O valor de seus dados para as Mídias Sociais na Campus Party 2014

O valor de seus dados para as Mídias Sociais na Campus Party 2014

O crescimento das redes sociais nos últimos anos definitivamente não foi um assunto deixado de lado na Campus Party Brasil 2014. As atrações ocorridas no palco Gutenberg foram voltadas especialmente para as mídias sociais e seus impactos na cultura da sociedade contemporânea.

Rafael Gaspar de Sousa

De acordo com dados da Pew Research Internet Project [1], a partir de 2005 o crescimento do uso das redes sociais foi espantoso. De 8% a 73% em apenas oito anos. Nesse aumento também se incluem grupos que não utilizavam a internet com frequência, pessoas com 65 anos ou mais por exemplo, e que hoje também fazem parte das redes sociais.

http://www.pewinternet.org/fact-sheets/social-networking-fact-sheet/
http://www.pewinternet.org/fact-sheets/social-networking-fact-sheet/

Arianna Huffington, uma das fundadoras do The Huffington Post[2], um portal de notícias americano, sintetizou em uma frase a principal causa de toda essa popularidade das redes sociais: Self-expression has become the new entertainment.Autoexpressão é o novo entretenimento, em tradução livre. As pessoas agora passam um tempo muito maior na internet e isso modifica muito o modo como as principais atividades da vida são realizadas, como a comunicação e a diversão. Toda essa autoexpressão acaba colocando em questão os perigos que cercam a exposição de informações pessoais importantes em público [3].

O aumento do interesse popular em redes sociais alavancou a economia mundial, onde surgiram diversas companhias com interesses nessa área. O modelo de negócio mais comum das redes sociais não cobra seus usuários e retira sua receita através de publicidades. Para que este modelo funcione bem, é necessário que a página tenha muitas visitas, para que mais anunciantes queiram divulgar suas informações nesse canal. Então, como disse Andrew Lewis, desenvolvedor da Microsoft, “If you are not paying for it, you’re not the customer; you’re the product being sold”, que pode ser traduzida como “Se você não está pagando, você não é cliente; você é o produto sendo vendido”. Nesse contexto, os anunciantes são os verdadeiros clientes das redes sociais, já que são sua fonte de receita, e os usuários são os agentes que fomentam a rede social. É um modelo de negócios que, a partir de dados obtidos sobre o comportamento dos usuários nas redes sociais, pode decidir pela venda/compra de espaços para publicidade de forma mais inteligente.

Na realidade, pode-se dizer que os usuários “pagam” pelas redes sociais quando contribuem para a criação de um banco de dados enorme que contém informações pessoais, pesquisas, amizades e interesses dos usuários. O valor dessas informações é muito grande para uma empresa que fatura a partir da publicidade que ela faz, já que uma propaganda voltada acertadamente para seu público alvo é bastante efetiva.

Por exemplo, um anúncio de um benefício para ex-funcionários públicos pode ir ao ar na televisão. Porém, apenas uma parcela ínfima dos telespectadores fazem parte do público alvo, então o anúncio será veiculado para um grande número de pessoas que não estão interessadas nele. Nas redes sociais, seria possível especificar, através da análise dos dados de cada usuário, seus interesses e seu comportamento, e assim potencializar o direcionamento de anúncios muito mais coerentes, que terão uma aceitação maior, trazendo vantagem tanto para o usuário, quanto ao anunciante.

Palestra de Martha Gabriel
Palestra de Martha Gabriel

Um ponto importante levantado por Martha Gabriel em sua palestra intitulada “A Ilusão da Conexão”[5] na Campus Party foi o seguinte: será que esse é o único uso para informações tão valiosas? Essa é uma questão ética que ainda precsa ser mais bem discutida. Os dados que as redes sociais têm representam um poder muito grande que pode ser usado com intenções não muito boas. Como, por exemplo, o Facebook, a rede social mais famosa do mundo[6], explica em sua página de política de privacidade[7] que o controle do acesso aos dados de forma pública fica por conta do usuário, que define quem pode visualizar cada informação compartilhada naquele ambiente. Mesmo com essa política, muitos escândalos aconteceram envolvendo a rede social, incluindo questões de espionagens e invasão de privacidade, como no mais recente caso com a NSA [8].

Existe uma diferença clara entre um dado ser seu ou estar falando de você e, sobre isso, a política de privacidade do Facebook, diz: “Embora você esteja nos permitindo usar as informações que recebemos sobre você, você sempre será o proprietário de todas as suas informações. Sua confiança é importante para nós, e é por isso que não compartilhamos informações sobre você com outros a menos que tenhamos sua permissão”. Fato é que essa permissão está cada vez mais fácil de ser concedida. São vários os aplicativos e sites que se conectam com as redes sociais e, através de uma autorização, um simples “ok”, sincronizam suas informações. O próprio Faceboook alterou suas configurações de privacidade padrão muitas vezes durante os anos, mostrando uma tendência de exposição de informações cada vez maior [9].

“Duas alavancas movem o homem: interesse e medo”, a célebre frase de Napoleão Bonaparte resume bem os perigos da exposição das nossas informações a preço de uma simples requisição de amizade numa rede social. Para influenciar uma pessoa, basta conhecer seus interesses e seus medos, sentimentos expostos facilmente em redes sociais. Um exemplo muito interessante desse perigo é o projeto Please, Rob Me[10](Por favor, me roube), que tem como objetivo alertar as pessoas sobre os perigos do over-sharing (compartilhamento excessivo de informações). Ele funciona da seguinte forma: através de check-ins¹ no Twitter e no Foursquare, o sistema sabe quando você não está em casa para avisar os ladrões que sua casa pode ser assaltada. Uma prática muito repreendida pelos idealizadores do projeto é dar check-in em casa.

http://pleaserobme.com/
http://pleaserobme.com/

Martha Gabriel enfatizou em sua palestra a importância da Educação Digital. Durante muito tempo, se falou sobre Inclusão Digital e toda sua relevância para disseminação da internet, o que é muito bom, mas não se pode esquecer em nenhum momento da educação. O mundo virtual não tem fronteiras e possibilita inúmeras formas de comunicação, no entanto, saber se relacionar nesse novo ambiente é questão de inteligência e até mesmo de sobrevivência, porque na internet se escreve a caneta, não a lápis. A ideia é que se as pessoas tivessem uma educação digital de melhor qualidade, não haveria tantos problemas como o over-sharing nas redes sociais.

Felizmente, a preocupação sobre esse assunto aumentou muito, juntamente com o crescimento do interesse por aplicativos focados na privacidade, integridade e segurança dos dados dos usuários, como o Telegram, um mensageiro instantâneo que já é o aplicativo gratuito mais baixado em 48 países. Isso mostra uma mudança importante no pensamento dos usuários, o que é um grande passo do longo caminho a ser percorrido para que todos esses problemas possam ser resolvidos.


Notas
¹ Chek-in: Termo utilizado para expressar o ato de compartilhar, em uma determinada rede social, a sua localização atual através de dispositivo móvel.


Referências
[1] <http://www.pewinternet.org/fact-sheets/social-networking-fact-sheet/>
[2] <http://www.utsandiego.com/news/2011/Jun/15/media-celebrity-arianna-huffington-self-expression/>
[3] <http://dados.gov.br/dados-abertos/>
[4] <http://lifehacker.com/5697167/if-youre-not-paying-for-it-youre-the-product>
[5] <http://www.martha.com.br/campus-party-br-7-a-ilusao-da-conexao/>
[6] <http://www.amplitudenet.pt/blog/noticias/redes-sociais-mais-usadas-no-mundo/>
[7] <https://www.facebook.com/legal/proposeddup/pt>
[8] <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/03/140314_facebook_mark_zuckerberg_telefonema_obama_lgb.shtml>
[9] <http://mattmckeon.com/facebook-privacy/>
[10]<http://pleaserobme.com/>
[11]<http://oglobo.globo.com/tecnologia/pavel-durov-mark-zuckerberg-da-russia-11955255>