Entrevista com Prof. Dr. Paulo César Masiero

Entrevista com Prof. Dr. Paulo César Masiero

Entrevistamos o professor Dr. Paulo César Masiero, no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação, na USP em São Carlos. Prof. Masiero, que foi o primeiro coordenador do nosso curso de Sistemas de Informação, contou-nos sobre sua atuação na USP, como se deu a criação de nosso curso e emitiu sua opinião sobre alguns outros assuntos. Confira!!!

Paulo César Masiero é Professor Titular do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP, em São Carlos. Já ocupou várias posições na USP, com destaque para a Direção do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), Coordenador de Tecnologia de Informação da USP (CTI) e Vice-Direção da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). Também foi o criador e coordenador nos quatro primeiros anos do nosso curso de Sistemas de Informação.

Prof. Masiero nos concedeu uma entrevista nas dependências do ICMC no dia 13 de maio de 2011. A entrevista começou com o prof. Masiero contando como ele chegou a ser convidado para trabalhar com a criação do curso de Sistemas de Informação da EACH.

Prof. Masiero: As coisas não acontecem por acaso, para tudo tem uma história. Quando eu fiz o doutorado, fiz em São Paulo, na Faculdade de Economia e Administração, em Administração e Sistemas de Informação. Terminei em 1984. Eu trabalhei em São Paulo, como analista de sistemas durante cinco anos. O mestrado eu fiz aqui, em São Carlos, em Ciências de Computação na área de Engenharia de Software. Fui para o pós-doutorado e trabalhei mais com Engenharia de Software. Voltei para São Carlos e estabeleci residência em 1986, depois do pós-doutorado. Então eu trabalhei, no início do curso aqui de São Carlos, com a disciplina Análise de Sistemas. Não havia, aqui, pessoal que possuía experiência nesta parte prática da Computação. Então eu sempre fiquei entre estas duas áreas: Engenharia de Software e Sistemas de Informação, mas depois, na minha carreira científica eu trabalhei com Engenharia de Software. Em 1997 e 1998 eu fui membro da Comissão de Especialistas do MEC [Ministério da Educação] na área de Ciência da Computação. Naquela época ainda era no MEC que eram feitas as avaliações dos cursos, depois passou para o INEP [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira]. Foi nesta época que nós estudamos os perfis e montamos os três perfis, que o ministro depois aprovou e publicou em uma portaria (o ministro ou o presidente da CAPES): Sistemas de Informação, Ciência da Computação e Engenharia da Computação. Isso foi em 1998. Eu, o prof. Daltro [Daltro José Nunes] e o prof. Bigonha [Roberto da Silva Bigonha]. Logo em seguida aqui em São Carlos, nós fizemos uma reunião do departamento, e nós decidimos que na primeira oportunidade criaríamos um novo curso (nós tínhamos aqui Ciência da Computação), com o um novo perfil. Eu fui indicado para ser o presidente da comissão. Montei o currículo desse curso que nós temos à noite, que se chama Bacharelado em Informática. Na época, a portaria de definição dos perfis tinha surgido há pouco tempo e o pessoal aqui não quis adotar esse nome de Sistemas de Informação. Fui voto vencido. Havia um pouco de preconceito com relação a este nome porque o curso de Sistemas de Informação foi uma evolução do curso de Análise de Sistemas. Até 1998 e 1999 havia basicamente cursos de Ciência da Computação e cursos de Análise de Sistemas. E basicamente, todos os cursos de Análise de Sistemas eram em universidades/faculdades particulares. E como o curso Sistemas de Informação foi uma evolução de Análise de Sistemas, na portaria nós praticamente obrigamos que os cursos de Análise de Sistemas se transformassem para esse perfil de Sistemas de Informação. Essa mudança aconteceu em poucos anos, as faculdades rapidamente se adaptaram. Tanto é que hoje acabou, não tem mais cursos de Análise de Sistemas. Mas aqui ficou “Informática”. Eu acho até hoje que isso foi um erro porque é um curso que tem um nome que não tem em outro lugar no Brasil. Mas enfim, eu presidi essa comissão, basicamente montei todo o currículo do nosso curso, a USP abriu a oportunidade de criação de novos cursos, a gente submeteu, foi aprovado. Eu acho que nós começamos o curso em 1999. Mas em 1998 eu me tornei diretor do instituto e não fui o coordenador do curso, só ajudei a implantá-lo, como diretor, criando todas as condições etc, e o coordenador foi outra pessoa. Em 1999 eu fui convidado pelo reitor da época, prof. Jacques Marcovitch, para ser Presidente da Comissão Central de Informática, em São Paulo. Eu fiquei nesta comissão até 2002 quando saiu esse reitor (o Jacques Marcovitch que era da FEA), e nessa época eu fazia as duas coisas. Depois, quando entrou o reitor seguinte, o prof. Melphi [Prof. Adolpho José Melfi], ele me pediu para ficar nessa comissão. Já havia um estudo e ele me pediu para criar uma Coordenadora de Tecnologia da Informação da universidade, a atual CTI. Na USP, o primeiro escalão das áreas fins são as pró-reitorias, Pró-reitoras de Cultura e Extensão, de Pesquisa, de Graduação e de Pós-Graduação. E as áreas meio são as coordenadorias. Há a coordenadoria de administração que talvez seja a mais conhecida, e várias outras como a COESF que é a do espaço físico que faz as obras e criou-se a CTI e eu fui nomeado coordenador. Esse cargo de coordenador da CTI é como se fosse um CIO[1] da universidade; é o dirigente máximo da área de TI. E aí isso foi de 2002 a 2005. Fiquei até 2005 nesta função, quando saiu o reitor e entrou a reitora Profa. Suely Villela. Em 2006 eu pedi demissão, pois eu já tinha ficado lá quase sete anos, entre a CCI e a CTI. Mas então, eu estava em São Paulo neste momento e em 2003 o prof. Melphi, fez uma portaria e criou uma comissão com a função de estudar e propor um curso da área de Computação na nova unidade que seria criada na Zona Leste. Isso foi mais ou menos em outubro. Talvez vocês já tenham ouvido a historia, mas houve uma comissão que resolveu o que ia criar, foi até lá ver o local, definiu os cursos, fez uma pesquisa lá na Zona Leste, e nesta pesquisa (da qual ficaram fora as áreas de Medicina, Engenharia e Direito) os alunos de colegial tinham que optar por um curso de uma lista. E o mais votado foi o curso da área de Computação. Havia também a restrição, no regimento da Universidade, que dizia que na Universidade não pode criar, na mesma cidade, dois cursos iguais. Então montamos a comissão. A comissão foi muito tranqüila porque já havia em São Paulo na Poli o curso de Engenharia da Computação e no IME o curso de Ciência da Computação, então não poderia ser nenhum desses dois cursos. Restava o perfil de Sistemas de Informação, que eu achei, e continuo achando, que era um perfil adequado e bom para o novo curso da USPLeste, porque era um curso para dar mais oportunidades para pessoas de outras origens, ou da Zona Leste que tem dificuldade em viajar lá para a Zona Oeste; e era também um curso que tinha um perfil que seria de um turno, como o nosso noturno aqui. Lá [na EACH] seria de manhã ou à tarde ou à noite. Nosso curso de Computação aqui é diurno, tem aulas de manhã e à tarde e a Engenharia também. E esse perfil [de um turno] é diferente. Ele cria algumas restrições. Por exemplo, no noturno aqui eu dou aulas de Sistemas de Informação neste semestre, se você perde uma aula não tem como repor porque a semana inteira é ocupada por aulas e não tem como marcar outra aula, pois é proibido marcar aulas para o dia. Então é um curso um pouco mais engessado. E pelo que se falava naquela época, que seria mais profissionalizante então… mas se bem que nessa área não falta emprego, cada vez tem mais gente procurando. E por outro lado em São Paulo só havia esses dois cursos que eu mencionei (cerca de 125 vagas). Eram as únicas vagas públicas disponíveis na cidade de São Paulo, uma cidade tão grande. Aqui em São Carlos por exemplo, só aqui na USP, nós temos hoje 190 (100 de Computação,  40 de Informática e 50 de Engenharia da Computação). Tem mais vagas aqui do que havia em São Paulo. Enfim, era um conjunto de vagas pequeno para o tamanho da cidade. Grande parte de nossos alunos aqui e da Federal de São Carlos se formam e vão trabalhar em São Paulo, o mercado absorve. Não haveria problema de empregabilidade. Enfim fizemos a proposta de que seria o curso de Sistemas de Informação e eu fiz todo o currículo do curso e me baseei no que havia aqui. Obviamente que tive que fazer algumas adaptações porque havia a restrição do currículo geral de lá que era o Ciclo Básico. Eu tive que pegar o currículo daqui e adaptar considerando o Ciclo Básico. Assim surgiram algumas coisas diferentes que não havia como contornar porque nos dois primeiros semestres só estavam disponíveis 8 horas aula, ficando ICC 1 e Calculo 1, ICC 2 e Cálculo 2 no primeiro ano. Aqui é um pouco diferente porque não tem o Ciclo Básico. Eu fiz algumas adaptações e isso foi aprovado no meio de 2004. Alguns amigos ajudara, como o Prof. Fábio Kon, o Carlinhos [Prof. Carlos Eduardo Ferreira] e o Siang [Prof. Siang Wun Song] [todos do IME] e também o professor Nicolau [Prof. Nicolau Reinhard] da FEA. Quando eu tinha dúvidas e queria discutir alguns assuntos, fazia reuniões … montei o projeto, passei para a comissão que enviou para o Conselho Universitário (CO) e em algum momento de maio … junho … julho o CO aprovou. Houve algumas mudanças pois inicialmente eram 50 vagas e seriam duas turmas, a do diurno e do noturno. Eu não sei bem o que aconteceu, pois eu não participava da outra comissão, mas pelo que entendi, como essa minha comissão havia várias propondo outros cursos e algumas delas no final não propuseram cursos. A comissão que era presidida por uma profa. da ECA não chegou num acordo do que seria o curso, já que não podia ser igual ao da ECA. Como alguns cursos não aconteceram, para completar as 1000 vagas combinadas com o governador, no meio do processo, depois que eu já tinha encaminhado o projeto do curso, eles aumentaram de 50 para 60 vagas [cada turma] e aumentaram para três turmas [o curso de SI], para preencher as 1000 vagas. O que não é ruim porque há muito pouca vaga para a cidade de São Paulo.  E por que o nosso curso? Porque era o curso que tinha sido o mais procurado na pesquisa espontânea. O curso foi aprovado pelo CO lá por setembro, ou até antes, em agosto, a tempo de sair no caderno do vestibular e iniciar em 2005. Em paralelo o pessoal estava construindo o prédio, o primeiro prédio [da EACH]. Eu também era o coordenador de TI e junto com o Prof. Massola [Prof. Antonio Massola] eu também coordenava a instalação de toda a parte de TI da Universidade. Então a gente fez o projeto da rede dos prédios e junto com o CCE compramos e instalamos toda a rede. Os quatro primeiros laboratórios, salas 1 2 3 e 4, já foram preparados com 30 micros cada uma, 120 micros. Em dezembro (de 2004) começamos os concursos para contratar os professores. Primeiro foram os professores do CB, que iam dar a disciplina de TADI. Eu criei a ementa de TADI e ficou definido que aquela disciplina seria dada pelo pessoal de SI. Eu contratei os primeiros professores da disciplina. No primeiro concurso havia 35 candidatos e eu contratei quatro. O Vicente [Prof. Renato Vicente], a Ana Amélia [Profa. Ana Amélia Benedito Silva], o Esteban [Prof. Esteban Fernandez Tuesta] e o André Martins [Prof. André Cavalcanti Rocha Martins]. E aí depois eu fiz o concurso para ICC, precisava de três, mas contratei apenas o contratei o Chaim [Prof. Marcos Lordello Chaim] e o José Pérez [Prof. José Jesús Pérez Alcázar]. Comecei as contratações e no dia primeiro de março de 2005 começou o curso. Então vocês imaginam que o ano que eu mais trabalhei foi o ano de 2004. Em 2005 fiquei fazendo as duas coisas, coordenador da CTI e coordenador do curso. Ficava a semana inteira em São Paulo. Ah sim! Fiz o concurso de matemática e contratamos o Marcone [Prof. Marcone Correa Pereira] e o Auil [Prof. Fernando Auil]. No final de 2005 eu comecei a querer voltar, mas o pessoal me convenceu a ficar mais um pouco e fiz um acordo que ficaria até formar a primeira turma. Eu fiquei de 2005 a 2008 e no fim deste ano eu estava para sair, mas fiquei mais um ano, em 2009, como vice-diretor. Eu já morei em São Paulo e gosto de São Paulo, mas minha esposa trabalha aqui e eu nunca quis morar em São Paulo. Depois de dez anos estou agora só em São Carlos. Esse é um resumo muito básico da história. Finalizando, às vezes eu me perguntava, no período de 2004 até começar o curso, se não era uma responsabilidade muito grande pois nós ficamos aqui [em São Carlos] durante 30 anos para montar e criar novos cursos e tornar isso aqui um lugar com pós graduação nível seis (na CAPES) e cursos todos nível 5 na Editora Abril, e hoje ter algo reconhecido, mas demorou 30 anos. E lá em São Paulo eu ia ter que, em primeiro de março, começar um curso com mais vagas do que existe aqui em São Carlos. Só para vocês terem uma idéia do tamanho da responsabilidade. O prof. Odelar [Prof. Odelar Linhares], quando criou o curso de Computação era um curso de Matematica que tinha 40 vagas, dividiram 20 para matemática e 20 para computação e ficou uns três ou quatro anos assim. Então, as 20 vagas de computação viraram 40 e ficou por 15 anos assim. E em 1998 nós criamos o bacharelado em Informática, depois de 20 anos. E o segundo fato é a experiência adquirida que pouca gente tem na universidade hoje, que é alguém que criou um curso do zero, incluindo tudo. Não havia faculdade, não havia nada e de um dia para o outro começou algo. Era engraçado porque no primeiro ano não havia veteranos e os alunos do primeiro ano não tinham parâmetros. Um dia fiz uma reunião com eles e disse: olha pessoal vocês precisam estudar Cálculo, porque Cálculo reprova, a gente tem a experiência que 30 a 40% dos alunos reprovam. Agora se vocês não forem bem na primeira prova não desistam porque Cálculo é incremental, você vai aprendendo …  aprendendo e aquilo que parece difícil hoje vocês vão perceber que é muito fácil lá na frente. Vai estudando até o fim porque tem a prova substitutiva e no fim vocês conseguem passar. E eles perguntavam pra mim, nossa professor, mas reprova mesmo? Aí eu descobri que veterano faz falta. Mas foi uma experiência muito interessante.

Grupo PET-SI: Nós vimos em seu currículo Lattes que sua formação em graduação é Licenciatura em Matemática. O que o fez partir de sua formação original e despontar como pesquisador da área de Computação? Quais foram as suas motivações para fazer um curso de mestrado e doutorado? Por que você resolveu se dedicar à área acadêmica?

Prof. Masiero: Eu comecei Matemática em 1972 e me formei em 1975. Eu sou de uma cidade pequena e de uma família pobre e em alguns momentos da vida eu pensei em fazer Engenharia. Mas eu acabei não tendo coragem ou facilidade, por exemplo, para ir para São Paulo, fazer um cursinho e também talvez um pouco de …  seria uma coisa nova ter que sair sozinho e morar em outra cidade. Então, quando eu terminei o colegial eu fui fazer Matemática em Rio Preto porque era mais próximo da minha cidade que é aqui do lado em Catanduva e foi a opção que eu encontrei para fazer um curso superior – eu fiz o vestibular da Unesp. Depois quando eu fui …. isso não está no Lattes, mas durante o tempo em que eu fiz faculdade de Matemática eu dei aula em cursinho. Então eu conhecia, tinha muitos amigos, médicos e engenheiros, todo o pessoal que trabalha com as universidades lá e que davam aula. Eu fiz a faculdade e fiquei com essa idéia de fazer uma coisa mais prática, de não ficar só na matemática pura. Então, eu fiz um curso com o professor daqui, o prof. Odelar, num mês de janeiro, que foi realizado lá na UNESP. Um curso de extensão que ensinava a programar. Quando eu fiz o curso eu me interessei por Computação e resolvi mudar para a área de Computação quando me formasse. Em 1972 não tinha nenhum curso de Computação. Como eu disse, aqui, em 1973, quando começou o curso, era Matemática no primeiro e segundo ano e dividia no terceiro, ficavam duas turmas, uma de Matemática e uma de Computação. Começou aos poucos, então eu não sei se eu teria feito Computação na época, mas de qualquer forma não havia essa opção e eu tive essa oportunidade quando eu me formei. Fui aceito no mestrado em Computação (que na época tinha muito conteúdo de Matemática). As disciplinas básicas do mestrado foram Álgebra Linear e Cálculo … era muita matemática e depois isso foi mudando. Acho que isso e responde [a pergunta].

Grupo PET-SI: E você decidiu pela área acadêmica desde a graduação? Quando surgiu esse interesse pela área acadêmica?

Prof. Masiero: Como eu disse, eu era de uma cidade muito pequena e não tinha esse tipo de informação. Eu comecei a pensar em fazer uma atividade acadêmica no curso de Matemática porque os professores lá, muitos deles, tinham feito seus mestrados ou doutorados aqui em São Carlos na Matemática. Eles incentivavam muito os alunos a fazerem pós graduação e aí, enfim, eu poderia ter continuado como professor de cursinho, mas decidi fazer carreira acadêmica e aí no fim do curso eu me candidatei para o mestrado aqui. Na realidade foi mais do que isso, eu me candidatei a fazer mestrado em Matemática na COPPE, na Federal do Rio de Janeiro e eu fui aceito na Matemática lá. Mas em janeiro e fevereiro eu vim fazer um curso de verão aqui. E depois quando começou o Mestrado em março eles me ofereceram uma bolsa. Eu também tinha uma lá no Rio de Janeiro, mas eu resolvi ficar aqui. Eu tinha a oportunidade de ter feito a pós-graduação em Matemática ou na Computação. Como era mais perto da minha casa etc … eu resolvi ficar aqui e fiz minha carreira aqui.

Grupo PET-SI: Então, agora, falando mais sobre pesquisa. Nós entendemos que o senhor possui muita experiência em pesquisa na área de Engenharia de Software. Então gostaríamos de saber o que o senhor tem a dizer sobre a notoriedade da pesquisa brasileira na área de Engenharia de Software nos dias de hoje.

Prof. Masiero: Engenharia de Software é como se fosse qualquer outra engenharia. A idéia é usar os princípios básicos de engenharia (análise projeto codificação teste e todo o ciclo de vida) e aplicar métodos e técnicas que tornem esse trabalho eficiente, sem retrabalho, com qualidade, sem extrapolar os custos e prazos, etc. Essa é a idéia geral da Engenharia de Software. Essa área começou no fim dos anos 60 e segue esses princípios. Aqui no Brasil nós temos vários grupos de Engenharia de Software em várias faculdades. As principais do país. Grupos de ES aqui em São Carlos, no IME, na PUC do Rio, na UFRJ na Coppe, no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco. Não são muitos, são alguns grupos. Hoje em dia, assim com a ciência no Brasil de um modo geral, esses são grupos fortes e estão no nível de outros grupos aqui do Brasil. Estão procurando internacionalização com muito contato com o exterior. Eu não diria que o Brasil nesta área tem a mesma projeção que outros grupos do exterior mas estamos num nível bem avançado. No nosso programa aqui nós temos uns sete ou oito professores de ES, o que para os padrões brasileiros é bastante alto. São poucos grupos de ES com esse tamanho no Brasil e isso se deve a esse trabalho, tanto meu quanto do prof. Maldonado [Prof. José Carlos Maldonado] que atualmente é diretor aqui. Nós sempre trabalhamos juntos nessa área. Enfim é uma área interessante mas não é muito diferente do que outras áreas como Banco de Dados, Computação Gráfica ou Inteligência Computacional tem no Brasil.

Grupo PET-SI: Atualmente nós estamos ajudando o Prof. Marcelo Fantinato na organização do CBSoft 2011. O senhor poderia nos falar um pouco sobre esse evento e como os alunos de graduação podem aproveitar esse tipo de evento?

Prof. Masiero: Eu participei do primeiro Simpósio Brasileiro de Engenharia de Software, fui um dos poucos que participou do primeiro, que foi organizado pela prof. Ana Regina da COPPE lá em Petrópolis (isso foi em 1988 eu acho). Depois eu organizei o primeiro aqui em São Paulo, que foi em Águas de São Pedro. Então eu participo do Simpósio Brasileiro de Engenharia de Software desde a sua criação. Ele é mais voltado para alunos de pós-graduação na realidade, mas para os alunos de graduação, ou para os de pós, como em qualquer congresso, a maneira de aproveitar esse congresso … são várias, por exemplo: você tem a possibilidade de conversar com vários professores que de outra maneira você não teria. Conhecer, conversar … porque as pessoas vão para o congresso e estão lá, essa é uma das principais coisas. A outra é assistir a palestras de outros colegas e alunos de outros lugares. É o que a gente chama de fazer contatos, iniciar colaborações, etc, aprender coisas novas, outros assuntos. Isso tudo se faz por intermédio desses congressos, e aí como ele é especializado, reúne pessoas que estão interessadas naquele assunto. Eu acho que é uma boa maneira de fazer contato com as pessoas da área. Então por exemplo, alguém que está fazendo mestrado e quer fazer doutorado no exterior, vê um convidado do exterior de uma universidade X e é uma ótima oportunidade de conversar com a pessoa, conseguir o convite para fazer o doutorado no exterior ou mesmo com alguém do Brasil …. tem que saber aproveitar bem essas coisas. Tem um livro sobre isso … não sei se vocês conhecem … que eu sou o co-editor … mas a idéia foi do Eduardo Almeida. Ele fez mestrado aqui com o Prado [Prof. Antonio Prado] e depois foi fazer o doutorado com o Prof. Silvio Meira no C.E.S.A.R/UFPE em Pernambuco – trabalha com reuso. Atualmente ele está na UFBA. Enfim, por iniciativa dele nós fizemos um livro com vários professores (10 capítulos). Neste livro, cada professor falou sobre um tema, dando dicas para alunos que estão se formando e querem fazer pós-graduação. Tem capítulos sobre como fazer contatos … tem um capítulo do Alessandro [Prof. Alessandro Fabrício Garcia] que é  exatamente sobre como aproveitar os congressos para fazer contatos, formar grupos e fazer colaborações, etc. Eu falei sobre ética, tem outro sobre como conseguir recursos para pesquisa,  um capítulo do Lucena [Prof. Carlos Lucena] … . Esse livro está à venda em uma dessas editoras online (editora do autor). Esse livro responde essa pergunta e com detalhes.

Grupo PET-SI: Em relação à ética na Computação. Sabemos que o senhor tem desenvolvido alguns estudos nesta área. Poderia nos falar um pouco sobre os principais pontos de estudo ou discussão desta área hoje em dia?

Prof. Masiero: O assunto surgiu por recomendação dos currículos internacionais, currículo da ACM [Association for Computing Machinery], de que seria necessária uma disciplina ou alguma atividade relacionada à ética em Computação, isso está, por exemplo, no currículo da ACM. Então nós montamos uma disciplina sobre ética mas não havia ninguém que estivesse à vontade para ministrar. Então me escalaram para essa matéria e eu fiquei uns cinco ou seis anos dando essa matéria, mais ou menos no início dos anos 90 e foram vários anos. Eu fui juntando material, olhando no exterior … não tinha nenhum livro no Brasil, e montei o programa. De tanto que eu dei essa matéria, me interessei pelo assunto comecei a colecionar alguns casos etc, e depois tive vontade de escrever um livro. Eu acabei de escrever esse livro em 1999 ou 2000. Depois disso eu me tornei diretor e eu nunca mais dei essa disciplina. Foi até uma coisa engraçada: quando o livro saiu eu deixei de dar a matéria. E a partir daí o pessoal me conhece por causa do livro, mas eu não dei mais a matéria. Eu continuo dando uma olhada genericamente sobre ética. Os assuntos são os mesmos, não mudaram muito: privacidade, confidencialidade acesso não autorizado, etc etc, mesmo porque o código de ética do IEEE [Institute of Electrical and Electronics Engineers] não mudou , da ACM não mudou, são os mesmo. Eu acho que o que tem mudado um pouco é tudo que está relacionado com a Internet, essa coisa da ética na Internet: comportamento na internet, redes sociais, etc; isso tem trazido outros assuntos, outros aspectos. Mas os temas principais continuam os mesmos.

Grupo PET-SI: Em relação ao PET, o senhor já teve algum tipo de relacionamento com o grupo PET-Computação, aqui do ICMC? E como foi?

Prof. Masiero: Nunca tive. Eu conheço, acompanho. Quando foi criado aqui, foi por uma colega minha, profa. Roseli Sanches, que cuidou até ela aposentar. Depois entrou a profa. Sarita [Profa. Sarita Mazzini Bruschi, atual tutora do grupo PET-Computação do ICMC]. É difícil … lá na federal foi a Rosangela que criou e continua com ela até hoje. A primeira vez que nós falamos sobre PET [se referindo agora à EACH, com a profa. Sarajane.], eu ainda era coordenador [de SI], incentivei ela a fazer o projeto. Na primeira vez não foi aceito e na segunda também não [o projeto do PET na EACH foi aceito na terceira submissão]. Mas eu nunca me envolvi muito com o PET.

Grupo PET-SI: O senhor teria alguma sugestão de atividade que nós, do grupo PET-SI, poderíamos implementar na EACH de forma a contribuir com a escola e com o curso de Sistemas de Informação?

Prof. Masiero: Eu podia  deixar essa pergunta para responder depois. Você me manda por e-mail e depois eu respondo. Eu preciso pensar. Eu poderia responder qualquer coisa .. mas preciso pensar. Certamente tenho sugestões a fazer.

Grupo PET-SI: Uma de nossas maiores dificuldades está em encontrar um nicho de trabalho na área de Extensão Universitária que, de fato, faça alguma diferença na sociedade e que esteja relacionado à nossa área de atuação do curso. Neste sentido, o senhor tem alguma sugestão a nos dar?

Prof. Masiero: Então talvez divagando um pouco … há muitas possibilidades a fazer. Na primeira pergunta eu gostaria de pensar em algo diferente. Toda essa parte de inclusão tecnológica e inclusão social é muito importante, e tem muito a ser feito. Estão por exemplo, oferecer treinamento ou iniciação à Computação para pessoas carentes ou pessoas da terceira idade. A USP já tentou fazer isso lá em Ermelino Matarazzo, mas o duro é que precisa de apoio e às vezes tem uma turma de alunos que vai bem, já a outra não. É como Empresa Junior, é meio cíclico, tem um grupo que é mais motivado e outro é menos motivado. O PET já é mais estável. Aqui em São Carlos tem uma ação social uma vez por ano, que a profa. Sarita pode falar melhor, mas sei que a prefeitura coordena. Então vão todos para uma região carente da cidade e se faz uma série de coisas. Eles tem N idéias, imprimem cartões de visitas, escrevem cartas … eles tem um menu de atividades que eles fazem durante um dia inteiro. É claro que isso vai diminuindo um pouco à medida que a Computação vai se tornando mais pervasiva. Agora não necessariamente nesta linha mas, aqui nós temos um curso de empreendedores no oitavo semestre e lá [na EACH] também tem uma coisa parecida. Nesta linha de pensar em novos negócios, novas empresas, na internet, toda essa parte de mobilidade uso do celular para aplicações móveis, GPS, pagamentos, aplicações de localização … essa é bem uma área de extensão, mas extensão no sentido de se fazer algum software até para montar uma empresa.

Grupo PET-SI: A justificativa do Governo do Estado para a construção da USP-Leste, até onde pudemos entender, foi levar oportunidades e crescimento econômico para a região leste da cidade de São Paulo. De fato a USP comprou a idéia desta forma? O senhor concorda que essa foi a principal motivação para a construção da USP-Leste? E o senhor acha que essas oportunidades e esse crescimento econômico estão acontecendo?

Prof. Masiero: Eu acho que isso é em longo prazo. As transformações acontecem em longo prazo. Uma das idéias que eu tinha quando eu montei o curso é que muitos alunos são ali da região, muitos vão trabalhar no centro ou na Berrine, onde estão a maioria das empresas de software, mas muito alunos vão ficar por ali. Assim é interessante uma ação de indução, por exemplo criar uma incubadora. Mas aí veja, na medida em que alguns alunos começarem a montar pequenas empresas na região, realiza-se uma ação social importante porque você acaba fixando as pessoas. E uma área [SI] que gera receita e pode gerar empregos. Assim as pessoas passam a ganhar melhor e portanto consomem na região e é um fator de melhoria para a região. Mas isso vem com o tempo. É preciso ter idéias, onde eu vou trabalhar? Tem que trabalhar nos assuntos que são atuais e que tem potencial de mercado. Muito de nossos alunos aqui vão trabalhar (no mercado), aqui tem algumas incubadoras, mas por exemplo, computação móvel é um assunto quente, internet 2.0 também é outra área. As coisas interessantes acontecem quando você junta duas áreas, multidisciplinar. Aqui por exemplo tem (ex-alunos da produção [Curso de Engenharia de Produção] que possuem empresas deste tipo, de sistema de gerenciamento da cadeia de produção. Mas eles precisam do pessoal da computação, eles conhecem a teoria mas não sabem fazer o sistema direito. Então nossos alunos vão trabalhar como empregados ou sócios dessas empresas de produção, ou com o pessoal da física que trabalha com ótica, eletrônica, materiais. É a junção de diferentes áreas. Eu achava também que uma área que liga muito com SI é governo eletrônico, como disponibilizar informação para a população via internet. Tem muitas oportunidades deste tipo, e aí mistura tudo, desenvolvimento, criação de empresas, emprego. Eu acho que a evolução vem disso. Acho que ela ainda não começou, a verdadeira evolução vai vir daí. Muitas ações sociais são interessante [se referindo aos cursos de treinamento para a comunidade externa] mas não gera riqueza. O que gera é empreender, criar empresas. Sejam empresas inovadoras ou de prestação de serviço – (para estas) você não precisa ter nenhuma grande idéia, você desenvolve software – como uma fábrica de software. Você desenvolve para outros. Isso não vale só para Computação mas para outros cursos. O pessoal de Marketing é muito empreendedor e juntar alguém de Marketing com alguém de Sistemas de Informação, para fazer pesquisas tabular e analisar … Computação com Saúde também tem muita coisa. Aqui em São Carlos, espera-se que no futuro se torne um pólo de tecnologia na área de saúde, porque foi criado um curso de Medicina aqui na Federal, e na medida que juntar o pessoal de Saúde com Engenheiros, que aqui tem muito, com Computação ou com Física, aí vai dar coisa interessante. Neste sentido de desenvolver aparelhos médicos, aqui na física tem tecnologia para desenvolver várias coisas. Essa é uma área que aqui em São Carlos vai evoluir muito e lá [na EACH] também tem o pessoal da Saúde, de Gerontologia e Atividades Físicas que podem gerar empresas e que vão precisar de automação. Tudo isso deve acontecer com o passar dos anos.

Grupo PET-SI: Algumas pessoas prevêem que, em pouco tempo os alunos da região não vão mais conseguir entrar nos cursos da EACH e a valorização imobiliária vai levar os moradores do entorno para mais longe do centro do que hoje. O senhor concorda com esta visão?

Prof. Masiero: É só vocês olharem. Vocês acham que a USP atrapalhou o Butantã. A Unicamp chegou em Barão Geraldo em 1970 e hoje você pode ver o que existe lá em Barão Geraldo. Mas não é coisa de cinco ou dez anos. Se bem que agora as coisas são mais aceleradas, o que aqui demorou 40 ou 50 anos, lá vai acontecer em 20 ou 30 anos.

Grupo PET-SI: O que os alunos de SI podem fazer nesse contexto?

Prof. Masiero: Eu acho que cada aluno tem que seguir o que gosta e suas tendências. O ensino é bom por causa disto. Alguns vão querer fazer pós-graduação e isso é ótimo. Eu acho que a vida é assim: em uma classe de 60 tem uns três ou quatro que gostam muito de estudar, esses vão fazer mestrado ou doutorado e isso é ótimo. Mas não são todos e não é bom que sejam todos. Alguns vão querer trabalhar em empresas, ganhando ótimos salários e estarão contribuindo para a sociedade. Tem outros que serão empreeendedores e as coisas vão se distribuindo. Cada um segue a sua vocação. Por outro lado, tem que ter as oportunidades, e muitas vezes, como eu disse … eu nunca pensei em ir para São Paulo ser coordenador de informática, e é a vida … e não dá para ser tudo planejado. Vários alunos estão fazendo pós-graduação, a maioria está empregado. Enfim eu acho que o importante é uma boa formação. É o que eu dizia para alunos que queriam fazer estágio no segundo mês (do curso) … eu dizia: “meu filho aprenda bem computação. Se no primeiro ano você arrumou esse estágio, no terceiro você vai achar outro muito melhor.” Tem que se preparar, ter uma boa formação, e as coisas vão aparecer na hora certa. Aprenda bem a fundamentação e as coisas vão surgindo na área certa, de acordo com o que você gosta.

Grupo PET-SI:  Recentemente recebemos a notícia de eu existe um “desejo” de criar a POLI-Leste e a FEA-Leste. Como o senhor vê essa iniciativa?

Prof. Masiero: Eu li no jornal. Eu acho que quanto mais cursos forem criados lá melhor. Não vejo porque não ter um curso de Engenharia e nesse aspecto seria bom porque a engenharia em termos de pesquisa e de geração de empresas é uma área interessante para fixar pessoas lá. A Administração, de certa forma, já tem o curso de Marketing que é uma especialização da Administração, então seria uma extensão para outras áreas. Acho que é uma coisa bem natural. Hoje eu vi no jornal que estão querendo levar a USP para a Baixada. É óbvio, qualquer lugar quer ter ensino de qualidade.

Grupo PET-SI: O senhor pode falar um pouco sobre a grade original do curso? A gente sempre ouviu falar que teve algumas mudanças no meio do caminho.

Prof. Masiero: A grade do curso que foi implantada lá, durante quatro anos que eu fiquei lá, eu nunca mudei. Porque eu acho que você precisa ter um curso funcionando e pela experiência do que funciona ou não, fazer um ajuste. Se você muda toda hora você não caracteriza um perfil. E como ele foi bem pensado e já vinha da experiência daqui, não foi preciso mudar. Em relação ao curso de São Carlos eu tive que fazer alguns cortes e eu usei alguns critérios: eu diminui um pouco a Matemática, aqui tem mais Matemática do que lá; aqui já não tem Física eu não coloquei lá; a parte básica de certa forma eu preservei porque eu acho que é importante fazer estrutura de dados, ter noção de teoria, saber um pouco de organização de computadores e sistemas operacionais… Aí eu fiz alguns acertos na parte tecnológica. A diferença que vocês tem lá em relação aqui que é Administração, Economia e Contabilidade lá estão em um número um pouco maior, e são mais bem dadas pois nós contratamos pessoal experiente na área. E aqui não temos pessoas especializadas nesse assunto. Vocês têm algumas coisas lá que são melhores do que aqui nessa parte de ensinar um pouco como funciona uma empresa. Na tecnologia eu tive que cortar alguma coisa como Computação Gráfica.

Grupo PET-SI: Esse ano juntou as carreiras de Ciência da Computação e Sistemas de Informação na FUVEST e nós gostaríamos de saber a sua opinião.

Prof. Masiero: Aqui em São Carlos nós tomamos uma decisão que nós julgamos acertada. Nosso curso de Informática é uma carreira separada de Ciência da Computação. Porque a gente não queria que o aluno da Informática fosse aquele aluno da Computação que não conseguiu atingir a vaga e veio para cá, que tivesse o mesmo perfil. Nós queríamos realmente forçar que quem fosse fazer Informática fosse alguém que já se dirigiu para esse curso. Para dar mais chance que pessoas que trabalharam e que estudaram com mais dificuldade também tivessem uma chance um pouco maior, para atender esse público que a gente acha que seria do curso noturno. Senão é o mesmo aluno do diurno. Nesse aspecto quando colocou as carreiras separadas foi no sentido de forçar o aluno a escolher, dando mais chance aos alunos da região. Na medida em que junta vai provavelmente entra um aluno mais preparado ou que atingiu uma nota melhor no vestibular, mas que é mais espalhado geograficamente e provavelmente mais privilegiado economicamente. É uma questão de filosofia, o curso vai funcionar normalmente mas vai perder um pouco a função social. Eu acho que vai perder, se eu tivesse que decidir eu não mudaria.

Grupo PET-SI: Como o senhor avalia a aderência do Ciclo Básico da EACH aos objetivos de formação de um profissional de TI?

Prof. Masiero: Isso no primeiro ano os alunos reclamaram muito, enfim, eu acho que hoje em dia eu acredito nesse pessoal que pensa que com a evolução toda, com a internet, com a população e leis com que estamos vivendo, as pessoas tem que ter um conhecimento mais amplo e social etc. Antigamente os engenheiros diziam (em tom de brincadeira): vou construir uma rodovia. Traçavam uma reta e saim desmatando e fazendo a estrada. Hoje em dia não é mais assim, o sujeito tem que respeitar a lei ambiental. Então é importante conhecer essa parte mais de humanas e se os cursos forem bem dados, a possibilidade de interagir com alunos de outras áreas, etc, ajuda na formação da pessoa que não fica muito focada só no seu mundinho e que percebe que em volta tem um mundo que tem leis, regras e outros valores que é importante conhecer. Eu acho interessante. Eu acho que seria importante a universidade patrocinar uma pesquisa, bem pensada, para olhar o pessoal formado tanto em SI quanto em outras áreas e verificar o que ele pensa hoje, o que ele está fazendo e comparar com pessoas formadas no modelo clássico e ver se emerge alguma interpretação ou alguma coisa diferente para não ficar nessa coisa do “achismo”. Mas eu não sei responder se isso faz bem ou não. Eu acho que depois de cinco ou seis anos de formado, a pessoa consegue fazer uma autoavaliação, e ver o que mudou. A sociedade hoje precisa ser tolerante e as pessoas precisam estar dispostas a conviver com a diversidade. TADI eu não tenho dúvida. Eu acho que é uma matéria importante para qualquer ciência e qualquer área: fazer pesquisa, interpretar e analisar (dados) vale para qualquer coisa na sua vida.

Grupo PET-SI: O senhor poderia nos explicar como se dá o processo de avaliação de um curso no Guia do Estudando e como entrar ou não neste guia pode influenciar um curso como o curso de SI da USP.

Prof. Masiero: Eu não sei direito como é, pra mim é um pouco uma caixa preta. Até o ano passado eu respondi as perguntas do guia. Um certo mês eles mandam um e-mail para eu dar notas para alguns cursos, mas não sei qual é a origem dos cursos. Eu dou as notas em uma escala mas não sei como eles processam. Eu tenho uma impressão que, de uma forma ou de outra, eles consideram muito a opinião que as pessoas tem. Eles tabulam. A crítica no meio acadêmico é que não é uma coisa metodologicamente bem feita. Agora é sempre bom estar no guia pois estar lá com cinco estrelas, vai atrair mais estudantes e por isso eu acho que deve participar, por que não? Tinha uns alunos que no primeiro ou segundo ano me perguntavam: será que vai ser um curso bom? E eu respondia: quem são os concorrentes da EACH? O IME e a POLI. Todas as outras universidades (da cidade de São Paulo), pela forma com funcionam, forma um aluno que não vai poder ser melhor que os nossos. Se tiver que ter um ranking, no mínimo, a EACH fica em terceiro lugar.

Grupo PET-SI: Como você acha que os cursos de SI são visto pelas empresas do ramo?

Prof. Masiero: Eu não tenho muita experiência para falar em termos dos profissionais. Eu acho que no início havia um pouco da imagem de que um curso de CC seria melhor que um curso de SI e tinha uma pessoa que brincava que o SI é um CC Light. Mas eu até eu concordo em parte com isso no sentido que na USP a parte básica é tão boa quanto CC, mas em algumas faculdades é mais fraca, com quase nada de Matemática e com a parte de teoria e estruturas  oferecidas em quantidade menor de horas ou com o conteúdo é muito básico. A parte disso, eu acho que o curso é diferente, para trabalhar numa empresa para desenvolver sistemas de informação, que é a maioria dos empregos, o curso de SI prepara melhor os alunos. Neste sentido vocês são mais bem preparados do que o curso de CC. A parte de Computação é mais do que suficiente para fazer o que é necessário. São cursos diferentes mas para o perfil de quem vai trabalhar em SI a formação é mais adequada. Quem não vai trabalhar nessa área vai trabalhar na Google, que não desenvolve sistemas de informação, ou vai trabalhar na Microsoft lá em Redmond, porque no Brasil a Microsoft não desenvolve. Ou vai trabalhar em uma empresa que de alguma forma trabalha com software básico, mas tem pouco emprego nesta área. Para redes, quem faz Engenharia da Computação está mais bem preparado.

Grupo PET-SI: E qual é a sua opinião sobre o futuro da computação? Computação em Nuvem? Computação Quântica? Que tipo de habilidade você acha que serão mais cobradas dos profissionais de TI do futuro?

Prof. Masiero: A tecnologia continua evoluindo. Várias vezes nós temos nos perguntado até que ponto essa profissão continuaria demando muitos profissionais, a profissão muda muito mas continua tendo alta empregabilidade. As previsões dizem que faltam pessoas formadas em TI, tanto no Brasil quanto nos EUA. É sempre assim, a previsão é de mais empregos do que de pessoas formando com boa formação. Quanto a isso, num futuro próximo, não vejo mudança. O perfil do trabalho vai mudando e cada vez mais você vai trabalhar menos com programação de baixo nível e cada vez mais vai trabalhar com software nos domínios específicos onde a programação é mais simples, a programação mais de alto nível, por exemplo ERPs que você adapta pra o cliente … Já em software básico para trabalhar com C em sistemas embarcados é um pouco diferente. A tecnologia vai com certeza evoluir para essa área de computação em nuvem, software como serviço. Cada vez mais as aplicações importantes vão estar na internet.

Grupo PET-SI: Qual é o seu posicionamento a respeito da regulamentação das profissões em TI?

Prof. Masiero: Eu faço parte da SBC [Sociedade Brasileira de Computação] e ela sempre foi contra a regulamentação. Agora há pouco tempo houve um embate no congresso [Congresso Nacional] e resolveram arquivar o processo. Aquele processo é anacrônico, ele ainda fala em análise de sistemas. Ele fala que é para regulamentar os profissionais formado em Análise de Sistemas e não cita Sistemas de Informação. Análise de Sistemas não existe mais. O cara que escreveu aquele projeto está fora da realidade. A SBC sempre foi contra por causa disso. É uma área que evolui muito e se você engessa em uma lei e a coisa muda, fica complicado. Isso por um lado. Por outro lado tem essa coisa da regulamentação que gera sindicatos, os conselhos regionais etc, e começam a cobrar taxas e fica uma coisa meio engessada. Há seis ou sete anos a SBC mudou a posição e nós propusemos uma regulamentação, que foi o Prof. Bigonha que escreveu, que regulamenta a profissão, mas diz que o exercício da profissão é livre. Regulamenta mas sem ficar cartorialista. Mas pelo que tenho observado isso não vai ser aprovado. A tendência da sociedade no congresso mudou, porque a tendência é ter menos regulamentação e só regulamentar aquela profissões nas quais os erros podem causar danos sérios. O que está regulamentado fica, mas regulamentar novas profissões está mais difícil. Agora qualquer empresa séria que vai procurar alguém para trabalhar em Computação vai procurar alguém que é formado em Computação.

Grupo PET-SI: Quais valores são agregados à formação de um graduando ao realizar um estágio ou ao participar de um programa como o PET, realizar IC ou participar da Empresa Junior?

Prof. Masiero: O que eu penso é que, como nós estávamos falando do Ciclo Básico, na medida que você vive mais o ambiente acadêmico, no momento acadêmico, está em uma grande oportunidade de aprender a trabalhar em grupo, lidar com diversidade, ouvir a opinião dos outros. É difícil se organizar para fazer as coisas em conjunto. No estágio você conhece melhor a empresa. Tudo isso no tempo certo agrega muito á pessoa. O estágio tem essa função também, eu só não acho que o estágio deve ser no primeiro ano.

Grupo PET-SI: Se o senhor pudesse sugerir alguma prática ou atitude para os alunos recém ingressos no curso de Sistemas de Informação para obter uma carreira bem sucedida, quais seriam?

Prof. Masiero: Não tem uma receita não. Eu acredito no seguinte: nos dois primeiros anos, aprender bem a base. O que difere nossos cursos de muitos cursos de outras faculdades é que nelas, muitas vezes, pela dinâmica das coisas, a formação básica não é enfatizada e fica uma coisa muito técnica. A pessoa aprende a programar mas não sabe a fundamentação que está por trás. O que acreditamos é que tendo uma boa formação básica, você consegue evoluir e aprender por conta própria e sua formação tem uma sobrevivência maior. Eu acho que isso é importante, não se descuidar da formação básica para saber o porquê das coisas e depois, quando você se forma, tem que continuar estudando e não pode parar, fazendo MBAs, especializações, ler livros e gerenciar sua carreira para continuar sempre atualizado tecnologicamente. No código de ética da ACM eles chamam isso de “adquirir uma boa formação profissional e manter a competência de depois de formado”. É um dos mandamentos co código de ética da ACM: é nosso dever estar sempre atualizados e sermos competentes naquilo que fazemos. As aplicações de computadores são muito amplas e dá para trabalhar em muitas empresas. Quem gosta de comunicação, de produção, propaganda, saúde ou vendas … se conseguir conciliar com o que você gosta, vai trabalhar na área que gosta. Gosta de música ou de jogos, são muitas as opções. Se conseguir combinar o que gosta com o trabalho é o melhor dos mundos.




[1] CIO – Chief Information Office (nota da redação)