Entrevista com Marcos Soledade e Ricardo Sudário

Entrevista com Marcos Soledade e Ricardo Sudário

Marcos Soledade e Ricardo Sudário, sócios-fundadores da empresa Quantica, formados no curso de Bacharelado em Sistemas de Informação da EACH, foram entrevistados pelo Grupo PET-Sistemas de Informação, em 3 de julho de 2014. A entrevista foi realizada na Escola Politécnica, na sala do Grupo PET-Mecânica.

O Grupo PET-Sistemas de Informação aproveita a oportunidade de publicação desta entrevista para agradecer todo o apoio recebido pelo PET-Mecânica, durante o primeiro semestre de 2014.

Sara: Acho que todos os alunos aqui presentes conhecem o Marcos e o Ricardo. Eles são os sócios fundadores da Quantica – uma empresa  incubada na Habits – Incubadora Social e Tecnológica da EACH. Marcos e Ricardo são formados em Sistemas de Informação, pela EACH. O Gabriel, também aqui presente, está trabalhando na Quantica, na área de marketing da empresa. Gabriel, você pode falar um pouco sobre você.

Gabriel: Eu também sou quase formado na EACH, mas em Gestão Ambiental, porém na Quantica eu cuido da parte de marketing. Vendas, marketing, canal  com o cliente, essas coisas, sou eu que sou responsável.

Sara: É interessante porque você está se formando em Gestão Ambiental, mas você cuida do marketing da empresa.

Gabriel: É … é outra visão.

Ricardo: É uma longa história, que tem dado super certo .

Gabriel: No fim funciona.

Sara: Está aqui também a Priscila, ex-petiana. Ela é formada em Sistemas de Informação e também trabalha na Quantica. Nós temos uma série de perguntas, já preparadas para conduzir a entrevista, mas vamos levar a atividade de forma mais solta, sem a obrigatoriedade de passar por todas as perguntas, e com liberdade para a criação de novas. O Felipe (petiano do PET-Mecânica) e Prof. Edilson (tutor do PET-Mecânica) também estão presentes aqui e participarão da “conversa”.

Pedro: Bom, nós gostaríamos de saber como vocês ficaram sabendo da existência da Incubadora na EACH, e se o desejo de formar uma empresa já vinha de antes de vocês tomarem conhecimento sobre a incubadora.

Ricardo:O Marcos tem uma participação maior na incubadora. A Quantica existe desde 2011, mas desde 2010 nós já trabalhávamos para constituir uma empresa. Nós trabalhávamos como pessoa física, como consultores e analistas autônomos para alguns projetos, inclusive alguns da própria USP. O negócio começou a tomar forma, se tornar complexo, e começamos a conversar com algumas pessoas que tinham problemas semelhantes aos nossos. Então, percebemos que haviam muitas empresas, muitas universidades e muitas escolas, que tinham demandas semelhantes de plataformas na área de educação (depois eu falo um pouco mais sobre o que a gente faz), e começou a surgir uma série de demandas, e eu e Marcos, trabalhando como pessoas física não conseguíamos atender a toda essa demanda …nós não conseguíamos crescer. Foi então que pensamos: “a gente poderia contratar outras pessoas para nos auxiliarem … mas … se nós estamos contratando … é uma empresa”. Então nós pensamos: “vamos fundar uma empresa nessa área?” Nós começamos a pesquisar muito sobre o mercado, pesquisar muito para ver se realmente as pessoas queriam comprar o que nós queríamos vender. Nós também conversamos com algumas pessoas que contratavam nessa área, mas nos colocamos de uma forma diferente, dizendo: “ao invés de contratar Ricardo e Marcos, como pessoa física, você não gostaria de contratar a nossa empresa?” Então, alguém nesse contexto disse: “ … ok, por mim não faz muita diferença. Se vocês garantirem que a qualidade do serviço vai ser a mesma, que não vai alterar nada no que vocês vão me entregar …. tudo bem.”Foi nesse ínterim que nós começamos o trabalho de fundação da Quantica. No começo, tudo era um pouco precário. Éramos só eu e Marcos e algumas pessoas para ajudar. A empresa foi ganhando forma e a empresa, felizmente, graças a essa configuração, surgiu já lucrativa e é lucrativa até hoje.No ano passado nós tivemos um faturamento bem legal … crescemos muito ano após ano. Então, na realidade, já existia a vontade antes de começar a incubadora e, como começou a incubadora …acho que o Marcos pode falar um pouco mais, já que ele participou do processo um pouco mais ativamente.

Marcos:Foi engraçado você perguntar como nós ficamos sabendo da incubadora, porque acho que a resposta para isso é: “nós ficamos sabendo quando pensaram em criar a incubadora”. Na verdade nós somos tão jurássicos na universidade que participamos em um trabalho que resultou na fundação da primeira empresa júnior dentro da EACH. Nós conhecíamos as pessoas que tinham fundado o movimento [de Empresas Juniores] e participamos da criação de um núcleo [o Núcleo de Empresas Juniores], o qual foi, com o passar do tempo, se envolvendo cada vez mais com atividades de empreendedorismo dentro da universidade. É claro que era uma coisa completamente voluntária, nós não ganhávamos dinheiro, era simplesmente para aprendermos e fazermos coisas pelo nosso curso de graduação. E aí, entre uma coisa e outra, eu fiquei sabendo … (na época o Ricardo trabalhava na Abril, então ele era presidente do núcleo e trabalhava na Abril, ele fazia uma jornada dupla meio suicida e eu ficava mais responsável pelas atividades dentro do campus) … eu fiquei sabendo que havia um projeto de uma professora, que visava observar algumas incubadoras espalhadas pelo Brasil inteiro, já que existia um plano e se criar uma incubadora dentro da EACH. A professora era a Luciane Ortega. Não todos, mas alguns de vocês conhecem. Enfim,  eu acabei sendo convidado … (nem lembro como na verdade) … para ir para São José dos Campos, para conhecer umas incubadoras. Foi também um professor de Stanford que também estava envolvido na história. Nós chegamos lá e visitamos as incubadoras. Quando eu voltei fui convidado para a reunião de planejamento da incubadora. Nessa reunião, eu falei o que eu tinha visto na incubadora [de São José dos Campos], sugeri algumas coisas, e rolou uma sintonia entre os professores, os gestores que estavam na reunião e as ideias que nós estávamos colocando (éramos em três alunos na verdade). No final das contas, só eu dentre os alunos permaneci fazendo parte dessa equipe que planejava a incubadora dentro do campus. Na época eu tinha muito pouco conhecimento sobre o que era isso e obviamente depois eu contei isso para o Ricardo. O Ricardo já tinha acesso a muitos outros tipos de equipamentos que fomentam o empreendedorismo.

Pedro: Nessa época vocês estavam trabalhando com os projetos da empresa?

Marcos: Sim, e tudo foi se juntando, sabe? Obviamente, chegou um momento quando a incubadora estava prestes a sair, o edital estava prestes a sair, e nós nos desligamos de todo o processo pois queríamos concorrer para entrar na incubadora …senão não faria sentido. … Então eu diria que a gente ficou sabendo quando ela era ainda um embrião.

Pedro: Qual é o benefício que vocês tem, uma empresa tem, em estar incubados na EACH?

Ricardo: Uma série de coisas … em questões tangíveis ou elementos concretos nem são tão relevantes hoje para nós.Em relação ao tipo de coisa que nós conseguiríamos em qualquer outro lugar, que é a questão do espaço físico, nós pagamos uma taxa por mês. E, a incubadora da USP Leste é um prédio novo, foi projetado para ser uma incubadora, então não é nada improvisado. A estrutura é muito boa. Toda a parte física já é planejada para esses tipos de empresas: que crescem muito, que vão a falência, ou não, que crescem pouco. Então há essa flexibilidade, e a gente tem acesso a isso. Mas o mais importante é que temos acesso a algumas consultorias gerenciais, como consultoria na parte de marketing, consultoria na parte financeira, consultoria na parte contábil, consultoria na parte jurídica … toda essa estrutura. Temos acesso a uma rede de contatos também, a qual envolve os gestores da incubadora e alguns parceiros que a universidade tem acesso. Mas no nosso caso, eu considero que o principal benefício não está no nosso contrato de incubação, e sim no benefício informal. Nós trabalhamos com educação e a USP, é referência em educação na América Latina, então para nós é excepcional estar na USP pelo acesso ao conhecimento, nós vemos o que está acontecendo, nós temos acesso a quase 100 mil alunos na USP, temos acesso a um grupo de 6 mil docentes extremamente qualificados, teoricamente os melhores pesquisadores estão aqui dentro da universidade. É um laboratório gigante para nós, nós nunca “lançamos” um produto, nós “projetamos” um produto lá na nossa sala. Se nós dissermos que“nós estamos aqui … no ar condicionado, sentados em nossas cadeiras e vamos resolver o problema da educação no mundo com essa solução que pensamos nessa sala.”,  nós faremos um produto ótimo mas que ninguém quer usar. Então, nós construímos muito através da prototipação. Lançamos uma versão muito básica, colocamos para as pessoas testarem, vemos o que funciona e o que não funciona, e vamos melhorando. Esse ciclo é rápido. Tem produto nosso que tem duas atualizações por dia. Hoje, felizmente, nós temos condições de fazer isso. Nós já testamos muito, e ainda testamos muitos produtos na USP. Pensamos num produto que pode trazer algum valor para algum ponto da universidade, conversamos com algumas pessoas dentro da universidade, testamos. Pode dar tudo errado, mas pode dar muita coisa certa, a assim nós vamos conseguindo um feedback. O acesso à equipe de pesquisadores, à equipe de professores da USP nos traz muitas ideias, acontece muita coisa legal que se nós não estivéssemos dentro da USP, não ficaríamos sabendo. Tem a questão também de internacionalização.A quantidade de intercambistas que vem e vão é imensa e estando lá na incubadora na USP Leste a gente tem acesso a praticamente todos os intercambistas, não só alunos, mas também professores, alunos de mestrado que vem, ficam um tempo com a gente. Nós eventualmente somos convidado pra ir para visitas em outras universidades. Enfim, temos uma rede de colaboração muito legal.

Marcos: E sem contar que boa parte das pessoas que trabalham com a gente são pessoas que ou estão fazendo curso na USP ou já se formaram na USP.

Pedro: Você falou do espaço físico, e você tenta manter a rede de contatos enquanto está no Butantã [a Quantica ficou temporariamente sediada no campus Butantã, enquanto o campus USP Leste esteve fechado], então a única diferença agora seria a questão do espaço físico. Conte um pouco mais sobre como foi essa transição entre a  EACH e aqui.

Ricardo: Foi traumático.

(Risos)

Marcos: É que na verdade, com o passar do tempo, a incubadora na EACH incorporou muito da nossa experiência, de coisas que nós trouxemos. Por exemplo, na visita que fizemos na incubadora lá na Finlândia, vimos que láé um espaço de colaboração extrema, o espaço trabalha a serviço da colaboração, da conexão entre as pessoas, da troca de experiências, do desenvolvimento de ideias novas, utilizando técnicas novas de design focado em humanos, Design Thinking, post it na parede, essas coisas que a gente vê hoje em foto de banco de imagens. Nós trabalhamos muito na incubadora na EACH pra fazer com que ela fosse um espaço que atraísse as pessoas da universidade pra sentar e discutir ideias e de repente criar o próximo produto revolucionário que vai mudar o mundo. É meio clichê falar isso, muita gente fala isso hoje sem ter um grande produto em mãos, mas esse era nosso objetivo, levar gente pra lá e discutir.Nós começamos a fazer isso. O Ricardo fala que nossa mudança para cá [o Butantã] foi traumática. E foi realmente traumática porque nós não deixamos só um espaço, nós deixamos todo um trabalho que estávamos fazendo a muito tempo, a mais de dois anos.

Ricardo: Um trabalho de “criar a incubadora”, literalmente. Ver o prédio surgir com base no que havia sido planejado. Nós sabíamos que o campus tinha uma grande chance de ser interditado. Estávamos preparados para um plano B. Nós tínhamos até um plano C. Se fechasse, nós não cruzaríamos os braços e diríamos: “Meu, estamos perdidos, e agora, o que vamos fazer?”. Contudo, quando alguém chega e fala, seis horas da noite: “Gente, é definitivo, o campus vai fechar às 23:59, vocês tem quatro horas para pegar tudo e ir embora”.

Marcos: E é um tudo que significa computadores, servidor, mesa, banco…

Ricardo: É insano. Não dá pra pegar tudo, pega-se o essencial.Toda a parte de documentação, toda a parte financeira e a parte fiscal ficava parte conosco e parte fora da Quantica, por uma questão de segurança. A nossa sorte é que desde sempre, nós tivemos uma rede de pessoas dentro da EACH que … se não fossem essas pessoas nós estaríamos perdidos. E são pessoas que avisam mesmo quando  comunicação não é das melhores. Quando realmente aconteceu dissemos: “Estamos desalojados, precisamos de um espaço”, em meia hora conseguimos um espaço numa incubadora que tem aqui … fica dentro do IPEN e se chama CienTec. Nós conseguimos esse espaço porque existem pessoas como o gestor da incubadora lá. E eu nunca vou esquecer isso … ele pegou a chave do carro dele e disse: “Usem para o que vocês precisam, amanhã vocês me devolvem”.

Marcos: Nós não tínhamos carro suficiente para por tudo o que precisávamos. Começamos a pensar se deveríamos ligar para um táxi ou não sei o quê. Imagine … para uma pessoa confiar o carro dela pra você, significa que ela realmente se importa com o que você está fazendo ou com o que está acontecendo.

Ricardo: Nós tínhamos uma rede de relacionamento lá dentro que foi essencial para nós conseguirmos nos mudar. Foi difícil. Uma coisa é mover equipamento, outra coisa foi mover toda a parte de logística da empresa e funcionários.Tinha muita gente que morava lá perto, tinha muita gente que estudava lá. Então … toda aquela incerteza, é complicado. E,tínhamos ainda que passar tranquilidade para os nossos clientes, porque, todos os nossos clientes sabiam que estávamos dentro da USP. Na época tínhamos projetos grandes, a Quantica não trabalhava na época com projetos pequenos. Nós tínhamos poucos contratos com volume financeiro muito grande. E então você fala: “Beleza, eu estou lhe pagando um insumo todo ano e eu nem sei onde você está. O campus que você está acabou de ser interditado”. Tranquilizar esse pessoal foi o mais complicado, ao telefone, ou indo à sede das empresas, explicar o que aconteceu, explicar que nós já estávamos tranquilos … foi traumático em todos os sentidos, mas deu certo. Nós tínhamos uma equipe muito unida, ninguém ficou de “mimimi”, ninguém ficou reclamando. Deu problema? Ok, todo mundo no mesmo barco, vamos fazer o negócio certo.

Marcos: Eu acho que nós conseguimos tirar muito aprendizado desse processo, sabe? Hoje, por exemplo, nós temos uma noção muito mais forte e concreta do que é trabalho remoto porque antes nós estávamos muito acostumados a: “Vamos trabalhar presencialmente com espaço e tal”, quando nós começamos a ver que o negócio estava apertando, nós fomos investigar como esses times de startups nos EUA fazem trabalho remoto, e hoje nós já temos uma noção super bacana. Nós podemos trabalhar sem escritório.

Ricardo: Não é o ideal, mas se for preciso nós temos o plano D. É, o plano A é a EACH, o plano B o espaço aqui (no Butantã), o plano C escritório próprio nosso. Nós chegamos a deixar algumas coisas engatilhadas. Se for preciso a gente aluga um espaço, não tem problema. E plano D não tem escritório, todo mundo remotamente.

Thais: E se voltar (e vai voltar), vai ser mais problemático continuar ou vocês acreditam que é muito melhor?

Ricardo: Falando como Ricardo: eu ficaria extremamente aliviado em voltar. Eu moro a dez minutos da cidade universitária, em Pinheiros, mas eu sou muito mais “ir lá pra zona leste todo dia”. O espaço de lá tem nossa cara, a estrutura que tem lá, física, é mais adequada, as pessoas que a gente se relaciona estão todas lá. Você vai na cantina comer uma coxinha e encontra cinco pessoas e vai conversar, trocar ideia … aqui a gente perde muito disso.

Marcos: E é uma característica do próprio campus né. Por ele ser pequeno, por nós estarmos lá, pelo menos eu, desde 2007 … isso diz muito sobre a minha idade, mas tudo bem.

Sara: Noooossa, você é beeeem velho!!!! 🙂

Marcos: O que conta é como a gente se sente 🙂 . Então … acho que conseguimos transportar um pouco das características do campus para a incubadora. As pessoas iam usar o nosso espaço, lá em cima, que era o “ateliê de ideias” onde pessoal sentava e discutia … era muito gostoso. É muito bom você chegar para trabalhar e saber que tinha gente discutindo lá em cima e de repente vinha gente batendo na porta e falando: “Olha..a gente pode conversar por dez minutinhos?”. Aí você ia discutir uma coisa completamente diferente do seu universo. Eu acho que essas “coisinhas” empurram a gente para fora da nossa zona de conforto

Ricardo: E tem essa coisa de… nós não temos essa visão centrada de: “Nós temos um planejamento de dez anos e vamos seguir rigorosamente esse planejamento” e “Nós temos um plano de negócios de cinquenta páginas, aquele calhamaço” que, para uma startup é um roteiro de iniciação científica. Na realidade, nós não sabemos exatamente o que estaremos fazendo daqui três semanas! O segredo é ficar de olho aberto, ver todas as oportunidades e manter-se relacionando isso sempre, pensando em ir para a frente. Claro que temos alguns objetivos gerais muito claros. Se você não sabe para onde está indo, qualquer coisa serve… É clichê, mas é verdade! A gente valoriza muito isto: “Vamos explorar todas as possibilidades, vamos conversar com o máximo de pessoas, vamos para o máximo de lugares possíveis e vamos ver o que surge disso. O crescimento que a Quantica tem conseguido nesse ritmo é impressionante! Todo ano, o nosso faturamento aumenta quatrocentos por cento. A gente quadruplica de faturamento a cada doze meses. Este ano vai acontecer a mesma coisa. Só o nosso faturamento, até agora, já é quatro vezes ao do ano passado!

Marcos: Vocês conseguem ver a diferença do discurso, né? (do Ricardo e do meu…) O Ricardo é “o cara do business” e eu sou o cara que fala “a gente vai salvar o mundo!”. Mas acho que isso mostra muito também do porque deu certo, sabe? São dois perfis completamente diferentes. De repente eu estou falando: “Ah, a gente precisa fazer tal coisa” e ele fala “De jeito nenhum”. E é muito legal isso que ele falou de a gente conseguir crescer porque mesmo quando a gente fala “Ah, mas nós não sabemos o que vamos fazer daqui a três semanas”; tem gente que dá aquele pulo e diz: “Nossa! Como assim vocês têm uma empresa e não sabem o que vão fazer daqui a três semanas?” Não, eu sei o que eu quero fazer! Eu não sei o que eu estarei fazendo daqui a três semanas porque o problema que a gente está resolvendo é tão complexo que ele muda constantemente. Não adianta eu falar “A gente vai fazer X para resolver problemas de educação!”. A educação não é a mesma hoje, amanhã, semana que vem, daqui a duas semanas, três semanas… o mercado muda, a economia muda, entendeu? A gente está em plena época de Copa do Mundo e tem um monte de coisas acontecendo que eu não imaginei que fossem acontecer.

Caio:Nós vemos bastante por aí que o primeiro ano de uma startup é “aquele limiar. Que vai dizer se ela vai se manter ou não. Eu queria que vocês nos contassem como foi esse primeiro ano de vocês e como vocês fizeram para se manter no mercado. Como achar cliente? Como faz para gerar negócio? Como faz para tocar o empreendimento?

Ricardo: O primeiro ano é o pior, principalmente para quem nunca empreendeu.Eu saí da universidade e comecei a Quantica … aliás comecei antes de eu estar formado. Eu tive experiência de trabalho, na editora Abril, era uma experiência muito “Júnior” ainda. E então diz-se: “Toma! Você tem uma empresa. Se vira, faz o negócio acontecer!”. Você fica completamente perdido, você não sabe nada sobre o que está fazendo. Você vai conversar com muita gente, com outros empreendedores que já fizeram isso aqui no Brasil, fora do Brasil, vê o que pode funcionar, definir uma estratégia, mais ou menos clara para o que você está fazendo. Por que o que você está fazendo é melhor do que o que já existe? Você, realmente, está resolvendo um problema das pessoas? Senão, você vai construir um produto ótimo que ninguém quer usar e esse é um problema que eu vejo acontecer muito, principalmente, em Sistemas de Informação, Engenharia da Computação e Ciência da Computação. O pessoal foca no produto. O nosso produto é completamente irrelevante! Na Quantica, quando contratamos alguém nós falamos: “Esquece código! Desapega desse código! Não tenha amor a esse código! A gente vai destruir tudo constantemente.” A gente está resolvendo problemas de pessoas. Então é se colocar aos pés dessas pessoas e tentar entender o que está acontecendo. Essa filosofia foi o que definiu muito o primeiro ano da Quantica. O nosso produto foi aos trancos e barrancos. Depois, quando nós entendemos o que o pessoal queria, nós pudemos construir alguma coisa mais estável. A gente teve muita sorte porque a gente não precisou de investimento. Hoje, a gente não tem nenhum investidor externo. Isso é bom porque investidor diz: “Eu vou te dar dinheiro, mas você tem três anos para me dar dez vezes esse valor.” Enfim, ele vai te dar um volume X e você tem X períodos para dar retorno. Então, essa pressão por resultado é uma coisa que nunca aconteceu na Quantica. Assim, nós estávamos confortáveis para fazer o negócio sem perder tempo, mas sem ter muita pressa. E assim foi se definindo o nosso primeiro ano … chegamos no final do ano com balanço positivo, com projetos legais, com outros contratos já em vista ou já assinados. Se falassem que o nosso segundo ano ia ser o que foi, eu teria falado “Você está viajando!”

Marcos: Eu acho que o primeiro ano também é o ano em que você mais se envolve com o empreendedorismo. Digo isso porque eu nunca trabalhei em uma empresa que não fosse a minha. Eu saí da universidade e fui direto fundar a minha empresa. Então, eu não sabia nem como o mercado funcionava, de certa forma. Nós íamos muito em palestras. Assistimos todas as palestras de empreendedorismo. Lia muitos livros sobre o assunto… Eu acho que é um ano em que você conhece muitas startups, conhece muitas organizações, conhece gente muito legal, conhece gente que é um “porre” também… gente que dá certo(…) É interessante porque você entende como as coisas vão funcionando, quem são as pessoas, quem são as organizações, porque algumas empresas dão certo e, algumas, não. Você olha o erro e fala “Nossa! Aquele cara lá errou feio!”. Um ano depois, você olha aquilo e fala “Poxa, eu sabia que isso ia acontecer…”.

Ricardo: Eu acho que tem uma coisa importante no empreendedorismo: você não aprende lendo, vendo palestras e dando palestras. Tem um monte de empreendedor de Facebook e um monte de empreendedor palestrante, mas você aprende fazendo! É igual a dirigir. Você não vai aprender a dirigir fazendo CFC do Detran, jogando Need for Speed e vendo vídeo no YouTube. Você vai aprender a dirigir … dirigindo. Você vai aprender a dirigir errando. Você vai aprender a andar engatinhando. Depois, você vai andando meio desequilibrado, você vai dar de cara no chão. Essa é a cultura da falha. É a cultura de “coloca a mão na massa e não tenha medo de falhar!”. Você pode falhar cinquenta vezes. Se na quinquagésima primeira vez, você dá certo, já é o suficiente! Se você trabalha de uma fora e acerta já compensa todas aquelas que você errou. A Rovo, fundadora da AngryBirds … a gente foi à sede deles lá na Finlândia e eles falaram “O AngryBirds foi o nosso jogo número cinquenta e pouco, foi o sucesso da noite para o dia, que demorou seis anos para acontecer!”. Eles erraram muito, mas esse um que eles acertaram … deu certo de tal forma que compensou todo o resto.

Marcos: Com certeza o ano um deles também foi bem chato. Provavelmente ele passaram por situações em que pensaram: “Nossa! Eu tive uma ideia genial para um jogo!”. Aí lançaram e tiveram três downloads.

Tatiana: Pegando o gancho da Incubadora (do início), se ela já estivesse consolidada, vocês acham que seria diferente? O processo do primeiro ano, o processo de crescer..se ela já estivesse consolidada, acham que teria sido diferente?

Ricardo: Não, não. O primeiro ano não porque o nosso primeiro ano foi fora da Incubadora.

Marcos: Mas eu acho até que se tivesse sido dentro da Incubadora, nós ouviríamos tudo aquilo e falaríamos “Ah, a gente nunca vai fazer isso”, mas a gente ia fazer…

Caio:Aproveitando essa deixa, então, o que vocês consideram, nesses anos de Quantica, os maiores acertos e o que vocês não gostariam de repetir?

Ricardo: Os maiores acertos … eu acho que foi a nossa equipe. Nós não contratamos ninguém na Quantica pelo perfil técnico. Não queremos saber se a pessoa sabe, se ela não sabe. Nós contratamos pelo perfil comportamental. Queremos gente boa que vai vestir a camisa da empresa e vai fazer aquele negócio dar certo. Gente que está tão comprometida quanto a gente. Porque não adianta nada eu e o Marcos trabalharmos lá na frente para fazer tudo dar certo e o pessoal lá com visão de funcionário que pensa: “Ah, eu vou entrar às 8h e vou sair às 17h”. Não pode ter essa visão de que nós estamos pagando o funcionário pela hora de trabalho. Eu acabei de sair de uma reunião com todo mundo e eu repeti isso pra eles, ninguém ali está recebendo pela hora de trabalho, está recebendo pelo que essa pessoa vai criar na empresa, que vai ser bom estrategicamente a médio e longo prazo.

Marcos: Isso não quer dizer, é obvio, que contratando uma pessoa pelo perfil comportamental e não pelo técnico significa que “a, você não precisa programar”.

Ricardo: Não …..nós queremos gente que vai desenvolver muito bem.

Marcos: É óbvio, nós não pressionamos, mas buscamos muito resultado junto com a equipe, porque quando é preciso, nós vamos lá colocamos a mão no código também. Não tem essa de: “a, eu sou o fundador, legal gente, faz direito”. Não é assim, nós temos que estar muito próximos do que está acontecendo e uma coisa que sempre falamos é que estamos lá pra fazer o que ninguém faz, porque, “a culpa é do sistema, o sistema não faz, o sistema não permite”, isso pra gente não existe. Nós achamos que se alguma coisa não funciona, nunca é porque o usuário não soube usar, é porque nós não soubemos apresentar da melhor forma possível. Então, nós sempre buscamos fazer o que ninguém está fazendo.

Thais: Uma coisa que eu tenho muita preocupação nessa parte de empreendedorismo é a dificuldade de se organizar financeiramente e judicialmente. Como vocês foram descobrindo isso? Foi muito assustador?

Ricardo: Assustador não é, mas é chato pra caramba. Vocês não tem ideia do quão complexa é a parte tributária de uma empresa.

Marcos: Não é só “razonete”, eu fiquei chocado!!!

Ricardo: Desde o começo a gente teve uma assessoria contábil contratada. O nosso contador é terceirizado. Isso foi essencial, pois eu não tinha ideia de como funcionava, eu tinha uma ideia de que eu tenho que controlar o que entra, o que sai e de preferência o que entra tem que ser mais do que o que sai. Simples, no final é essa a conta que importa. No final do mês queremos manter a luz acesa. Mas essa parte contábil é complicada principalmente por que empresas no Brasil tem uma série de benefícios fiscais, então se você fatura até um milhão e pouquinho você pode ser micro empresa ainda, depois disso você passa a empresa de pequeno porte, quando você se torna empresa de pequeno porte, pode ser com lucro real ou lucro presumido. Nós temos a “sorte” de estar no “pior” cenário possível: somos uma empresa de pequeno porte, não temos nenhum benefício de micro empresa, entramos em lucro presumido, ou seja, para o governo nós temos lucro, eles não querem ver nossas despesas, automaticamente a gente tem lucro. Nós temos que provar que não tivemos tanto lucro quanto o governo acha tivemos a cada 3 meses, e fazer todo tipo de declaração de imposto: são oito impostos a cada três meses.

Thais:Que impostos tem que pagar? O contador sabe o que fazer?

Ricardo:O contador normalmente sabe, mas dá muita confusão. Normalmente quem faz essa parte de pagamentos sou eu, quem vai lá no final e vê o que tem pra pagar sou eu. Esses dias eu precisei emitir uma certidão negativa da Quantica e deu no site da receita que nós tínhamos uma pendência. “Espera, pendência? O que eu fiz? Deixei de pagar alguma coisa”, liguei pro contador. “Então, aquela DARF (Documento de Arrecadação da Receita Federal) que a gente mandou em setembro do ano passado, não foi paga”, fui ver e não tinha pago, “Quanto é?”, treze reais. Você respira vinte mil vezes. A gente perdeu uma certidão negativa que a gente precisava pra assinar um contrato grande por causa de treze reais que não foram pagos.

Marcos: Parece cômico, mas é muito trágico. Foram os treze reais mais caros da história.

Ricardo: E aí, isso deu problema no contrato porque todas as outras certidões que a nós havíamos emitido, venceram. Isso porque a gente paga mas a receita não atualiza na hora no sistema. Demora. Você precisa mandar comprovante … enfim, nós quase perdemos um contrato por causa de uma divida de treze reais que nós nem sabíamos da existência. Então tem uma série de impostos e é bom mesmo ficarmos de olho, porque o nosso contador não tinha percebido que estava em aberto e muitas vezes eles mandam uma coisa e … “espera, isso não está certo”.Você tem que aprender a fazer o negócio dar certo.

Marcos:É que também, de certa forma, nós passamos por muitos problemas por causada nossa assessoria contábil, que contratamos lá no começo, que era pequena porque nossa empresa era pequena.Nós não sabíamos qual era a magnitude que a coisa ia ganhar. Hoje temos contratos grandes e enfim, precisamos de uma contabilidade mais complexa. Então tudo depende do estágio em que você está. No começo foi ótimo porque ele falou “você precisa ir em tal lugar, pedir tal documento, e esse documento você vai levar pra outro lugar”, e você faz todo o processinho bonitinho. No começo acho que eu era ..acho que até hoje sou, mas quando você começa uma empresa você é tudo, você é o office boy, o secretário, você limpa o chão, enfim nós tivemos que ir em todos os órgãos possíveis. Acho que tem uns órgãos do governo que eu nem sabia que existiam. Tem um que fica embaixo do viaduto. Eu pensei “mas por que eles ficam embaixo de um viaduto no centro de São Paulo?”. Enfim, a assessoria contábilorientou. Ele falou e a gente fez.

Ricardo: Tem muita coisa também … como a otimização da parte fiscal … que tem formas e formas de fazer para realizar a contabilidade da empresa. Por exemplo, uma coisa que eu quase matei o nosso contador há uns seis meses: toda nota fiscal que emitíamos, pagávamos 5% de ISS (Imposto Sobre Serviço). É um imposto pago para a prefeitura de São Paulo. 5%, beleza. É imposto, tem que pagar, vamos pagar, paciência. Depois eu descobri que há uma lei que permite pagar 3% por causa do tipo da empresa, aí você fala: “2% não é muito”; mas na hora que você calcula, no fim do ano, a quantidade de dinheiro que perdeu porque ninguém prestou atenção … o contador não tem ideia do que a gente faz, eles entendem por cima … minha mãe não sabe o que eu faço. Então você tem que ficar muito de olho nisso. Quem realmente entende do negócio é a gente, formas de declarar, isso é com a gente. Então, em vez de desenvolvimento de programa de computador era “licenciamento”, que é o que a gente faz em outros produtos. Considerando isso, o imposto era muito menor.Tem esse lado que você precisa ficar atento.

Nicolas: Vocês já falaram um pouco, mas eu gostaria de saber mais especificamente como é que funciona esse processo de criação de uma plataforma e-learning. Desde as fases iniciais e os primeiros contatos até a finalização, quais são as estratégias de trabalho, as ferramentas que vocês costumam usar?

Ricardo: Hoje nós temos dois ramos principais da Quantica.Vou começar do ramo mais antigo, que são plataformas sob medida para clientes de médio e grande porte, clientes que tem um orçamento razoável para criar alguma coisa completamente sob medida. A gente senta com o cliente e conversa: “o que você quer? qual é o seu problema?”. Na realidade, não é exatamente“o que você quer” porque o cliente nem sempre sabe o que ele quer, as melhores perguntas são: “qual é o seu problema? qual o benefício que você quer obter ao final do projeto?”, e não “qual o produto que você quer ter ao final do projeto?”. É uma coisa sutil mas faz uma diferença grande.

Marcos: Acho que um ponto importante é que nós fazemos isso no local onde o cliente atua. Então, se é uma corporação nós vamos até lá, porque o local de trabalho diz muito sobre a cultura organizacional e de educação que ocorre na organização, e não é igual para todo mundo. Não tem como nós chegarmos lá e falarmos para todo mundo: “olha, usa isso aqui que nós usamos lá que vai funcionar, funcionou na padaria do Seu José, vai funcionar para você” … não vai. Todo mundo vai ficar louco da vida e não vai usar o produto.

Ricardo:E também é preciso saber quem é o usuário, quem é o aluno. Qual é a faixa etária, o que esse aluno faz, o que ele gosta de fazer, o que ele pensa, qual é o nível de escolaridade. Isso tudo muda muito em cada cliente, então nós tentamos conhecer muito sobre essas características, e só então nós partimos para a parte de conteúdo. Marcos e eu, como pessoas formadas em Sistemas de Informação, não poderíamos … ou melhor, seria um irresponsabilidade muito grande da nossa parte entrar nos meandros da parte pedagógica. Isso é perigoso, seria praticamente um crime se fizéssemos isso. Então ou nós ou o cliente já tem alguém dessa área, ou nós subcontratamos consultores dessa área para fazer o trabalho. Então, como é que eu vou otimizar esse conteúdo para ser oferecido em uma plataforma online? Não é simplesmente pegar o PDF do professor, pegar o slide e colocar no site e falar “beleza”. Com isso, você faria um apostilamento mas estaria desperdiçando muito potencial, e o beneficio que o cliente teria lá no final seria pequeno. Depois vem a parte de implementação. Como são contratos maiores, tem muitos clientes que por uma questão de compliance não podem usar servidores externos que não sejam os da empresa, então nós temos que conversar com o pessoal técnico deles, ver o que nósprecisamos, o que é esperado por eles, como vai funcionar esse ajuste. Ou então, se vai funcionar nos nossos servidores … “beleza, custa tanto, vamos fazer dessa forma”.Resolvido tudo isso, coloca-se o produto no ar.Depois que entra em produção … “beleza, está funcionando”, e começamos a medir tudo o que é feito, quanto tempo cada usuário passa em cada página, quais recursos são mais usados, quais recursos são pouco usados, testes A e B, colocamos duas versões da mesma coisa, vemos qual das duas versões traz resultados melhores … que vença o melhor … e vamos melhorando continuamente. Neste ponto é que começa realmente o trabalho, pois tem gente usando e nós continuamos aprimorando, até chegar no produto final, ou depois de um certo tempo, se o projeto for longo, a partir do produto estável, nós fazemos um acompanhamento e fazemos uma manutenção”.

Marcos: É tipo Mary Poppins, a gente aparece na emprese e fica lá até a casinha estar em ordem, na hora que estiver em ordem a gente vai embora.

Ricardo: Mas depende muito do cliente, tem cliente que sempre tem demandas novas e nós vamos atendendo. E então tem o outro lado da Quantica. Esse tipo de produto e prestação de serviço é uma coisa cara, uma coisa que nem todo cliente tem condição de fazer. Existem empresas que possuem trinta funcionários e não vão conseguir criar uma plataforma dessa, um conteúdo desse para oferecer para trinta funcionários.

Marcos: E é caro para os dois lados, é caro para eles porque é um contrato grande e é caro para nós porque o tempo de desenvolvimento é maior, a equipe alocada para isso é maior, o tempo de planejamento, número de protótipos e de vezes que precisamos ir até lá para estudar o ambiente, para estudar os processo, o tempo de designer para desenvolver um produto bonito, atrativo, etc.

Ricardo: A relação é: se tem dez vezes mais projetos, precisa-se de quase dez vezes mais equipe, e contratação é um inferno. Sim, nós pegamos muito pesado em contratação e por isso acaba sendo um processo complicado. Bom … então … nós temos um outro produto que é uma plataforma única que todos os clientes usam, ele fica hospedado conosco e por isso não exige infra de cliente, que normalmente é um problema. E, embora o que o cliente A coloca, o cliente B não tem acesso, no fundo é a mesma plataforma com os recursos padrões. “Ah, eu preciso de tal lógica … de tal funcionalidade”. Não, infelizmente essa plataforma não atende esse tipo de demanda. Mas … obviamente, nós escutamos muito o usuário, escutamos muito o cliente. Se dez clientes querem a mesma função, existe aí uma oportunidade que nós estamos deixando passar. Em cima desta oportunidade, vamos melhorar a plataforma. É uma plataforma que sempre tem novidade, sempre tem alguma coisa nova. Neste modelo, o trabalho de oferecer para dez clientes ou para mil é praticamente o mesmo, então conseguimos uma escalabilidade muito maior e consequentemente o preço lá em baixo.

Pedro: E a ideia de trabalhar com e-learning vocês tinham desde o começo? Como surgiu a ideia?Surgiu uma demanda … tudo bem … mas a área de Educação … vocês tinham alguma paixão ou algo do tipo para perceber esse demanda?

Ricardo: Na verdade “surgiram com ela” para nós.

Marcos: Na verdade a minha família inteira é de educadores. Meus tios são professores, meu pai foi professor, foram várias gerações na área de Educação. Eu inclusive não queria fazer curso na área de tecnologia, eu incialmente queria fazer Letras ou algo do tipo, algo que eu sabia que no fim do processo me levaria a trabalhar com Educação. E quando eu entrei na Universidade, de certa forma, eu não me identifiquei muito … ficava incomodado com algumas coisas que eu via e com alguns processos que eu achava que poderiam ser um pouco diferentes e acho que isso foi atiçando essa minha vontade de trabalhar na área de Educação.

Ricardo: No meu caso foi um pouco diferente, nós já trabalhávamoscom isso. Não sei se vocês sabiam, mas a Sara fazia parte do primeiro projeto comercial da Quantica, [risos]. Ela fazia uma supervisão: “hum, não está bom, não está legal, muda, não está legal isso aqui, não é isso que vocês querem”. E já tinha esse projeto estruturado, sobre o qual nós começamos a trabalhar antes de surgir a Quantica. Éramos contratados desse projeto pra ir fazendo o negócio acontecer. Então a Sara era meio que nossa chefe no projeto. Não tinha esse nome, mas na prática era isso que acontecia.

Marcos: Ela fazia jus ao nome…

Ricardo: E foi aí que começamos a trabalhar com nosso negócio. Nós começamos a perceber que tinha demanda de outros clientes. Eu gostei da área, eu sempre gostei dessa parte de educação. A Quantica foi surgindo … foi contratando. Esse projeto existe até hoje, e está na quarta edição de um mesmo curso e tem dado super certo, mas surgiu a partir de uma coincidência. Eu fui convidado a trabalhar nesse projeto, gostei muito, a qualidade do serviço foi legal e isso acabou direcionando muito da Quantica.

Marcos: É. Eu acho que se eu não tivesse aberto uma empresa eu ir virar professor, provavelmente.

Thais: Mas vocês entraram em contato, decidiram juntos fundar a empresa?Como? Vocês eram na mesma turma de SI?

Ricardo:Nós fizemos SI, não na mesma turma. Nos conhecemos em outros projetos de empresa. Ajudamos a fundar a empresa júnior de Sistemas de Informação. Ajudamos a fundar o Núcleo de Empresas Júnior da EACH.

Marcos: Sabe aquele velho provérbio? “Entre todos os demônios o melhor é aquele que você conhece?” Porque é muito difícil você encontrar uma pessoa para trabalhar, porque não parece mas é uma coisa muito pessoal, você vai passar muito tempo com essa pessoa e vocês precisam ter um objetivo muito parecido. Entendeu? Então quando nós sentamos [Marcos e Ricardo] para conversar, muito provavelmente a nós vamos discutir porque o objetivo tá lá, a gente sabe qual é o objetivo que a gente quer chegar, mas o processo…

Thais: Sim, ao mesmo tempo não pode ser uma pessoa tão parecida com você.

Ricardo: Não pode ser parecido, porque senão não vai ter conflito de ideias, não tem diferenciação. Conflito de ideias é o que tem o tempo todo.

Marcos: E acho que foi justamente por causa disso. Como a nós já tínhamos feito um monte de coisa juntos na universidade, nós pensamos: “bom, nós temos essa oportunidade, trabalhando no mesmo projeto, nós temos objetivos em comum, nós já vimos que o nosso modo de trabalhar dá certo, o nosso modo de pensar é complementar, então vamos tentar dar o próximo passo”.

Ricardo: Mas até hoje na Quantica nós temos um contrato entre nós … um contrato formal. Vamos supor que nós briguemos, um não quer olhar para a cara do outro. Como é que vai ser feita essa cisão? É importante ter isso muito claro, pensar em todos os cenários, cobrir todas as possibilidades, porque hoje isso funciona, daqui a cinco anos pode não funcionar mais. Obviamente nós não queremos que isso aconteçaporque seria um prejuízo muito grande para a empresa.

Marcos: A empresa já é maior que a gente. Ela não é “a gente”. Lá no começo era só “Marcos e Ricardo”, tanto que a Sara “zoa” a gente até hoje falando da entidade “Marcos e Ricardo”,porque éramos nós. A gente fazia tudo, hoje é muito maior. (…)

Ricardo: Não dá pra acompanhar tudo o que acontece, tem coisa que você olha lá, e vê o resultado final só, e sabe que vai dar certo. Por isso que eu falei da importância de uma equipe boa.

Thais: A equipe de vocês hoje possui quantas pessoas?

Ricardo: Épequena, tem 11 pessoas fixas.Nós não queremos expandir (agora), temos 11 pessoas fixas,mais alguns freelancers e consultores. Depende do projeto.Tem gente que trabalha para nós faz muito tempo. Por exemplo: “Preciso produzir um vídeo”, nós não temos uma equipe de audiovisual na Quantica, não agora. Nós contratamos algumas empresas que já estão acostumadas a trabalhar conosco.

Marcos: Nós trabalhos com bastante descentralização. Então tem gente que trabalha eventualmente conosco que é do nordeste brasileiro, tem de fora do país também.

Pedro: Vocês se conheceram na faculdade?

Ricardo: Nós nos conhecemos na faculdade por algum motivo…

Marcos: Ah! Eu lembro qual foi! Eu estudei com um cara no ensino médio do primeiro ao terceiro ano e nós éramos muito próximos. Então eu entrei na faculdade, em SI, e ele não. Ele fez um ano de cursinho e eu fui estudando e tal. Aí ele entrou no ano seguinte, ele era meu “bixo”, e entrou na mesma turma dele [Ricardo]. E eles eram do mesmo grupo de amigos e eu acabei me aproximando do grupo de amigos deles.

Ricardo: Foi uma coisa meio assim, não sei…

Matheus: É legal perceber que, pelo menos a imagem que vocês passam é de que desde o começo, parece que não foi nada forçado. O conceito de que, mesmo com toda a burocracia brasileira, que é intrínseco do país mesmo,vocês não forçaram fazer nada disso, você não pensou “vou encontrar um cara na faculdade pra fazer uma empresa porque eu tenho que resolver esse problema porque eu vou ganhar o dinheiro depois”. Foi meio que … é só que um comentário, nem tanto uma pergunta, mas assim … a idéia é que vocês “deixaram rolar”, por um momento. Foi um tanto quanto …. solto.

Gabriel: Oportunidade, né.

Ricardo: É como eu falei sobre a nossa filosofia. Nós não temos um planejamento muito claro. Vamos analisar, a gente sabe onde quer chegar. A gente já sabia (…) mas até hoje quando se fala “A Quantica não tem planejamento.” … tem planejamento, e planejamento forte mas não é nada “definido a ferro e fogo”.

Marcos: É que é mais divertido falar que não tem. 🙂

Ricardo: Tanto na parte financeira, quanto na parte jurídica, quanto na parte de projetos. Nós temos algumas coisas, mas nós nunca nos fechamos dizendo: “Eu vou cumprir [exatamente] esse planejamento”. Surgiu alguma coisa legal no meio do caminho? Vamos ver o que vai dar certo. É muito mais divertido e a chance de sucesso é muito maior.

Marcos: E eu acho que, de certa forma, o processo é natural porque … pelo menos falando por mim, eu acordo todo dia motivado a fazer isso porque eu gosto de fazer. Eu não “tô” lá (reclamando). Eu gosto muito do que eu faço, eu gosto de buscar novas tecnologias, eu gosto de ir lá nas escolas falar com a galera que está usando, eu gosto de ir nas empresas. Acho que é o supra sumo de todos os clichês, mas você tem que gostar também do que você está fazendo. Não adianta eu me forçar a fazer uma coisa superchata só porque eu vou ganhar dinheiro. Enfim, tem que rolar esse alinhamento, por isso que é natural também.

Matheus: É bem a cara de uma startup mesmo, né? Essas características são culturais.

Marcos: Exatamente.

Matheus: Eu gostaria de saber quais foram, ou são ainda, as suas influências, de cada um, tanto no ramo de negócios como no de tecnologia. Tem alguém que vocês se inspiram? Pessoas? Alguma empresa no passado? Tem alguma imagem que remete a vocês?

Ricardo: No meu caso não tem uma pessoa ou uma empresa em específico. Tem uma cultura que acaba influenciando muito, que é a cultura, principalmente do Vale do Silício.Uma cultura fortíssima. E nós temos uma relação muito boa com o pessoal de lá, eu já fui pra lá. É uma forma de pensar, uma forma de desenvolver negócios, pensando do ponto de vista comercial mesmo. Que é muito diferente da forma que existe aqui no Brasil. E lá, por exemplo, você vende primeiro e constrói depois; aqui no Brasil você constrói primeiro e vende depois. Tem formas de se aprimorar o produto, formas de se conseguir feedback, formas de desenvolver esses produtos para atingir um objetivo que é muito diferente da cultura que existia no Brasil. Agora, de uns dois anos para cá tem mudado bastante. E lá é uma cultura muito agressiva também. Lá tem capital sobrando, capital de risco sobrando, um app que envia “Yo” consegue 1 milhão de dólares. E isso trás uma aversão ao risco muito menor do que a que existe aqui no Brasil, porque lá se uma empresa falhar não tem problema algum, você consegue outro 1 milhão de dólares amanhã. Aqui no Brasil você não consegue 1 milhão de dólares fácil. Está ficando mais fácil, não é impossível conseguir investimento de risco de valores adequados. Aqui se tem uma aversão ao risco maior do que lá. E eu gosto muito da cultura de lá por conta disso, eles arriscam, fazem o negócio acontecer. E fazem rápido pra descobrir rápido que não vai dar certo. Aqui no Brasil não. Muita gente tenta postergar ao máximo o negócio “não vai dar certo, eu tenho fé, não vou desistir nunca”. Lá não, viu que não vai dar certo fecha logo a “bagaça” e vai para próxima. E é muito comum isso lá. É a forma deles pensarem. Na Europa também tem uma cultura, principalmente em Londres, Finlândia … Suécia nem tanto … Israel tem uma cultura legal também, mas lá eles são mais tranquilos. Não é uma coisa tão agressiva.

Marcos: Eu sou muito mais adepto dessa cultura da Europa do que dos EUA. O Ricardo gosta muito do Vale, ele foi pra lá para ver como era. Voltou meio louco. Mas lá na Europa, eu pelo menos me identifiquei muito mais com a cultura porque eu achei uma cultura mais tranquila. Olha, analisa o ambiente. É óbvio que não se perde tempo também, mas é uma coisa um pouco mais sustentável, na minha opinião. Mais sustentável não no âmbito do reúso de PET mas …. PET … garrafas PET [risos]. Tem a matéria [disciplina do Ciclo Básico] também se eu não me engano. [risos] Mas eles prezam muito mais essa relação humana, sabe, no Vale do Silício tem investidores, tem até uma série, chama SharkTank que é um monte de gente que vai lá, faz um “pitch” do produto e é tipo um “The Voice” das startups [risos]. O cara vai lá e fala “sua ideia é ridícula, tchau!”, ele tem cinco minutos pra defender a ideia dele. Não que essa cultura do “pitch” seja incorreta, enfim, não vou julgar uma cultura que já se estabeleceu, mas na Europa eles são muito mais focados em pessoas, em solucionar problemas. É uma coisa mais tranquila, eles pensam mais em colaboração. No Vale tem um pouco disso também mas eu acho que é uma cultura mais ácida, ela é muito mais assertiva no sentido de “você tem 1 ano pra fazer o seu produto render 5 milhões senão você está fora do mercado”. Na Europa é obvio que tem um pouco disso, mas é uma cultura mais de mentoria. Por exemplo: “eu tenho uma empresa, eu vou te ajudar a fazer com que em 1 ano a sua empresa renda 5 milhões, e aí juntos nós vamos construir esse caminho”. Não é tão lindo assim … o cara também quer ganhar dinheiro e tudo mais. Eu estou sendo bastante puxa-saco da cultura europeia porque eu gosto mais. Mas eu particularmente me identifico muito mais com o que acontece lá.

Nicolas: E você estava falando sobre educação … e aí entra a pergunta, vocês teriam interesse em fazer mais uma graduação futuramente? Alguma área de interesse?

Ricardo: Olha, eu tentei fazer mestrado, não deu muito certo [risos]. Eu terminei o curso de SI porque já havia começado. Não é um curso que eu tenha me identificado, isso não é segredo, mas me formei bem até, nunca cheguei a pegar uma DP, tinha uma boa média ponderada, mas na realidade eu não gostava. Eu não via como algo que eu queria fazer da minha vida, tanto que até hoje eu não atuo com desenvolvimento.

Thais: Mas você não pensaria em fazer algum curso como Administração, por exemplo?

Ricardo: Faria sim, mas o problema da graduação é que ela tem muita coisa legal, mas ao mesmo tempo tem muita coisa chata, e hoje eu não teria paciência para isso pois a Quantica toma 150% do tempo de todo mundo. Mas beleza, eu poderia, claro, arrumar tempo para fazer uma nova graduação, mas o tempo que eu dispenderia para realizar a mesma se traduz em tempo a menos que eu dedicaria para Quantica, e desenvolvimento a menos que a Quantica pode vir a ter por conta disso. Então, se eu tiver que priorizar entre graduação e Quantica, hoje é a Quantica, amanhã eu não tenho ideia. Eu pretendo sim voltar e fazer um mestrado, ou um MBA, também tenho muita vontade de fazer algum curso na área de empreendedorismo. Em Stanford existem algum cursos já focados no mercado, mas é tudo muito abstrato ainda e eu prefiro por enquanto não fazer planos com relação a isso.

Marcos: Eu também quero fazer algo sim. Eu deixei o mestrado, mas era porque o momento era muito ruim, o timing foi péssimo, estávamos em um ‘boom’ de crescimento da Quantica e infelizmente não rolava. Eu queria me dedicar, gostava do mestrado. Gosto muito de Inteligência Artificial, que era a área que eu fazia, inclusive, mas não rolou o “timing”. Eu quero muito fazer, não em empreendedorismo, mas é porque eu percebi a importância de muitas das coisas da tecnologia de que na graduação eu não fazia ideia de que eram importantes, e percebi quando eu efetivamente fui trabalhar com isso. Aulas como Engenharia de Software hoje fazem muito sentido. Sabe, a gente tem que ter um processo estruturado. É óbvio que não precisa uma coisa toda cheia de diagramas UML, mas ter algo estruturado ajuda a garantir que o trabalho saia bem. Você se sente melhor trabalhando, consegue orientar melhor a equipe, enfim, acho que um mestrado ou uma especialização são importantes também pra dar uma certa legitimidade, porque hoje, quando vamos para algumas reuniões, por mais que nossa empresa já esteja em posição muito diferente …a Sara e algumas pessoas ainda chamam a gente de “meninos” mas …nós conseguimos chegar em uma reunião e nos colocar como empresários, porém perguntam pra gente como é a nossa graduação, qual é a nossa formação, e algumas pessoas demonstram surpresa por sermos “apenas graduados”, é algo que pesa sim.

Ricardo: E está pesando, é algo que eu não imaginava que fosse pesar. Então o melhor é não parar de aprender nunca, isso é essencial. Não termine a graduação e pense que é apenas isso. E embora não estejamos matriculados e nenhum curso formal, a quantidade de eventos, cursos e palestras, cursos online e coisa que corremos atrás é grande. E é algo que inclusive nós tentamos trazer para a própria Quantica. Hoje em dia, qualquer pessoa que quiser participar de qualquer evento da área técnica, a Quantica paga metade. Inclusive o transporte se for fora de São Paulo, hospedagem, alimentação, ingresso… todas essas despesas no geral, tanto que no final desse mês, eu e mais dois funcionários estamos indo pra Belo Horizonte em um evento sobre Design de Interfaces. Vai ter o pessoal do GitHub, do G1, vai ser legal. Então a gente tenta valorizar muito isso.

Thais: E com quantos anos de idade vocês tiveram a ideia de fundar a Quantica?

Ricardo: Foi por volta de 2010, eu tinha 19 anos na época.

Marcos: Quando eu tinha acabado de entrar na graduação eu tinha 17 anos. Eu estava na sala em uma das primeiras aulas, não me lembro qual era, e o professor começou a contar a história do Pascal na sala e ele falou: “E aí Pascal inventou a calculadora com 17 anos, então vocês todos tem até os 17 anos para fazer alguma coisa que vai revolucionar o mundo”. Aquilo acabou comigo [risos], porque eu pensei: “Eu tenho até setembro, antes de fazer 18. Eu não vou conseguir mudar o mundo até lá”. E isso me deixou muito mal.

Ricardo: Mas vamos pegar a idade do Obama, a maioria dos professores que fala esse tipo de coisa deveria então ser o novo presidente dos Estados Unidos [risos]. Mas se naquela época eu falasse pra alguém que eu acreditava que quando eu tivesse 23 anos a Quantica estaria no porte que está atualmente, provavelmente me diriam que eu andei muito no sol ou bati com a cabeça no asfalto, porque jamais, isso não poderia acontecer. Mas eu digo que acontece, é muito intenso e tem uma coisa também: A Quantica é uma empresa pequena e é uma empresa de risco. Diferente de muitas empresas que já estão a décadas no mercado, mas ainda assim é uma coisa muito intensa ou tudo acontece muito rápido. E isso tem seu lado bom, mas tem o lado perigoso também, e a gente nunca pode esquecer disso.

Marcos: E a gente trabalha muito também. A gente trabalha 24 horas por dia. Eu acordo respondendo e-mail, vou pra empresa, trabalho, chego em casa, faço chamada via Skype, respondo e-mail, vou pra reunião quase todo dia… Então é uma rotina bem puxada. Não é simplesmente: “Ah, as coisas vão acontecendo e a gente está surfando numa maré de coisas legais acontecendo”. A gente também tenta criar oportunidades então é um trabalho bem puxado

Ricardo: Mas a parte boa é que você tem uma liberdade muito grande. Sim, você trabalha muito, mas ao mesmo tempo tem uma liberdade grande. Por exemplo: “Não estou com saco para trabalhar hoje, hoje eu sei que serei improdutivo”. Vai lá, resolve os assuntos urgentes e vai descansar. Por exemplo ontem, eu acordei morrendo de sono e mandei uma mensagem para o Marcos: “Marcos, eu vou dormir, me espera só no horário do almoço”.

Marcos: Ele me mandou essa mensagem às 6 horas da manhã [risos].

Ricardo: Igual quando fomos para a Finlândia. Não tínhamos nada planejado, a gente decidiu tudo com 30 dias de antecedência, passamos um mês na Finlândia, e beleza.

Marcos: E isso foi em uma chamada via Skype. Nós recebemos o convite para ir conhecer lá e topamos na hora. Mas mal sabíamos onde era a Finlândia [risos].

Ricardo: Então nós temos essa liberdade muito grande e é um trabalho mais flexível. O fato de ser flexível não diminui a pressão por resultados. Nós somos muito pressionados para entregar o produto, ser produtivo, e fazer um trabalho legal. Mas uma coisa é você ser pressionado em um ambiente engessado, outra coisa é você ter esse nível de pressão em um ambiente mais descontraído e mais tranquilo de se trabalhar, e um ambiente onde todo mundo se ajuda, não é um tentando puxar o tapete do outro porque no fim do ano o bônus só vai pra um. Nós não temos essa cultura, nós não tentamos criar isso e em Startups isso dificilmente acontece.

Danilo: Você falou que aplicou algumas coisas de engenharia de software, o Ricardo falou que nem gostou tanto do curso, mas o que vocês … além dessa modelagem de software … o que mais conseguiram levar do curso para a Quantica?

Marcos: A Sara. (risos) Brincadeira, é que a Sara…

Sara: É … de vez em quando eu vou lá comer paçoca!

Ricardo: É, a Sara já é… A gente tem paçoca, Sara passa lá!

Marcos: A gente comprou um fardo de paçoca.

Sara: Preguiça …

Ricardo: Preguiça… Olha só … a gente morrendo de saudades e ela está com preguiça.

Marcos: É, parece brincadeira mas é verdade, nós trazemos as pessoas que conhecemos … não necessariamente … quer dizer … algumas sim … para dentro da Quantica efetivamente, é bom estar cercado por essas pessoas. Mas, mais especificamente do curso, acho que a gente trabalha com desenvolvimento web e desenvolvimento web é uma coisa que a gente não vê em SI, então muitas das coisas a gente teve que adaptar. Então, bancos de dados, por exemplo, meu deus do céu, como é importante você entender como fazer um bom banco de dados.

Ricardo: Não, mas é verdade! E o pessoal não sabe a importância disso, aí faz um negócio e a gente muda toda semana, daqui seis meses aquele negócio está horrível, “tá uma caca”. Aí você tem que recomeçar do zero … e a maioria do pessoal não sabe que eles não sabem: Nós estávamos entrevistando um cara esses dias, embora a gente…

Sara: É, isso é muito importante mesmo, tem muita gente que não sabe, não conhece a sua ignorância…

Ricardo: É porque se a pessoa sabe…

Sara: E nós também temos isso, nós não sabemos o quão ignorante nós somos.

Ricardo: Exato, e se você sabe que você não sabe você corre atrás. Agora, se você não sabe… Ferrou. Esse cara … eu embora não programe eu entendo, eu fiz o curso, terminei… Voltando ao cara, nós começamos a conversar e começamos a falar dos programas que ele fazia, o que era deficiente e não sei o que… Em algum momento, fui conversar um pouco sobre complexidade assintótica … ele não conhecia o termo!!!! Ele nunca tinha ouvido o termo “complexidade assintótica”!!!!

Marcos: Não, ele não lembrava… não, não lembrava. Ele não conseguiu listar três algoritmos de ordenação. Ele citou o bubblesort, o único que ele sabia. E ele não tinha ideia disso, aí eu falei …

Pedro: E não é o melhor [o bubblesort]? [risos]

Ricardo: Aí beleza, vamos fazer uma questão aplicada, de repente ele não entende a teoria mas na prática ele sabe. Falei: “Você tem uma lista telefônica com um milhão de nomes e números, como é que você armazena isso pra fazer uma busca depois?” O cara pensou uns quinze minutos, não ia sair … a ideia dele era uma lista sequencial sem ordenação sem nada e fazer uma busca sequencial. Esse cara ia implementar o sistema? Fucionaria. Mas gente! Daqui a seis meses esse negócio estaria uma “caca” e o pessoal não tem ideia de que tem formas melhores de fazer isso, não tem ideia de que… A tecnologia ..meu, tem um poder muito grande e as pessoas não sabem usar isso de forma adequada e isso … na USP é muito bem trabalhado.

Marcos: Acho que isso é primordial, a tecnologia tem um poder muito grande, mas ela não resolve o problema, quem resolve o problema somos nós.

Ricardo: E essa lógica por trás … aí o cara vem: “Eu sei programar em PHP.” Tá! Não quero saber em que linguagem você programa. Me fala o que tem por trás disso, a linguagem você aprende, você pega um manual, você come esse manual no café da manhã e você vai aprender, é isso que é importante. Quando a gente fala que a gente contrata muita gente da USP é por conta disso, a USP traz essa base, e é importante. Tem empresa que não valoriza, tem empresa que você olha o sistema e é uma “caquinha”, mas uma empresa, para ser eficiente, ser flexível, fazer alguma coisa que realmente faz a diferença, precisa desses bastidores.

Marcos: IA [Inteligência Artificial], por exemplo, é uma coisa que pesa bastante, as técnicas de IA … os algoritmos, a parte de…

Thais: Só estão falando as matérias da Sara…

Ricardo: É… estratégia…

Marcos: Coincidência…

Ricardo: Engenharia de software, complexidade assintótica, busca… É que IA … todo mundo faz hoje o negócio padrão, mas se você quer fazer uma coisa realmente inteligente, uma coisa útil, você tem que começar a aplicar IA…

Marcos: Exato, nós estamos trabalhando, por exemplo, num projeto com o Banco Mundial. É um projeto que ensina empreendedorismo social para jovens de países subdesenvolvidos. E é uma plataforma toda gamificada e não sei o que, e tem uma parte de matching lá dentro que eu não fazia ideia…

Ricardo: Matching é recomendação.

Marcos: E eu não tinha ideia de que era um campo de estudo tão amplo, a parte de matching. Nós, óbvio, estamos estudando algumas coisas básicas agora só pra fazer matching um a um, mas tem muita coisa pra ser estudada, enfim, obviamente se a gente extrapolar tudo pode virar pesquisa, mas eu com certeza consigo usar a pesquisas feitas em universidades dentro daquilo, entendeu? Muitas das coisas que eu vi em IA, quando eu vi aquilo eu consegui relacionar.

Ricardo: E esse cara [voltando ao cara] só ia fazer um trabalho padrão, que não ia se destacar e beleza! Ia funcionar, mas pra Quantica, competitivamente, não era legal… E uma empresa no porte da Quantica tem que ser extremamente competitiva, isso é importante, isso é relevante.

Thais: Que ideias de ambiente de trabalho, e até de contratação, vocês trouxeram de fora ou de outros lugares que vocês conheceram?

Ricardo: Na Quantica hoje nós temos uma mesa que sempre tem comida [chocolates, frutas, café, doces e salgados]. Nós temos um gerenciador de tarefas internas e nele há um projeto que chama “lista de compras”. Todo mundo pode colocar o que quiser comer lá e então toda segunda-feira é feita uma compra para atender aos pedidos. A Pri sempre coloca Nutella, sempre, sempre, sempre. O Gabriel sempre coloca paçoca, e a gente vai comprando.

Sara: Ai que bom Gabriel, obrigada.

Gabriel: Não, mas já acabou já.

Ricardo: Sara, é quinta-feira, tem 11 pessoas, esse negócio voa.

Marcos: É o dia mais produtivo, é um pico de produção.

Sara: Eu tenho que ir lá na terça então?

Ricardo: Ou na quinta à noite, vai lá agora a noite, tem pizza! Toda quinta a noite é o dia da pizza, pizza de graça.

Ricardo: Nós temos uma TV de 46 polegadas, com Playstation 4 e um monte de jogos. Temos uma lista: “jogos que o pessoal quer jogar”. Nós não compramos todos porque cada jogo custa 200 reais. Mas… eventualmente nós compramos um ou outro e aos poucos o conjunto vai aumentando. Temos quatro controles do Playstation… Quase todo mundo lá trabalha com notebook, tudo desbloqueado, ninguém tem restrição de acesso, nós não ficamos monitorando: “ai, você está no Facebook enquanto você trabalha? Ops…” Não! O horário é relativamente flexível, não é horário esquizofrênico, mas… “Ah! Eu tenho compromisso pessoal tal dia”, …Beleza! Vai lá! Desde que não impacte muito no projeto, você tem essa liberdade.

Priscilla: Você disse que ia bloquear o meu Facebook.

Ricardo: Eu falo que é a escola Sudário de gestão, gestão de pessoas, as vezes eu chego lá com tesoura na mão… Então Pri, está vendo essa tesoura? É pra cortar o dedo de quem não entregou isso no prazo! Não, estou brincando… Um dedinho, não vai fazer falta não…

Priscilla: E eu vou programar como?

Ricardo: Ué, teclado virtual… Todos nossos computadores são novos, nós trocamos sempre os computadores, embora não estejam caindo aos pedaços, nós já vamos trocando, tentando manter atualizado… Você está doente? Só avisa, para nós não acharmos que você morreu no caminho, mas não precisa trazer atestado, nada… É bem tranquilo quanto a isso. Não tem hierarquia na Quantica, não tem departamentos e tem tal pessoa que é chefe, ou não sei o que… Obviamente, tem uma “certa” hierarquia: no final, se tudo der errado quem vai assinar um processo sou eu e o Marcos, então no final, a palavra final é nossa. Tem o lado bom e o lado ruim do negócio. Mas é uma hierarquia bem mais flexível e nós não achamos que as pessoas estão ali… nós não estamos pagando “macaquinho treinado” pra apertar tecla, digitar código e sair programa. Nós queremos gente que vai trazer boas ideias, é aquilo que eu falei de não pagar funcionário pela hora, e sim pelo valor que ele vai trazer pra empresa no fim do mês. E ninguém consegue ser criativo, ninguém consegue ser muito produtivo, se for num ambiente em que a pessoa não se sinta confortável, então você fala: “Eu vou ficar aqui, eu não vou estar trabalhando, em vez de ir pra casa eu vou jogar um pouco aqui porque…” Enfim, é divertido. Ou então: “Eu estou cansado pra caramba, eu não estou produzindo…” Na incubadora na EACH tem uma sala com colchonetes … “vou tirar um cochilo, vou jogar um pouco, vou parar e vou comer, vou sair e vou dar uma volta…” Não adianta forçar o pessoal a trabalhar que não vai sair nada legal.

Marcos: Exato, acho que uma das primeiras perguntas foi qual é o nosso… qual era a maior conquista que nós… alguma coisa assim. Nós falamos que era a equipe, e não faz sentido a gente falar: “Nossa! A nossa equipe é o nosso maior bem, a nossa maior conquista” E aí colocar todo mundo numa cadeira, bloqueia tudo, fala: “Não! Você tem que trabalhar das 7 da manhã até às 5 da tarde e não saia se não eu te dou um tapa!”.

Ricardo: Tem gente que tem horário, quem lida com cliente diretamente tem que ter horário, cliente ligou lá às 10 da manhã, não tem ninguém pra atender o telefone, o cliente está com problema num contrato alto… Gente, o cliente está nos pagando parater nossa atenção, então tem gente que tem horário sim, mas ainda assim é uma coisa não tão rígida.

Pedro:Mas, conforme a empresa vai crescendo, vocês vão dobrar a equipe de vocês.

Priscilla: Dobra a quantidade de jogos.

Pedro:É! Dobra a quantidade de jogos, vai ter que comprar mais um play 4! E aí essa hierarquia …

Ricardo: Não tem problema nenhum! Gente vamos pensar assim: Quanto custa um play 4? Custa 2500 reais. Quanto custa uma TV de 46 LED? 1500 reais. Custa 4000 reais ao total. É por causa de 4000 reais que eu vou deixar 10 pessoas insatisfeitas, 10 pessoas que não estão produzindo o quanto poderiam produzir? Se for colocar em termos financeiros no fim do mês, a perda de produtividade ao longo de seis meses é muito maior que esses 4000 reais que nós estamos gastando agora. Então isso não é caro, pensando em termos financeiros não é caro.

Marcos: É. E pensando na empresa crescendo… eu espero que a empresa cresça no mesmo número que os contratos. Não vai ser nenhum problema comprar um play 5 provavelmente.

Caio: O que vocês absorveram de outras plataformas de e-learning, por exemplo o Khan Academy, o Coursera? Vocês poderiam citar algumas referências pra gente?

Ricardo: O Gabriel, que cuida da nossa parte de Marketing, tem um mapa de concorrência que tem umas cento e poucas empresas que podem ser nossas concorrentes direta ou indiretamente, verificando grau de proximidade, grau de ameaça etc. Nós temos que conhecer tudo que existe no mercado, porque nosso usuário pode fechar um contrato com a Quantica ou com qualquer outra empresa. Quando a gente envia uma proposta de um projeto grande, o cliente verifica com outras empresas concorrentes se elas conseguem fazer esse mesmo projeto melhor ou não. A gente precisa saber o que nossos concorrentes estão entregando pra fazer melhor. E quando eu falo de “fazer melhor” não é em questão de custo, porque custo todo mundo consegue bater, o problema é a questão de qualidade, de valor agregado. Tem que ser aquele produto que você olha e fala “Sim, isso resolve um problema que ninguém resolveu ainda”. Tem produto que você usa e não se sente confortável e tem outros que você pensa “como vivi até hoje sem isso”. Então a gente acompanha tudo. A gente verifica o que é verdadeiramente útil, porque não adianta fazer um produto cheio de recursos e que os usuários só utilizarão 20% desses recursos.

Marcos: Eu acho que a nossa análise parte muito para o lado de o que as pessoas estão fazendo demais que a gente pode fazer de menos nas nossas plataformas. A lógica mais simples é: quanto mais coisas a plataforma tiver, melhor ela vai ser, porque aí todo mundo vai poder fazer tudo e tal. Essa lógica é quase venenosa, para um produto. Na verdade, o ideal é você simplificar o máximo que você conseguir, é você oferecer exatamente o que os clientes precisam e às vezes a propriedade emergente dessa relação entre o que a pessoa precisa e o que você ofereceu é uma coisa nova que ela nem sabia que precisava.

Ricardo: É uma coisa assim: todo detalhe tem que ser perfeito. Vamos cortar os detalhes então. Não adianta fazer um monte de coisa se você não vai entregar nada realmente muito bom. Nós preferimos entregar menos, só que muito bom do que cheio de coisa. O fundador do Waze, o Uri Levine, é de Israel e vendeu o Waze para o Google por um bilhão de reais. Deve estar bem de vida. Ele esteve aqui semana passada e numa palestra ele disse “O maior inimigo da startup é o perfeito. O bom demais já é suficiente.”. Não adianta você procurar a perfeição porque a perfeição muda amanhã. O bom demais é assim, para você sair do muito bom para o perfeito vai dar 80% de trabalho, então é questão de otimizar esses recursos para gerar o maior valor com o menor custo para a empresa em termos de volume de trabalho.

Caio: Isso sem contar a parte humana, né? Frustração…

Marcos: Ninguém quer uma cafeteira que dança o ragatanga [risos]. O que as pessoas querem é uma cafeteira.

Felipe [do PET-Mecânica]: Vocês são formados em Sistemas de Informação. Então, teoricamente, o produto de vocês, vocês sabem fazer e muito bem.

Ricardo: Sim.

Felipe [do PET-Mecânica]: Como vocês adaptaram não saber ser empreendedor para ser empreendedor? E como não saber … A gente não é formado em Administração nem em Economia, então a gente não sabe contratar pessoas, a gente vai meio no “chutômetro”. Então como é que vocês chegaram nesse modelo que vocês chegaram? Pura tentativa e erro? Fizeram um curso e se acharam empreendedores ou…

Ricardo: Quem me dera se fosse assim. Tivesse um curso “Seja Empreendedor em Três Semanas”.

Marcos: Do Instituto Universal [risos].

Ricardo: A parte de fazer… no começo, eu e o Marcos sempre colocávamos a mão na massa. Eu não programo hoje, não gosto, mas já coloquei muito a mão na massa e de vez em quando eu sento lá do lado de alguém e vamos fazer esse negócio dar certo. É raro, mas acontece.

Priscilla: No meu git, por exemplo…

Ricardo: O git da Priscilla…

Marcos: A Pri é a rainha de quebrar o git [risos].

Ricardo: Inclusive toda a parte de gerenciamento de estruturas da Quantica, todos nossos servidores, toda o nosso ambiente de produção roda na nuvem da Amazon. Quem gerencia, sou eu. Tem gente que colabora, mas eu que estou lá na frente todo dia.

Marcos: Eu acho que isso envolve muito aquela pergunta do primeiro ano. No primeiro ano nós tivemos que correr atrás de muitas coisas para suprir essas lacunas que nós tínhamos na nossa formação empreendedora. Inclusive, tem uma pesquisa da Endeavor que fala que setenta e não sei quantos por cento dos empreendedores tem dificuldades exatamente nesses aspectos técnicos que é justamente saber o que é o Plano de Negócios.Não precisa nem saber fazer, saber o que é,  é importante, sabe?O que é um Canvas, o que é um Pitch, é, como você estrutura um Plano de Negócios…

Ricardo: O que é um Plano de Marketing, como você estrutura o seu modelo de precificação, como você analisa a concorrência… Essa parte técnica, nós sabíamos fazer bem, modéstia à parte, a gente se virava. Trabalhar com gente dessa área era mais fácil porque a gente sabia avaliar isso. Esse outro lado, essa parte de mercado, essa parte de Marketing, Vendas, Administrativo, Financeiro a gente não tinha ideia. Se nós pegássemos alguém que soubesse fazer, nós não conseguiríamos avaliar se está bem ou se não está bem. Seria uma coisa muito complicada, então é correr atrás, com a cara e com a coragem, conversar com o máximo de pessoas que for possível, na cara de pau mesmo. Chegando em eventos você vai trocando ideias, faz amigos que tenham proximidade grande com departamento de Marketing de outras empresas e pergunta como é que faz tal coisa, como é que isso foi feito.

Marcos: Pega gente que já falhou, miseravelmente, nas áreas que você precisa ver como funciona, por exemplo. É o melhor tipo de benchmarking que existe. Você vê alguém que falhou miseravelmente no plano de marketing, aí você chega e fala “Mas porque que você falhou?” e aí você vai saber o que não fazer. É um ótimo começo.

Ricardo: Exato. Então é essa coisa de ver na prática, conversar com as pessoas. E na internet hoje em dia, tem tudo, tem tudo de todas as formas. Tem muita coisa boa e muita coisa ruim, mas a hora que você começa a ver isso na prática e você começa a ver nas outras empresas o que funciona e o que não funciona, você começa a ser capaz filtrar o que tem na internet. E isso vai ajudando muito, até hoje, o Google é meu pastor e nada me faltará. Vai funcionar dessa forma. E… mas foi isso. E o curso de Sistemas de Informação tem um pouquinho, bem pouquinho, de administração, economia, contabilidade, tá longe de ser o suficiente, mas dá uma ideia de por onde começa.

Nicolas: Uma opinião minha, é que dentro da USP-Leste, eu pelo menos sempre percebi um clima de empreendedorismo grande lá dentro, por causa de palestras que são realizadas, aulas relacionadas nessa área (ministradas pela Luciane). Então eu particularmente acho que tem um clima que influencia, que motiva também, né?

Ricardo: Você entrou em que ano?

Nicolas: Entrei em 2012.

Ricardo: Ah, você entrou na era dourada. De 2008 até 2010 não tinha praticamente nada disso.

Marcos: É, não tinha nem trem [risos]. É que eu acho que isso foi um ambiente que foi se compondo né. A Luciane, óbvio, teve uma participação enorme nisso, um monte de outros professores também, mas vou falar da Luciane com qual a gente tem contato mais próximo dessa área.

Ricardo: Um fato legal que a USP-Leste proporciona é essa questão de interdisciplinaridade. Todo mundo reclama, todo mundo xinga o Ciclo Básico. “Por que eu vou fazer Arte e Literatura e Cultura do Brasil?”. Eu gosto. Esse fato de ter um curso de Marketing dentro da universidade, você ter acesso aos alunos de Marketing. E antes de estruturar melhor a área de Marketing da Quantica, acessei uma série de professores. “Eu quero ter uma visão acadêmica, teoricamente qual é o jeito mais bonitinho de ser feito” é assim, fui lá, conversei, troquei ideias. Tem uma professora com quem eu comecei a conversar às onze e meia da noite de uma sexta-feira e a gente saiu do telefone duas e meia da madrugada. Coitada. Em minha defesa, ela me ligou [risos]. Eu mandei uma mensagem “me liga quando você puder”. Ela me ligou, onze e meia da noite.

Marcos: Eu mandaria um SMS com “www.netflix.com” [risos].

Ricardo:  Primeiro eu aprendi toda a parte teórica, a parte bonita. A parte bonita é assim, a parte em que muitas vezes quando você coloca na prática, você distorce muita coisa, você passa por cima de muita coisa, você fala “huuumm, não está elegante essa solução”, mas funciona. E aí depois eu conversei com uma série de amigos meus que trabalhavam em Marketing em empresas tanto no Brasil quanto fora do Brasil, principalmente.Marketing aqui no Brasil está patinando em startup. Aí eu vi na prática como é que isso funcionava. Então essa visão que a EACH proporciona, ajuda muito.

Marcos: É, eu acho que essa interdisciplinaridade é boa não só para formar empresas, mas para resolver problemas dos consumidores. É só tomar (acho que a gente não precisa nem ir muito longe) o Gabriel, por exemplo … de Gestão Ambiental … trabalha em Marketing na empresa.

Sara: Conta essa história!!!!!

Ricardo: Gabriel vai, você conta.

Gabriel:Eu sou da área de gestão ambiental, já tive três experiências em estágios, uma com o setor público, e outras duas em empresas do setor privado. Cheguei a trabalhar com um pouco de comunicação no primeiro estágio, eu era da prefeitura, e eu defendia processos. E eu sempre percebia: “se a gente defender o processo dessa forma, isso poderia ser melhor, ter um argumento melhor para o processo administrativo em si”. Esse foi o meu primeiro foco do segundo ano do curso. Ao longo do curso, eu fui percebendo que faltava muito da parte empresarial, isso na questão ambiental. Algumas coisas me desanimaram, não era bem o que eu queria, até que lá pelo meu terceiro, quarto ano, depois de ter passado por experiências bem administrativas, nada relacionado ao que eu pensava do curso, lá no meu final do terceiro, quarto ano, pensando em fazer o meu TCC, não sabia o que fazer. Eu tinha uma bagagem muito grande na parte de comunicação, gostava muito de uma matéria de administração que falava sobre marketing, marketing ambiental, marketing verde, essa parte de comunicação de empresas. Conversando com professores, conversando com muita gente, eu decidi o meu tema de TCC que foi Análise de Propaganda. Para essa Análise de Propaganda, eu que sou da área ambiental, tive que conhecer todo o marketing envolvido:fundamentos de marketing, fundamentos de administração, comunicação, teorias, preço, prazo, promoção, propaganda, tudo. Então foi um esforço pessoal, eu fiz para me desenvolver. Até então era um ramo que não tinha nada a ver com a minha carreira profissional, inclusive os meus pais ficaram bravos comigo. E as coisas foram acontecendo assim até que eu cheguei e disse “não é o que eu quero”. Gestão ambiental é interessante, mas trabalhei dois anos na área e não é o que eu quero. Comecei a conversar com muita gente: “o que eu faço? Será que eu devo fazer outra graduação?”. Cabe até a pergunta que vocês fizeram, outra graduação? Eu tenho 23 anos também, e com 23 anos, você se vê formado como 27, 28. Com 27, 28 anos você acha que quatro anos para se perder com outra graduação é muito tempo e você poderia estar se especializando em outra coisa. Conversei com a minha orientadora de TCC, ela foi muito importante nessa hora, conversei com amigos, conversei com outros professores, enviei muitos emails porque, querendo ou não, era o meu futuro, e presente, e até que cheguei a conversar com o Marcos. Eu estava muito infeliz em uma consultoria ambiental, estava tentando levantar projetos de comunicação e marketing dentro da empresa, mas eu era estagiário, então eu não faria nada. A gente era uma consultoria de grandes empresas relacionadas à gestão ambiental mesmo, e falei: “poxa, por que a gente não divulga isso? Por que a gente não atrai ainda mais clientes? Por que depender desse boca-a-boca?”. Só que eu conversei com a chefe e ela falou: “ah, não dá”. Eu pensei: “poxa! Se eu tivesse o poder eu faria isso”. Até que um dia, eu conversando com o Marcos, a gente se aproximou porque a gente gostava de filmes, e a gente estava pensando em ter um projeto juntos de filmes, porque eu gasto muito tempo com projetos paralelos, eu faço bicos de cabine de imprensa, como jornalista e tal, faço coisas paralelas, eu sempre gostei muito desse tipo de coisa de comunicação, de mostrar a sua opinião, mostrar o que você tem para se vender. Um dia, conversando com o Marcos, ele falou: “esse vai ser o foco da nossa empresa para o ano que vem. Venda-se. A gente tem um produto, a gente está desenvolvendo esse produto. A gente precisa ir além desse boca-a-boca. Nós precisamos de uma pessoa que queira muito não só estar colocando em prática, mas se desenvolver”. Aí eu falei: “sou eu, mas claro que não.” Aí um dia ele chegou e me mandou onze e meia da noite uma mensagem dizendo: “sabe, eu acho que seria legal se a gente conversasse”. Aí eu falei: “não, mas a gente está conversando”, aí ele: “não, não, queria saber um pouco mais”. Sentamos eu, Marcos e Ricardo numa conversa da qual eu não esperava nada, e realmente não aconteceu nada (risos). Mas nós nos conhecemos um pouco melhor, vimos os perfis, e sinceramente, eu não estava esperando nada, eu sei que era uma conversa, eu pensei: “como é que duas pessoas superimportantes e super ocupadas vão estar despendendo o tempo delas para mim?”. Eu na época era só um estagiário, e acabou que eles me chamaram para uma segunda conversa, e eu pensei: “poxa, devo ter contado piadas engraçadas!” (risos). Eles me disseram: “o seu perfil é um perfil que nós gostamos aqui na Quantica”, e eu falei: “ah, legal” (risos). E eles disseram: “e o foco que nós temos aqui na Quantica hoje é um foco que nós queremos que você também tenha, que é um foco de correr atrás e se desenvolver, e pelo o que você falou, você está muito interessado em aprender marketing”. O marketing, querendo ou não, eu aprendi no desenvolvimento do meu TCC. Além do básico que eu sei, tenho acesso a todo o material de graduação de marketing, já li algumas vezes, muitas para me desenvolver, para o meu TCC também, porque você não pode sair do nada. A partir disso eu falei: “poxa, interessante essa proposta, mas e aí, você não acha arriscado? E o risco que vocês estão tendo? Porque até então, esse é um projeto pessoal, eu estou pegando a minha vida, cinco anos, contando o estudo para o vestibular, e estou mudando o rumo. Querendo ou não, se eu fosse fazer uma pós, eu estaria desviando um pouco, mas eu estou fazendo uma quebra brusca nisso, levando em consideração não só meu estudo na universidade, mas sim o meu lado pessoal. O que vocês acham?”. A gente sentou e conversou e eles disseram: “vamos fazer dar certo”. Eu passei alguns meses, de outubro até mais ou menos fevereiro elaborando toda a base, tentando entender toda a base, sobre o que os clientes querem, o que o desenvolvimento exige, o que o Ricardo e o Marcos como fundadores e como organizadores disso tudo esperam, querem e precisam. Querendo ou não, foi bem custoso, porque para mim, já deixava de ser uma coisa que eu gostava, para mim estava num patamar bem mais responsável, seria uma coisa além do pessoal e também profissional. E em uma conversa que tivemos logo no início desse ano, Ricardo e Marcos falaram: “o foco desse ano é vendas, o trabalho é seu. Então nós te damos todas as possibilidades, tudo o que você precisar você vai ter aqui. Acesso a aulas de marketing, caso você precise, você pode ser ouvinte, sem precisar se matricular, então, boa sorte”. Com esse suporte incrível, as coisas estão acontecendo. Passo a passo. Agora é melhor o Ricardo falar dos resultados que tivemos até aqui, porque eu já falei demais.

Ricardo: Mas foi exatamente isso, não vou nem falar o outro lado do processo de contratação porque pra gente também foi complicado, mas é igual eu falei, a gente não contrata ninguém pelo perfil técnico, mas sim pelo perfil comportamental, e o perfil comportamental dele era um perfil que a gente estava precisando naquele momento, mas o processo de contratação da Quantica é complicado, a gente não analisa currículo. Você (Gabriel) chegou a mandar currículo?

Gabriel: Sim, eu mandei.

Ricado: Mas eu nunca vi, eu acho.

Gabriel: Eu mandei porque o Marcos pediu.

Marcos: É… eu peguei e arquivei.

Ricardo: Então, nós não trabalhamos com currículo, nós trabalhamos muito mais “o que a pessoa faz? O que é importante para ela? O que ela valoriza? O que move essa pessoa?” Então, se a gente sabe o que move essa pessoa e a gente vê que a Quantica tem condições de continuar movendo essa pessoa, vamos embora (pra frente). E se a pessoa gosta de trabalhar com marketing por hobby, provavelmente ela vai gostar de trabalhar como uma profissão mesmo, com uma coisa mais séria nesse sentido. E o trabalho foi excepcional, não adianta nós falarmos: “toma, o trabalho é seu”; e não dar as condições para que isso aconteça. Se alguém disser “quero fazer um curso X de marketing, vai custar tanto”, não tem problema, a Quantica paga uma boa parte, a gente vai conversando e vai acertando para se desenvolver. E, até então, o nosso foco era construir um produto que os usuários querem, e fazer um produto que todo mundo queira usar. A parte de vendas … a gente era sustentável financeiramente, não era esse o nosso foco. Mas para esse ano a gente viu que a gente já tinha um produto bom, então vamos vender esse produto de uma forma mais incisiva. E foi para isso que o Gabriel entrou e é nisso que a gente está trabalhando, no desenvolvimento que vai acontecendo aos poucos, não é da noite para o dia, “estamos nos matando de vender”, mas de fevereiro/março para cá, a gente amadureceu muito o nosso processo de vendas, o nosso plano de marketing está muito mais concreto, antes era uma coisa rascunhada, rabiscada, agora está mais sólida, o nosso modelo de precificação está mais sólido, e nós estamos vendendo de forma excepcionalmente bem, nós estamos vendendo até o que não estava a venda. Estou falando sério. Tinha um produto nosso lá que não estava a venda, o Gabriel esteve conversando com alguns potenciais clientes e percebeu que esse produto era muito mais adequado para o perfil. E o cliente disse “não tem problema, eu quero comprar.” E a gente já está negociando em cima disso, e a gente fala que a gente não coloca um produto no mercado se pelo menos 70% das pessoas que a gente mostra não tiver uma reação tipo “… isso é muito “da hora”! Como é que eu sobrevivi até hoje? Onde eu me inscrevo? Eu quero muito usar isso.”. Se a pessoa olhar e falar “ah, legal” e ter uma reação dessas, a pessoa não vai usar, ela não vai abrir a carteira para pagar por esse produto. Até então, a gente tem tentado chegar nesses 70%, e agora na forma de entender, e tentar chegar nesses clientes. É difícil, você pode ter um ótimo produto, se ninguém conhece você não vende. Então essa parte segurou muito. Hoje o nosso índice de clientes interessados está alto, embora não seja um valor numericamente alto. A gente não quer começar de uma vez, a gente começa aos poucos, aceleramos aos poucos, e já está muito maior do que a gente esperava. A taxa de ativação de usuários que entram como potenciais usuários e que realmente assinam contrato está altíssima, muito maior do que a média do segmento, e tem trazido resultados bons. Não é nem formado em Gestão Ambiental ainda, não tem uma base formal (sobre o Gabriel), mas fez um trabalho excepcional na Quantica.

Geraldo: Vocês já citaram, por cima, mas vocês podem explicar um pouco melhor como é o processo de contratação, se é por processo seletivo, indicações, se vocês só pensam nisso quando veem que a equipe está precisando ou quando tem um serviço que demanda mais, ou algo para alguma empresa que demanda mais serviço?

Marcos: Uma coisa que a gente não tem na Quantica é vaga. Por exemplo, agora, nós não temos 50 vagas abertas. (…)

Ricardo: A gente não trabalha com esse conceito de “temos três vagas em aberto que precisamos preencher”. Nós estamos sempre com o radar ligado, sempre conversando e vendo pessoas. Esse fato de querer o perfil torna nosso trabalho muito mais difícil porque se abrimos vagas, recebemos currículos e preenchemos aquela função técnica. O problema é que a pessoa não se adapta, não entra na nossa cultura, não veste a camisa da empresa e fica uma coisa desinteressante lá dentro, uma coisa que não flui. A gente não olha currículo; o que a gente valoriza muito são os projetos pessoais, por exemplo. Nós temos na cabeça que se a pessoa faz aquilo por prazer imagina o que ela vai fazer se a gente pagar. Então a ideia é isso: se a pessoa gosta daquilo, ela realmente se destaca naquela área, a gente percebe que ela tem um interesse de trabalhar muito naquilo, de fazer o negócio acontecer porque ela está disposta a vestir a camisa e crescer junto com a empresa, esse é o perfil que nós precisamos. Nós tentamos manter a equipe o mais enxuta possível, com mais pessoas nem sempre a produtividade aumenta. O nosso foco é aumentar a produtividade de quem já está lá dentro, porque se aumenta a produtividade, nós passamos a ganhar mais e passando a ganhar mais, podemos passar a pagar mais. Então a ideia é valorizar quem já faz parte da equipe, dar a melhor condição possível pra que todo mundo se desenvolva. Depois é que nós colocamos pessoas externas, se nós percebermos que não tem condição com a equipe atual. Um exemplo de necessidade de contratação foi Marketing. Eventualmente projetos maiores precisam de mais um desenvolvedor, então analisamos dentre os desenvolvedores que conversamos no último ano, quem tinha um perfil bom e verificamos se os possíveis candidatos estão trabalhando ou não e, em caso positivo, se teriam interesse de migrar para a nossa empresa. Não utilizamos dinâmicas e outros métodos convencionais de contratação; procuramos valorizar perfis, valorizar pessoas que fazem coisas além da média, como participar de grupos PET, diretórios acadêmicos (como o DASI), Empresas Jr etc. A contratação, portanto, é muito baseada no perfil e na conversa.

Mateus: Vocês têm algum plano de interação do curso de SI?

Ricardo: No curso de Sistemas de Informação, plano concreto agora não. Nós temos um plano que estava sendo aplicado lá na USP-Leste, com excelentes resultados, que é um grupo de alunos com potencial empreendedor altíssimo. Nós pegamos toda a experiência de rede de alunos em Stanford University, nos Estados Unidos, e na Aalto University, na Finlândia, vimos o que deu certo, vimos que eles também partiram do zero, de forma semelhante ao que acontece com o Empreendedorismo na USP, que é algo complicado e com pouco auxílio, se comparado a outras universidades. Sem detalhar o processo ocorrido na Aalto University, o resultado do projeto foi fantástico. Eles começaram em um local, um galpão vazio, cedido pela universidade, mas sem nenhum apoio quanto à organização e limpeza por parte da universidade e o usaram como sede. Hoje a sede é fantástica, uma sede enorme; eu trabalhei lá e eles foram muito receptivos. Eu não conhecia ninguém, falo inglês com sotaque brasileiro, nunca morei fora para aperfeiçoar o inglês e todos eram muito amigáveis. Os finlandeses tinham muito interesse em conversar conosco e com outros alunos para entender a cultura do projeto e levá-la para as empresas. Nós tentamos reproduzir essa cultura aqui no Brasil. Com o grupo de aproximadamente 10 pessoas, realizávamos  semanalmente um bate-papo, uma conversa bem descontraída, na qual eram trazidos empreendedores de referência aqui no Brasil para um bate-papo. Estamos tentando construir essa rede lá dentro da EACH, da USP, porque acreditamos que a Universidade tem potencial. Um dos alunos que começou lá foi finalista em um programa chamado Liga dos Campeões da Endeavor, uma das maiores instituições do Brasil que fomentam Empreendedorismo, e venceu, recebendo um ano de mentoria da Endeavor, o que foi essencial pro crescimento que a empresa dele vem apresentando. Esse mesmo aluno foi selecionada para o programa SEED do Governo de Minas Gerais, que é um programa de aceleração financiado pelo governo do estado, sem necessidade de retorno do investimento recebido, que coloca a empresa em uma aceleradora, fornecendo toda a estrutura necessária. A empresa dele surgiu através desse período na incubadora e foi amadurecendo lá. Nós acreditamos que tem potencial de surgir empresas de alto impacto dentro da universidade e estamos trabalhando para concretizar isso. Só que com o campus fechado, todo mundo ficou muito disperso e dificultou a continuidade do projeto. Especificamente ao curso de SI, não temos nada concreto e não pretendemos influenciar muito dizendo o que fazer ou não. Mas se você tiver algum projeto interessante, pode enviar pra gente um texto resumido e objetivo para que a gente analise se pode ajudar de alguma forma.

Marcos: Complementando o que o Ricardo falou, para nós é tão interessante estimular tanto SI, quanto Marketing, quanto Gestão Ambiental, quanto Moda, enfim, todos os cursos da EACH. Todos os cursos têm um grande potencial de geração de Empreendedor, geração de negócios, geração de solução, então estamos abertos a apoiar qualquer tipo de projeto, qualquer tipo de solução dentro das nossas possibilidades. Nós somos realmente bastante ocupados e isso dificulta sabermos de todas as notícias de todos os cursos, mesmo com as redes sociais facilitando o acesso e disseminação de informação e notícias.

Ricardo: Acreditamos que temos uma dívida muito grande com a USP, não só uma dívida financeira relativa às nossas próprias graduações e à incubação da universidade, quanto uma dívida quanto a toda a rede de contatos e oportunidades que a USP nos proporcionou. Por isso, muitas vezes tentamos dar algum tipo de retorno, pagar como podemos, fornecendo partes de alguma plataforma da qual a universidade precise mesmo sem haver verbas para a criação dela, por exemplo. No que pudermos ajudar a USP, ajudaremos.

Thais: Sobre a incubadora da EACH, vocês foram a única empresa que deu certo ou houve outras com o mesmo nível de sucesso de vocês?

Ricardo: O processo todo foi da seguinte maneira: abriram um edital interno, divulgado somente na EACH e aproximadamente 40 empresas se candidataram; dessas 6 foram aprovadas e das 6, 3 sobreviveram. Não sabemos muito exatamente o estado das outras duas, mas sabemos que pelo menos uma delas estava pequena, mas estabilizada. A taxa de sucesso de empresas em incubadores e aceleradoras é em torno de 3%, então o índice da incubadora de EACH foi bastante alto, na verdade.

Thais: E não abriu nenhum outro edital desde então?

Ricardo: Não, porque com essa interdição não tem como.

Geraldo: Por experiência própria e pelo o que vocês conheceram até agora de Empreendedorismo, qual é o momento de um aluno pensar, tomar a iniciativa de iniciar um startup, mas de forma consciente de que isso não vai prejudicar sua graduação, na sua formação?

Marcos: Acho que ontem.

Ricardo: Eu ia falar agora, mas ontem parece adequado.

Marcos: Eu acho que o aluno que só estuda e não participa ou executa nenhum projeto a parte, eu ouso dizer que ele é praticamente obrigado a empreender, porque esse aluno tem tempo disponível e não o está aproveitando.

Ricardo:Nós temos que parar de focar nesse preciosismo de currículo escolar, não tem necessidade de obter 9.9 em todas as matérias, o importante é aplicar o que você está aprendendo.É importante fazer um bom curso sim, façam um bom curso, mas apliquem o que vocês aprendem no curso na prática.

Marcos:E outra: empreender não é abrir uma empresa necessariamente. Empreender é desenvolver projetos, solucionar problemas, é olhar o mundo de uma outra forma, entendeu? É olhar para essa garrafa aqui e falar “o design disso não me favorece. Como é que eu poderia melhorar?”. É você olhar pro lugar onde você mora “tem um prédio aqui caindo aos pedaços e poderia ser usado para uma coisa X. Por que eu não posso fazer alguma coisa? ”. É ter um celular e pensar “eu poderia ter um app que, por exemplo, me mostra onde meus amigos estão a todo momento”.

Ricardo:Quando você é aluno, você não tem obrigação de dar certo. Se você não tem funcionários que dependem que a empresa dê certo no final do mês, não tem obrigação de dar certo. “Estou me comprometendo muito?”, encaixota o projeto e vai fazer outra coisa da vida. Tem um projeto muito legal que tinha na EACH, que eu era cliente pra caramba dele, que se chamava “EACHSeuLanche”…

Marcos:Era uma página do Facebook…

Ricardo: A cantina da EACH era muito ruim, tudo gorduroso e caro. Tinha um monte de gente vendendo sanduíche natural, brigadeiro, trufa, um monte de coisa, só que você nunca achava nenhuma dessas pessoas. As pessoas te achavam. Tinha um cara que fez uma página do Facebook onde ele divulgava todos os produtos, divulgava o preço, divulgava o telefone da pessoa e mais ou menos os locais em que ela estaria. E ainda fazia promoção. Gente, era muito útil. Eu que ficava da EACH das 7 da manhã às 10 da noite, eu não aguentava mais aquela cantina e eu não podia mais usar o bandejão porque eles se recusavam a vender pra mim mesmo pagando 12 reais no bandejão.

Thais: Por quê?

Ricardo: Porque só pode vender 10 por dia.

Marcos: Sabe o que era interessante nesse projeto “EACHSeuLanche”? Ele começou pensando “eu vou indicar onde as pessoas estão”. O que ele não previa é que ele ia gerar um processo para as pessoas que vendiam a comida no campus. Porque na página elas postavam “eu posso estar no lugar A e no lugar B de tal hora até tal hora” e isso aumentava o número de pessoas que iam lá comprar.

Ricardo: E principalmente dava insights sobre o que as pessoas querem comprar. Como elas querem pagar? Tem alguma coisa que eu não estou oferecendo e que há demanda? O que o cara gastou? Nada. Ele criou uma página no Facebook, tempo e muita sola de sapato pra ir atrás desse povo convencendo todo mundo a se colocar naquela página do Facebook. Porque é o problema do ovo e da galinha: porque a página só teria gente anunciando se tivesse muita gente comprando e só teria muita gente comprando se tivesse gente anunciando. Então ele ralou pra fazer o negócio equilibrar. Cresceu muito, mas aí ele descobriu que queria fazer outra coisa da vida, relacionada a drones e alguma outra coisa. Então a página não deu certo, mas a experiência que ele teve de lidar com pessoas e entender um problema concreto num campo sem gastar nada, é fantástico.

Marcos: E ele acabou de fundar uma loja online.

Ricardo: Não sabia. Mas gente, não custa nada isso.

Caio: Então eu gostaria de fazer uma última pergunta para encerrar. Eu queria saber quais são as dicas que vocês podem dar pra quem quer empreender

Ricardo: Errar bastante. É sério, não tenha medo de errar. Vai com a cara e com a coragem. Começa. “Não sei, não vai dar certo”. Sai da zona de conforto e para de demorar. “Aí semana que vem eu começo”. Demora é uma forma de defesa e é nocivo quando você quer empreender. Vai agora, com a cara e com a coragem e faz o negócio do jeito que dá, éaos trancos e barrancos que você vai aprendendo. Você vai errar muito, mas faz parte do processo.

Marcos: Converse com muita gente que empreende também. Parece que não, mas é superimportante. Quer dizer, acho que parece porque a gente já falou um milhão de vezes, mas é superimportante conversar com pessoas que empreendem primeiro porque você vai ter uma ideia de como começar. Porque acho que o grande problema é a ignição para você realmente sair do zero e ter alguma coisa e aí depois disso o processo é quase natural, ladeira abaixo. Ladeira abaixo no bom sentido [risos]. Ladeira acima é mais difícil.

Ricardo: E principalmente pra quem é da área de SI: esquece produto, esquece sistema, esquece a parte técnica. Esse é um meio, um apoio pra fazer o negócio dar certo. O importante é fazer alguma coisa que as pessoas querem.

Sara: Eu falo para os meus alunos de IA: código é importante mas não é tudo e não é suficiente. Mas os alunos querem porque querem ficar só no código.

Ricardo: Código você terceiriza pra Índia.

Sara: E aí me crucificam porque eu faço análises e peço que análises sejam feitas.

Ricardo: Mas é isso! Se diferenciar é fazer o que as pessoas querem e esquecer o código. Se vai trabalhar com sistemas, faça um negócio muito mais inteligente. Terceiriza para a Índia se for o caso.

Marcos: Não, não terceiriza. Se colocar nessa parte do usuário é bem importante também.

Sara: O Caio já estava encerrando, certo Caio? Até porque vocês tem aula e tem que jantar. Mas tem uma coisa que eu queria falar pra vocês. Eu gostaria de dar um testemunho no sentido de dizer que o Ricardo e o Marcos estão onde eles estão porque ralam MESMO. Não é essa coisa de dedicar algumas horas por semana ou as 8 horas por dia. Em um dos primeiros projetos que eles desenvolveram, um no qual eu estava envolvida, fazendo um meio de campo entre o pessoal de tecnologia e de desenvolvimento e o pessoal de humanas, teve uma entrega que esses meninos precisaram fazer que foi peculiar. Aliás, foram duas que eu me lembro bem. Uma delas eles ficaram desenvolvendo… tinha que entregar/colocar no ar a plataforma meio-dia … não sei, era alguma coisa durante a manhã, não me lembro exatamente … e eram 5:30 da manhã … eu estava acordada (mas pra mim isso também não importa muito né? Vocês sabem que eu tenho o horário invertido) acompanhando os dois desenvolvendo. Eles, cada um em sua casa, e eu na minha casa. Cinco horas da manhã eu virei pro Marcos e falei: “Marcos, esse menu está horrível”. O Marcos … deu um troço nesse menino que eu não sei o que foi … que ele criou um menu, que em termos de design e funcionalidade, considerando a forma como funcionava a plataforma ….ficou perfeito. Até hoje está lá né? O cliente desse projeto era uma pessoa muito exigente.

Ricardo: Exigente, mas ótima pessoa.

Sara: Exigente, mas como ela não era da área de tecnologia, para ela não importava se o código estava bem desenvolvido ou não, se o banco de dados estava normalizado ou não, se as coisas estavam acopladas ou não, coesas ou não. Ele não estava nem aí. Ele queria uma interface bonita. Queria uma interface que funcionasse, e que fosse bonita. E eu acompanhei os meninos nesses três dias finais de desenvolvimento … e vi que duas horas antes de colocar a plataforma em produção o Marcos criou esse menu e depois que ele pôs no ar ele foi dormir. Bom, aí não sei o que aconteceu, o Ricardo ligou reportando um outro problema. Enfim, só sei que um foi dormir e o outro acordou porque deu problema e nós tivemos que nos comunicar por algum motivo. E só o Marcos sabia resolver o tal problema, mas ele tinha ficado até às 6 da manhã e tinha acabado de ir dormir. Enfim, essa história deles não é uma coisa só legal e bonita de se ver e dizer “ah, que legal, o Marcos é legal e o Ricardo é legal e deram certo”. Eles ralam muito, muito mesmo. Esse foi um caso. O outro foi daquela vez que vocês foram para Brasília…

Ricardo: A gente foi para Brasília…

Sara: E tinha também que fazer uma entrega né? E aí enfim, eles estavam fora do local de trabalho, ralando no hotel, fazendo o que tinha que fazer. Então, só consegue mesmo perceber o quanto eles trabalham quem acompanha. Eu acompanhei, hoje já não acompanho mais, … cansei, não acompanhei o ritmo … 🙂 . Deixa eles trabalhando. Cansei de ficar até às 6 da manhã acordada. Mas só acompanhando de perto para ver o quanto eles se dedicam.

Thais: Eu acho que é disso que eu tenho um pouco de medo, de empreender, porque dá muito mais trabalho. Minha mãe teve um lava-rápido um pouco antes de eu nascer. Ela trabalhava que nem uma louca. É absurdo porque todos os problemas você que vai resolver. Você pode até ter um funcionário dedicado e tudo o mais, mas é seu né? Você que vai ter ir lá e acordar às 6 da manhã e dormir às 3 e é você, sempre você e só você.

Ricardo: Mas dá trabalho, mas é como eu falei no começo: quando você está cercado de pessoas que realmente colaboram, que entendem e se preocupam em fazer o negócio dar certo, fica mais fácil. É o seu estímulo.

Marcos: E acho que o maior trabalho que a gente tem hoje é trabalhar para não termos tanto trabalho. A gente tentar melhorar cada vez mais os nossos processos, o modo como a gente desenvolve, otimizar o nosso processo de vendas para que a gente consiga não precisar necessariamente ficar trabalhando até às 6 da manhã. Obviamente aconteceu mais umas 15, 16 vezes…

Ricardo: Acontece com frequência.

Marcos: Mas acho que faz parte. São pequenos sacrifícios até, comparados a todo o ganho, ganho pessoal mesmo. De estar motivado todo dia, de gostar muito do que eu faço, então são pequenos sacrifícios.

Thais: Vocês têm uma empresa que deu certo. Só isso eu acho que é fantástico.

Sara: (Contando uma historinha) … Legal Thais, é você estar em Nova York, de férias, e você encontra o seu aluno, recém-formado, que está lá a negócios. Aí você está lá  conversando com ele e de repente, ele recebe uma ligação. E você fica sabendo que ele só tem 10 dias pra ficar ali porque ele tem uma reunião marcada em Washington. Isso que é legal. É isso que professor quer ver e poder acompanhar. Eu tenho o maior orgulho de falar do Marcos e do Ricardo para qualquer outro aluno meu, ou qualquer outro professor, enfim, porque é bonito ver. A gente sabe que 99% do que eles conseguiram é por conta deles. Acho que 1% é influência do curso, de um professor ou de um amigo. É muito deles isso, é muito bonito ver. E quem sabe…  A gente quer ver vocês assim em situações similares …Não precisa ser no mesmo tipo de situação. Pode variar um pouquinho. Pode ser em Paris, hehehe 🙂 (brincadeira). Mas … é o que os professores gostam de ver, os alunos obtendo sucesso, seja empreendendo, ou se você não tem esse perfil, você vai se desenvolver bem em uma empresa ou você vai se desenvolver bem na pesquisa. Nós vemos também alguns alunos nossos fazendo mestrado, alguns fazendo doutorado já, e com pesquisas realmente muito boas, muito melhores até do que as pesquisas que nós, professores, fazemos. Então é isso que deixa a gente feliz. Bom, acho que a gente agradece. Pedro e Thais, vocês querem finalizar?

Thais: A gente agradece, foi muito legal.

Todos: [aplausos].