Como o WALL·E pode ajudar o seu avô a ter uma vida melhor

Como o WALL·E pode ajudar o seu avô a ter uma vida melhor

Por João Víctor Ferreira Araujo e
Otávio Nunes Rosa

Que o nosso emocionante catador de lixo é extremamente fofo e carismático nós já sabemos, mas você imaginaria que o seu(sua) avô(avó) poderia acabar precisando de um WALL·E para sobreviver, e que de quebra te pouparia de uma grande pressão psicológica? No decorrer deste artigo você descobrirá como isso já é possível e tende a se tornar cada vez mais realidade em nosso dia a dia.

Um dos principais motivos para que essa interação humano-robô seja possível se encontra no processo de industrialização mundial que trouxe consigo grandes mudanças para a humanidade, sendo uma delas o aumento da expectativa de vida. Com o envelhecimento da população e a diminuição na taxa de natalidade internacional, o número de idosos com necessidades de assistência médica, social e pessoal vem aumentando a cada dia, contudo, por conta de instâncias menos aglomeradas de faixas etárias inferiores à esta, proporcionalmente, muitos destes anciãos acabam sem um amparo familiar. Dados do IBGE[1] nos apontam para onde estamos caminhando:

Neste gráfico percebemos a tendência da inversão na pirâmide etária do Brasil, algo que já é realidade na grande maioria dos países de primeiro mundo e que já vem assim,  acarretando um profundo impacto psicológico, tanto para os idosos — Por conta da solidão — quanto para os jovens — Por conta da pressão de terem que cuidar sozinhos de seus avós e/ou pais. Para evitar este cenário lógico, porém infortúnio, diversas alternativas vêm sendo pensadas, criadas e postas em prática, e é claro que a tecnologia não ficaria para trás. 

Não demorou muito para que a ciência desse as caras e propusesse algumas inovações que viriam a ajudar no combate a este cenário, surgindo assim a ideia de tornar nossos robozinhos reais, os chamados robôs sociais. Para que fique mais claro, estes robôs são dispositivos que realizam justamente este papel de assistência, ou seja, eles possuem um portfólio ferramental que possibilita acompanhar de perto a situação não apenas de idosos, como também de pessoas que possuem doenças crônicas, passam por tratamentos de reabilitação ou são portadoras de complicações que tornam mais complexas suas rotinas. E não para por aí, até mesmo em casos mais básicos de saúde, como problemas de pressão sanguínea, temperatura e peso, esses robôs podem se tornar úteis.


Fonte: https://www.pinterest.com/pin/340232946826931284/

Algumas décadas foram necessárias para que os robôs reais conseguissem cumprir ao menos algumas funcionalidades do nosso protagonista da Pixar. A primeira aparição foi nos ano 80, com o HERO da empresa Heathkit. Seu intuito era estender o conceito de um kit educacional, expandindo para as formas mais inovadoras de aprendizagem[2]. Mais tarde, a empresa Honda ficou muito conhecida por projetar um robô chamado Asimo, nos anos 2000[3]. Este já era um robô bípede, com aspectos humanóides que realizava diversas tarefas domésticas como transportar objetos, apertar o interruptor de luz e abrir ou fechar portas. Asimo foi desenvolvida para aparentar um companheiro, auxiliando principalmente crianças e idosos. Mas claro, nem tudo são flores:

Hoje em dia, os robôs se envolveram em diversas relações chamadas humano-robô, não como o de WALL·E e EVA, mas o suficiente para que exista um contato psicológico. Este contato permite com que eles se aproximem mais facilmente dos seres humanos, deixando de serem considerados apenas como dispositivos auxiliares e se tornando algo próximo a uma entidade robótica, conseguindo assim suprir, mesmo que artificialmente, necessidades sociais de uma pessoa. Estas substituições parciais de humanos, apesar de estranhas, são mais comuns do que se imagina. Um exemplo disso são os próprios animais domésticos, que de alguma forma recebem um reconhecimento humanizado e muitas vezes criam com seus donos vínculos superiores aos de interações inter-humanas.


Fonte: https://olhardigital.com.br/noticia/eu-teria-um-cachorro-robo-e-voce/80290

Ao contrário do que muitos pensam, a pesquisa do uso de robôs para auxiliar os idosos não reside apenas lá fora, muitos institutos brasileiros já estão analisando formas de criar uma comunicação psicológica entre estes. Podemos citar como um exemplo o robô Zenbo, anunciado em 2016 pela empresa ASUS no evento “computex” (em Taipei)[4] e que teve sua primeira aparição no Brasil por meio da Universidade de São Paulo (USP), em uma pesquisa comandada pelos professores Doutores Marcelo Fantinato e Sarajane Marques Peres, do curso de Sistemas de Informação da EACH, além de contar com a ajuda dos dois petianos que estão por detrás desse artigo[5]


http://www5.each.usp.br/noticias/robos-podem-auxiliar-idosos-na-melhoria-da-qualidade-de-vida/?fbclid=IwAR38E7TBUxqlnn-MiuY7L3sToSN4C-BSKqf8LZ75qSDyIuSDjcyjRHKhKx8

Por incrível que pareça, mesmo sem possuir carcaça externa que remeta a “braços” ou “pernas”, o pequeno Zenbo tem uma alta capacidade de se locomover por pisos minimamente planos, sendo uma escolha interessante de assistente caseiro. E é exatamente pensando nas vantagens desta proximidade com o meio residencial que a principal pesquisa sustentada atualmente pelo instituto há pouco citado surgiu. A linha de pesquisa dos professores e alunos da EACH com o Zenbo trata-se da utilização de Inteligência Artificial para rotulação e entendimento de diferentes tipos de remédios, por parte do próprio robô, para que assim seja criado um cenário em que o apoio informacional do Zenbo auxilie idosos com a identificação de medicamentos a ele expostos, assim como relembre esses anciãos dos remédios que já tomaram ou ainda não o fizeram.

Ainda sim, aplicar funcionalidades não é por si só um bom motivo para que um robô esteja apto a auxiliar a rotina de um humano. Diversos problemas surgem junto à usabilidade da tecnologia, sendo que por vezes os benefícios potenciais não são compreendidos ou se mostram muito complicados para o manuseio. Além disso, a utilização da tecnologia pode trazer implicações psicológicas aos mais velhos, como a falta de interação humana, pois as tarefas realizadas por um dispositivo são diferentes das exercidas por um humano. 

Outro ponto bem importante a se destacar é se nossos avós estão dispostos a ter um WALL·E dentro de casa. O artigo “Domestic Robots for Older Adults: Attitudes, Preferences, and Potential”[6] analisou um grupo de idosos americanos que moravam sozinhos, questionando sobre as preferências em relação à assistência dos robôs. Ao todo, os idosos levantaram 121 tarefas com as quais gostariam que um robô os ajudasse em suas casas. Estes dados mostram o quanto os idosos estão abertos à assistência do robô, entretanto existiram algumas exceções.

O gráfico aponta alguns indícios dos idosos, comparando suas preferências na hora de realizar uma determinada tarefa. Estas comparações foram feitas entre cuidadores e robôs, nos mostrando que eles preferiam a assistência do robô para tarefas relacionadas a pequenos afazeres, manipulação de objetos e gerenciamento de informações. Por outro lado, eles preferiram a assistência humana para tarefas relacionadas a cuidados pessoais e atividades de lazer. Este dado nos aponta que mesmo em uma situação na qual o robô consiga executar todas as tarefas de uma maneira fácil e intuitiva, ainda sim existiriam casos, como no ato de caminhar e no entretenimento pessoal, em que um cuidado humano seria mais interessante, dando um limite na interação humano-robô.

Portanto, as questões dos robôs sociais não se pautam em substituir o carinho de um cuidador, mas sim no fato destes dispositivos terem a chance de se tornarem essenciais ou ao menos úteis e desejáveis de serem possuídos. Eles não descartam completamente a ajuda dos familiares, mas os WALL·E’s da realidade se mostram de extrema importância para os auxílios, facilitando diversos afazeres na rotina e afastando eficientemente os idosos da dura solidão.

Referências Bibliográficas

IBGE – Censo 2020. “IBGE – Censo 2020”. Acessado 26 de maio de 2020. https://censo2020.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/24036-idosos-indicam-caminhos-para-uma-melhor-idade.html. [1].

HERO Robots | Robot Workshop”. Acessado 26 de maio de 2020. https://www.robotworkshop.com/robotweb/?page_id=174. [2].

Tecnoblog. “Robô doméstico: você ainda vai ter um”, 30 de setembro de 2015. https://tecnoblog.net/185818/robos-domesticos/. [3].

Tecmundo “Zenbo, robô-assistente da ASUS que automatiza tudo na sua casa, não é caro

“ , 30 de Maio de 2016. https://www.tecmundo.com.br/robotica/105301-zenbo-robo-asus-automatiza-tudo-casa-voce-video.htm [4].

EACH “Robôs podem auxiliar idosos na melhoria da qualidade de vida”, 02 de dezembro de 2019.

http://www5.each.usp.br/noticias/robos-podem-auxiliar-idosos-na-melhoria-da-qualidade-de-vida/?fbclid=IwAR38E7TBUxqlnn-MiuY7L3sToSN4C-BSKqf8LZ75qSDyIuSDjcyjRHKhKx8 [5].

Smarr, Cory-Ann, Tracy L. Mitzner, Jenay M. Beer, Akanksha Prakash, Tiffany L. Chen, Charles C. Kemp, e Wendy A. Rogers. “Domestic Robots for Older Adults: Attitudes, Preferences, and Potential”. International Journal of Social Robotics 6, no 2 (abril de 2014): 229–47. https://doi.org/10.1007/s12369-013-0220-0. [6].

Scopelliti, Massimiliano, Maria Vittoria Giuliani, e Ferdinando Fornara. “Robots in a Domestic Setting: A Psychological Approach”. Universal Access in the Information Society 4, no 2 (dezembro de 2005): 146–55. https://doi.org/10.1007/s10209-005-0118-1.