgnow.uol.com.br/internet/2013/03/07/internautas-brasileiros-passam-27-horas-online-por-mes-afirma-comscore/

http://www4.samford.edu/pubs/pbl/pblins1.pdf

http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/projeto_gente_is_launched_in_a_school_in_rocinha/