A Internet está Matando a Música?

A Internet está Matando a Música?

Nicolas Hamparsomian

.

Introdução

Se você tem o costume de passar muito tempo na internet, muito provavelmente você também costuma fazer vários downloads, não apenas de softwares ou arquivos para estudo ou trabalho, mas também de jogos, filmes, séries, músicas, entre outros. Esse tipo de mídia está cada vez mais acessível aos usuários, uma vez que os meios para hospedar, baixar e compartilhar arquivos estão cada vez maiores, mais rápidos e fáceis de usar.

Porém, é preciso discutir até que ponto essa facilidade de compartilhamento de conteúdo digital é positiva. Se por um lado vemos um crescimento cada vez maior de compartilhamento dos mais variados tipos de conteúdo entre as pessoas e uma facilidade de acesso à informação em constante ascensão, por outro lado, temos a questão dos direitos autorais, pois a cada download feito de forma ilegal, estamos deixando de pagar pelos custos da confecção da obra intelectual para as pessoas que a produziram, pois trata-se de uma distribuição não autorizada. Esse tipo de distribuição digital têm afetado imensamente todos os tipos de mídias que envolvem direitos autorais, e um dos setores que mais se abalaram com a ascensão da distribuição digital foi a indústria da música.

Será que estamos presenciando o fim de uma das maiores indústrias mundiais, responsável por movimentar bilhões de dólares anualmente, ou estamos diante de um momento de adaptação da mesma para se adequar às atuais necessidades de mercado, ou seja, realização de um investimento maior no setor de distribuição digital para tentar combater a distribuição não autorizada? Quais são as possíveis perspectivas e o futuro da distribuição musical? Este informativo visa delinear este tema tendo como foco música, artistas e indústria fonográfica.

 

A atual situação da indústria fonográfica

Segundo o portal de notícias UOL[1], uma pesquisa realizada pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) indica que, em média, 44% dos internautas brasileiros acessam a internet pelo menos uma vez por mês com o intuito de baixarem músicas online sem pagar. O estudo indica que estamos atrás apenas da Espanha, país no qual o índice citado chega a 45% dos internautas. Estima-se que, entre 2003 e 2010, as vendas da indústria fonográfica global caíram em torno de 77%. Se por um lado estamos presenciando uma queda vertiginosa no meio físico de distribuição musical, por outro, temos uma visão mais otimista para os serviços digitais.

Segundo o portal de notícias da Veja[2], informações divulgadas pelo IFPI indicam que a indústria fonográfica teve seu primeiro crescimento em 2012 (0,3%) depois de 13 anos em constante queda, graças à expansão dos novos serviços digitais surgidos nos últimos anos como iTunes, Spotify e Deezer, que, se em 2011 estavam presentes apenas em 20 países, hoje se encontram em mais de 100, entre eles mercados emergentes como Brasil, Índia e Rússia. Os formatos digitais reportaram em 2012 uma renda mundial de 5,6 bilhões de dólares, 9% a mais do consumo digital de 2011.

 

Surgimento e evolução da pirataria digital

Que a pirataria moderna é um empecilho gigantesco para a indústria fonográfica, isso não é dúvida para ninguém, mas como se tornou possível o compartilhamento não autorizado? Como fez-se possível baixar músicas pela internet? Podemos dizer que o início do compartilhamento de arquivos entre os internautas deu-se devido à criação da tecnologia P2P (Peer-to-Peer). Segundo o site TecMundo[3], trata-se de um formato de rede de computadores em que a principal característica é descentralização das funções convencionais de rede, onde o computador de cada usuário conectado acaba por realizar funções de servidor e de cliente ao mesmo tempo. Seu principal objetivo é a transmissão de arquivos e seu surgimento possibilitou o compartilhamento em massa de músicas e filmes.

C:\Users\Familia\Desktop\Naps_Logo_Black_Alpha_Kopie.jpg

Napster: Um dos percursores da transmissão e compartilhamento em massa de arquivo.

O primeiro software que surgiu para esse fim foi o Napster, criado em 1999 por Shaw Fanning e seu cofundador Sean Parker (que também foi o primeiro presidente do Facebook). Ainda segundo o TecMundo[4], outros serviços serviam para a troca de arquivos em geral, já o Napster era especializado em arquivos MP3 e ainda oferecia um visual muito mais bonito que os outros, além de ser mais fácil de usar. Como resultado disso, sua popularidade aumentou muito, fazendo com que a variedade de opções de músicas crescesse e que a indústria da música começasse a se sentir prejudicada por sua existência, uma vez que muitas pessoas começaram a baixar músicas ao invés de comprar CDs. Poucos meses após seu lançamento, o Napster já havia sido processado pela Associação da Indústria de Gravação da América (RIAA) por violação de direitos autorais. Com o tempo, o número de processos só aumentou e, em 2001, o programa de compartilhamento de arquivos decretou falência, fazendo com que os seus usuários migrassem para outras redes P2P. Esse fato, no entanto, não impediu que tal tipo de compartilhamento de arquivos perdesse procura, e muito pelo contrário, nos anos seguintes, ocorreu uma ascensão vertiginosa de programas baseados na tecnologia P2P, como Kazaa, LimeWire®, Shareaza, DreaMule, entre tantos outros. Esses softwares de compartilhamento fizeram um imenso sucesso até o final da década passada, porém, as insistentes investidas por parte da indústria fonográfica, alegando violação de direitos autorais, e o alto número de malwares, spywares e adwares que esses programas continham acabaram por afastar os usuários com o passar do tempo.

Outra tecnologia voltada para o compartilhamento de arquivos, mas que ainda continua sendo altamente utilizada até hoje, é o protocolo de transferência BitTorrent (o qual, mesmo tendo sido lançado em 2001, já era responsável por 35% das transferências da internet em 2002). Uma característica interessante dessa tecnologia é que ela não precisa necessariamente de uma rede. Isso devido ao fato de que, para efetuar uma transferência, a única coisa que se deve fazer, em linhas gerais, é criar um arquivo torrent com informações sobre o arquivo a ser enviado e sobre as coordenadas do computador. Devido à facilidade de distribuição proporcionada pelo protocolo BitTorrent, diversos sites passaram a ser criados com a finalidade de facilitar o compartilhamento de arquivos através de um “estoque” de arquivos em torrent, como por exemplo os sites The Pirate Bay e o MiniNova.[4] Essa tecnologia é muito utilizada para realizar downloads de músicas, principalmente quando o internauta deseja baixar uma grande quantidade faixas em uma única vez, visto que é muito comum encontrar discografias completas de inúmeros artistas em arquivos torrent. Como era de esperar, as páginas em questão, responsáveis pela hospedagem desses arquivos, também possuem um histórico de incessantes perseguições judiciais por serem considerados sites que incentivam e facilitam a pirataria.

Além das tecnologias de compartilhamento de arquivos entre usuários já citadas, outro meio muito famoso e que teve grande repercussão na mídia nos últimos anos são os sites voltados exclusivamente para a hospedagem e compartilhamento de arquivos, onde o usuário carrega um arquivo no site, gerando um link para que qualquer pessoa possa baixar uma cópia do arquivo. Entre os vários sites desse gênero, podemos citar: RapidShare, 4Shared, MediaFire e MegaUpload. Este último, apesar de ter sido o de maior sucesso, hoje já não existe mais. Segundo o portal de Tecnologia da UOL[5], o MegaUpload tinha alcançado durante seu período em atividade mais de 150 milhões de usuários registrados, 50 milhões de visitantes diários e quase 4% de todo tráfego da internet mundial. Apesar desses sites hospedarem os mais diversos tipos de arquivos, ainda é muito comum fazer uso dos mesmos para a hospedagem e download de músicas.

 

A internet como meio de revelação de artistas

Se até o momento, a popularização da internet gerou mais problemas do que benefícios para a indústria fonográfica, por outro lado, a mesma foi crucial para que muitas bandas atuais alcançassem a fama. Enquanto temos artistas que relutam em terem seus trabalhos baixados gratuitamente, outros se aproveitaram do compartilhamento de arquivos e das redes sociais para promoverem suas músicas e seu trabalho, usando a internet como um meio de divulgação. Se antigamente o artista precisava estar atrelado a uma gravadora para conseguir que seu trabalho tivesse um grande alcance, hoje o cenário é outro. Existem vários exemplos de artistas que ganharam reconhecimento mundial divulgando suas músicas através de redes como MySpace, YouTube e SoundCloud de forma independente, sendo que alguns deles chegaram a alcançar as primeiras posições em rádios, vender milhões de CDs e até ganhar prêmios internacionais[6]. Dentre os artistas que utilizaram a internet como meio de popularização de seu trabalho, podemos destacar os seguintes (no quadro):

.

C:\Users\Familia\Desktop\Psy_Gangnam_Style_performs_at_Marquee,_The_Star,_Sydney,_Australia_(1).jpg

 

Psy: Músico sul coreano autor da música “Gangnam Style”, cujo videoclipe alcançou a primeira posição de   vídeos mais visualizados no Youtube em 2012. O vídeo extravagante e divertido aliado à sua dança cômica e ao som no melhor estilo de K-pop (pop coreano) conquistou fãs pelo mundo inteiro. Apesar de só ganhar fama internacional após este clipe, o cantor já era bem conhecido em sua terra natal.

.

.

.

C:\Users\Familia\Desktop\Lily_Allen_-_Cropped.jpg.

 Lily Allen: A cantora britânica foi revelada através do MySpace. Foi uma das primeiras artistas a conquistar fama internacional através da divulgação de seu trabalho pelas redes sociais. Teve aproximadamente 19 milhões de músicas baixadas em seu perfil e possui vídeos no Youtube com milhões de visualizações. Um ano depois de ter criado sua página, Lily lançou o single “Smile” e o álbum “Alright Still” — ambos ficaram nas primeiras posições da parada britânica em 2006.

.

.

.

.C:\Users\Familia\Desktop\arctic-monkeys-1370021812060_300x300.jpg

Arctic Monkeys: A banda britânica apareceu no cenário musical internacional depois que alguns fãs criaram um perfil no MySpace para o grupo. Os integrantes nunca tiveram interesse em divulgar suas músicas pela internet, mas isso aconteceu graças à página. Hoje a banda é conhecida mundialmente e já recebeu vários prêmios, entre eles, os de melhor grupo e melhor disco do ano, com “AM”. Ambos conquistados no Brit Awards (Tradicional cerimônia de premiação musical britânica) deste ano. .

 .

 .

 .

C:\Users\Familia\Desktop\Skrillex.jpg

 Skrillex: Sonny John Moore, mais conhecido como Skrillex é um produtor musical americano de música eletrônica de gênero Dubstep e cantor e compositor. Apesar do sucesso relativamente recente, Skrillex já vem atuando no meio musical desde 2004 onde integrou a banda de post-hardcore From First to Last, gravando 2 álbuns de estúdios junto com o grupo. Iniciou a carreira solo em 2007, mas boa parte de seu sucesso foi conquistado com o lançamento dos EPs “Scary Monsters and Nice Sprites” e “More Monsters and Sprites”, lançados em 2010 e 2011, respectivamente. O músico foi indicado à cinco categorias no 54º Grammy Award (2011), e ganhou três, Melhor Álbum Dance/eletrônica”, “Melhor Gravação Dance” e “Melhor Gravação Remix, não-clássica”.

.

.

.

Perspectivas para o futuro da indústria fonográfica

Apesar dos problemas que foram gerados pelo compartilhamento ilegal, existem indicativos de que, após a crise que assombrou o mercado musical durante a última década, a indústria fonográfica começa a se reerguer. Apesar de ter se mostrado lenta e conservadora neste aspecto, a mesma aparenta começar a acertar o passo com a internet e está recuperando o atraso. Em 2009, as vendas digitais movimentaram 4,2 bilhões de dólares no mundo inteiro. Mesmo no Brasil, que engatinha no comércio de música online, a aceitação dessa tecnologia cresce. Segundo dados da Associação Brasileira dos Produtores de Discos, as vendas digitais em 2009 tiveram um aumento de 159% em relação ao ano anterior. A venda de CDs, em compensação, caiu 80% nos últimos seis anos[7].

C:\Users\Familia\Desktop\Spotify_logo_horizontal_white.jpgSpotify: Serviço chega oficialmente ao Brasil em 28 de maio deste ano (2014). O app Possui milhões de melodias em seu acervo e poderá ser vinculado com o perfil no Facebook do usuário.

Se por um lado vemos o declínio constante da venda de músicas no formato físico, por outro vemos uma grande oportunidade no meio digital, uma vez que o faturamento digital provém de uma diversidade de fontes. As vendas de álbuns ou singles de serviços como o iTunes da Apple continuam a crescer. Especialistas consideram especialmente promissores para a indústria serviços de assinatura como Muve Music, Rhapsody ou Spotify, cujo total de assinantes cresceu 44% em 2012 e atingiu 20 milhões de consumidores[8].

Ainda é muito cedo para determinar com certeza o que podemos aguardar do futuro da indústria fonográfica, mas com base nos dados atuais, tudo leva a crer que estamos diante de um processo de modificação da mesma para conseguir sobreviver à era da informação rápida. A popularidade assombrosa que a internet conquistou nos últimos anos gerou enormes mudanças nas vidas das pessoas e na forma como as empresas trabalham. Muitas tiveram que se adequar às novidades da era digital, mudando suas estratégias de vendas, publicidade e de relacionamento com o consumidor para não ficarem para trás no mercado. O mesmo acontece com a indústria fonográfica, que está correndo atrás do tempo perdido para que não seja superada pela internet.

“No começo da revolução digital, era comum dizer que o digital estava matando a música”, disse ao jornal The New York Times Edgar Berger, principal executivo do braço internacional da gigante Sony Music Entertainment. Agora, porém, segundo ele, “o digital está salvando a música” [7].

 

Referencias

[1] – http://mais.uol.com.br/view/9p4y0ig452qu/industria-fonografica-global-tem-prejuizo-de-77-nas-vendas-04029B3162D4811327?types=P&

[2] – http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/industria-fonografica-cresce-pela-1a-vez-em-13-anos-0-3

[3] – http://www.tecmundo.com.br/torrent/192-o-que-e-p2p-.htm

[4] – http://www.tecmundo.com.br/torrent/2203-a-historia-dos-compartilhadores-de-arquivos.htm

[5] – http://tecnologia.uol.com.br/album/compartilhamento_arquivos_historia_album.htm

[6] – http://tecnologia.uol.com.br/listas/top-10-musicos-que-explodiram-gracas-ao-sucesso-na-internet.htm

[7] – http://veja.abril.com.br/140410/caiu-rede-pop-p-138.shtml

[8] – http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tag/crise-da-industria-fonografica/