Computação Verde: Como a tecnologia afeta o futuro do planeta?

Por Gustavo Jun e Matheus Rocha

O que é e por que deveríamos nos importar?

Ao andar de carro e ver uma fumaça cinzenta subindo do escapamento, muita gente logo pensa em poluição, efeito estufa e todas as consequências para o meio ambiente. A mesma coisa acontece quando se vê uma lata de lixo transbordando de plástico, logo se lembra de lixões e oceanos poluídos. No entanto, quando você está jogando em um videogame ou acessando uma rede social no seu celular, muito dificilmente a preocupação com sustentabilidade vem à sua mente.

Em 2020, data centers, instalações físicas que armazenam dados e/ou aplicações de grandes organizações, foram responsáveis por quase 1% da emissão de gases do efeito estufa do mundo1. No final das contas, esses prédios armazenam suas fotos salvas no Google Photos, seu carrinho de compras na Amazon e tudo que faz isso funcionar. Porém, nas escalas gigantescas que esses processos operam (imagine quantas pessoas no mundo inteiro estão assistindo vídeos no YouTube nesse exato momento!), os custos se acumulam e há uma grande influência desse setor em como tratamos (ou deveríamos tratar) a sustentabilidade hoje em dia.

A computação verde ou TI verde (do inglês Green IT) lida exatamente com essa problemática. Trata-se do ramo da tecnologia da informação que foca em otimizar os seus próprios componentes e processos em prol da diminuição do seu impacto ambiental.

Como exatamente tecnologia e meio ambiente se conectam?

Em alguma instância, o impacto de todas essas tecnologias têm a ver com energia. Porém, a análise do problema não é tão simples assim. O seu impacto no meio ambiente leva em conta diversas métricas, e não meramente quanto de energia ela gasta. Um exemplo: imagine dois data centers, um localizado em Joanesburgo, na África do Sul, e outro em Svalbard, na Noruega. Supondo que tenham eficiências energéticas equivalentes, isso é suficiente para assumir que os danos ao planeta são os mesmos? Não! O país nórdico é famoso por ter cerca de 98% da sua matriz energética de fontes renováveis², enquanto o país africano possui apenas 11%, sendo 70% da sua energia oriunda do carvão *³. Isso faz com que, hipoteticamente, nosso data center sulafricano tenha uma pegada de carbono maior que o norueguês. Além disso, Svalbard está no ártico e tem médias de 5°C no verão5. Uma prática comum em datacenters com essas condições é economizar na refrigeração dos equipamentos6, que compõem cerca de 40% do gasto total de um datacenter7.

* Apesar de pressões internacionais, a influência do lobby das mineradoras freia mudanças desse panorama4.

Figura 1: Datacenter parcialmente subterrâneo nos fiordes de Svalbard8. Além das condições físicas e econômicas, outra vantagem da sua localização é o distanciamento da maioria dos conflitos geopolíticos.

Quem ganha com a computação verde?

Como já deve ter ficado claro, as maiores e mais influentes ações no ramo da TI sustentável vêm das grandes corporações. Entretanto, é importante ressaltar que isso não acontece somente por mero altruísmo: o lucro é sempre o objetivo maior. Por acaso, a lógica de mercado faz com que recursos naturais, que são finitos, sejam valiosos o bastante para gerar iniciativas de preservação. Além disso, todas dependem de consumidores, que estão cada vez mais conscientes sobre essas pautas.

A questão energética, entretanto, se limita fundamentalmente a softwares e como podemos fazê-los consumir menos energia e consumir energia limpa. Para além disso, a computação verde também se preocupa com outro fator igualmente importante: o lixo. Todo o avanço tecnológico nos trouxe a um ponto em que, dentre mensagens instantâneas e vídeos de gatinhos, 40 milhões de toneladas de lixo eletrônico (do inglês e-waste) são gerados globalmente a cada ano9, sendo que apenas 12,5% são reciclados. Além dos exorbitantes números, uma preocupação adicional dessa indústria é a presença de metais pesados e outros componentes tóxicos na composição dos seus dejetos, representando 70% do total gerado de lixo tóxico pela humanidade.

É nesse contexto que vemos os vetores de lucro e sustentabilidade agora apontando em sentidos opostos. Por exemplo: você já deve ter tido a desagradável experiência de ter um celular se tornando exponencialmente pior ao longo do tempo. Isso tem um nome, se chama obsolescência programada e não acontece por acaso. Muitas empresas comprovadamente projetam seus aparelhos pensando na usabilidade apenas em baixo ou médio prazo. Seja de formas mais discretas como a curta vida útil dos componentes, tal qual bateria ou processador, até de maneiras bem mais evidentes como o fim do suporte para modelos mais antigos. Por motivos óbvios, não há dados oficiais desse problema, mas a então estudante de Ph.D da Universidade de Oxford Laura Trucco realizou um experimento em que mostrava o fluxo de pesquisas no Google de “iphone slow” (iphone devagar, em inglês) e notou que coincidiam com os meses pós lançamento de um novo modelo pela marca.

Figura 2: Gráfico da ocorrência de buscas de “iPhone slow” no Google entre meados de 2008 e 2014 10.

Apesar de antigo, a tendência continua a ser verificada nos períodos mais recentes. Isso tudo mostra que a análise da sustentabilidade tecnológica em grande escala deve ser feita por diversas métricas e esbarra em entraves não somente técnicos, mas também geográficos, econômicos e até políticos.

Projeções para o futuro

Ao pensar no que será da computação verde daqui pra frente, a partir de tudo o que vimos, algumas tendências inevitavelmente vão surgir ou continuar crescendo:

  • Computação em Nuvem:

Apesar de todos os avanços ainda necessários, a existência da cloud computing por si só é uma alternativa ecologicamente mais amigável de armazenamento e processamento computacional. A centralização que ela oferece permite aos clientes, que são muitas vezes empresas pequenas, desfrutar indiretamente de otimizações de performance que só uma cloud dedicada poderia prestar, além é claro de evitar a produção de hardware adicional. Novamente, isso primariamente é um atrativo econômico, mas que também reflete em uma boa alternativa em termos ambientais. Nesse sentido, a computação em nuvem tende, de um jeito ou de outro, a crescer ainda de importância nos próximos anos11.

  • Certificações:

Diversas organizações têm começado a oferecer certificações de tecnologias verdes. Alguns exemplos são a LEED Green Associate Exam ou CDCEP (Certified Data Center Energy Professional). Estes fornecem à empresa um poder de exposição no mercado como vanguarda dessa evolução para uma TI mais verde.

  • Dados sobre impacto ambiental da tecnologia:

Como consequência da crescente importância desse problema, mais e mais organizações tendem a coletar dados de suas linhas de produção para análises cada vez mais minuciosas do impacto ambiental. Isso deixa um campo fértil para inovações embasadas nesses novos dados.

Apesar de diversos pactos, comprometimentos e iniciativas, é fato que hoje em dia estamos muito atrasados como humanidade na questão da sustentabilidade. Porém, o setor tecnológico tem se reconhecido como um poluidor ativo e muitas iniciativas estão surgindo com um potencial genuíno de impactar na diminuição da sua pegada de carbono. Na última edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP 28), em Dubai, a tecnologia foi um dos principais temas abordados e uma iniciativa de IA orientada12representou o nosso país no evento. Resta saber até que ponto os interesses das empresas andarão no mesmo caminho da luta ecológica e se as soluções terão tempo e recursos hábeis para nos proporcionar um futuro mais verde.

Referências

  1. Data Centres and Data Transmission Networks. IEA, 2023. Disponível em: <https://www.iea.org/energy-system/buildings/data-centres-and-data-transmission-networks>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  2. The Nordics: Two-thirds renewable. Nordic Energy Research, 2011. Disponível em: <https://www.nordicenergy.org/figure/two-thirds-renewable/>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  3. South Africa Executive Summary. EIA, 2022. Disponível em: <https://www.eia.gov/international/analysis/country/ZAF>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  4. MOLEKWA, ThaboSouth. Africa’s coal lobby is resisting a green transition. Climate Home News, 2023. Disponível em: <https://www.climatechangenews.com/2023/06/19/south-africa-coal-energy-fossil-fuels-climate-lobby/>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  5. MOURA, Davi. Calor no Ártico: recorde de temperatura na Noruega. Meteored, 2020. Disponível em: <https://www.tempo.com/noticias/actualidade/calor-no-artico-recorde-de-temperatura-na-noruega.html>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  6. PEARCE, Fred. Energy Hogs: Can World’s Huge Data Centers Be Made More Efficient?. Yale Environment 360, 2018. Disponível em: <https://e360.yale.edu/features/energy-hogs-can-huge-data-centers-be-made-more-efficient>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  7. LIQUORI, Thomas. How Much Energy Do Data Centers Use?. DataSpan, 2023. Disponível em: <https://dataspan.com/blog/how-much-energy-do-data-centers-use/>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  8. Seven of the most astonishing data centres from around the world. DCNN Magazine, 2018. Disponível em: <https://dcnnmagazine.com/data-centres/seven-of-the-most-astonishing-data-centres-from-around-the-world/>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  9. Seven of the most astonishing data centres from around the world. DCNN Magazine, 2018. Disponível em: <https://dcnnmagazine.com/data-centres/seven-of-the-most-astonishing-data-centres-from-around-the-world/>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  10. Electronic Waste Facts. The World Counts. Disponível em: <https://www.theworldcounts.com/stories/electronic-waste-facts>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  11. MCKAY, Tom. The Real Reason Your Old iPhone Seems to Fail So Quickly. MIC, 2014. Disponível em: <https://www.mic.com/articles/95340/the-real-reason-your-old-iphone-seems-to-fail-so-quickly>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  12. MCKAY, Tom.The Future of Green IT. Tech Mahindra, 2022. Disponível em: <https://files.techmahindra.com/static/img/pdf/the-future-of-green-it.pdf>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.
  13. VIEIRA, Raquel. Pesquisa de IA orientada no ICMC/USP vai representar o Brasil na COP-28, em Dubai. CeMEAI, 2023. Disponível em: <https://cemeai.icmc.usp.br/pesquisa-de-ia-orientada-no-icmc-usp-vai-representar-o-brasil-na-cop-28-em-dubai/>. Acesso em: 9 de fev. de 2024.