Café Filosófico – Coordenação do curso de Bacharelado em Sistemas de Informação, com o Prof. Dr. Luciano Digiampietri

Café Filosófico – Coordenação do curso de Bacharelado em Sistemas de Informação, com o Prof. Dr. Luciano Digiampietri

No dia 25 de abril de 2016, o PET-SI realizou uma entrevista com a Prof. Dr. Luciano Antonio Digiampietri. O tema foi a coordenação do curso de Bacharelado em Sistemas de Informação, com foco nas principais funções desempenhadas pelo coordenador, os desafios de ocupar essa posição e um feedback do professor sobre seus anos de coordenação. Confiram abaixo como foi essa entrevista:

PET-SI: Como se dá a escolha de coordenador?

Prof. Luciano: A escolha é feita dentro da comissão coordenadora de curso (CoC) entre os membros titulares (por regimento). Os membros da CoC se candidatam formando uma ou mais chapas (para coordenador e suplente) e quem vota na eleição são os membros titulares. O procedimento que a CoC tem adotado é, sempre que houver mais de uma chapa, abrir uma consulta para a comunidade de professores e alunos de sistemas de informação (SI) (porém não me lembro de já ter tido mais de uma chapa na história do curso de SI). Então tendo apenas uma chapa, não se vê a necessidade de abrir uma consulta, e nesse caso, se a chapa receber um voto, ela ganha.

PET-SI: Durante o tempo de mandato, o coordenador pode renunciar?

Prof. Luciano:Sim, a qualquer momento ele pode renunciar. Inclusive, nós tivemos vários mandatos incompletos ao longo dos anos. Isso ocorre principalmente porque o coordenador pode ser reconduzido, e é relativamente comum, nesses casos, o segundo mandato não ser completo. Regimentalmente, alguém pode ser coordenador por apenas dois mandatos consecutivos, devendo então entrar um novo coordenador e só então o primeiro pode se candidatar novamente.

PET-SI: Qual a motivação para ser coordenador do curso?

Prof. Luciano: O trabalho do coordenador do curso é algo interessante. Primeiramente você tem que gostar da graduação e, especialmente por causa do tamanho do curso de SI, o trabalho consome bastante tempo. Semanalmente há dezenas de requerimentos para serem avaliados ou encaminhados para os docentes. Então, é uma tarefa que dá muito trabalho. Você tem que estar disposto e tem que analisar o custo benefício envolvido. Tem uma remuneração adicional, não é muito grande, mas existe uma remuneração para o coordenador do curso. Uma situação que acontece em alguns cursos na EACH é ninguém querer ser coordenador, espontaneamente, e então alguém acaba sendo porque precisa ser. Como coordenador do curso você participa da comissão de graduação (CG) também, e perto das eleições, quando está terminando o mandato de alguns coordenadores, você observa o estresse envolvido no estabelecimento de novos coordenadores. Em SI nós não tivemos esse problema. Quando terminou o meu mandato, espontaneamente, o Prof. Ivandré e o Prof. Nakano se ofereceram para assumir as posições de coordenador e suplente. Eu já tinha comentado que se ninguém se oferecesse, eu iria me candidatar a uma recondução, porém somente nessa condição, porque eu não acho legal ficar pedindo para alguém assumir a tarefa. O importante é as pessoas assumirem porque querem. Mas a função de coordenador dá muito trabalho, principalmente porque as atividades são proporcionais ao tamanho do curso, e já que o nosso curso é o maior daqui e tem sempre várias coisas pequenas a serem feitas, então não dá para ficar alguns dias sem pensar na coordenação do curso durante o mandato.

PET-SI: Quais as características profissionais e pessoais que a pessoa deve ter para ser coordenador?

Prof. Luciano: Não chega a ter uma concorrência para coordenador porque não são muitas as pessoas que desejam assumir a tarefa, mas para a pessoa viver bem durante a coordenação do curso, além obviamente de gostar da graduação do curso, é importante que ela seja organizada. Existe muita coisa pequena para fazer, e você pode se atrapalhar. Na EACH, assim como em outras unidades, é comum o coordenador de curso ter um de dois de problemas: ou ele acaba “perdendo” muito tempo na coordenação de curso e deixa de fazer as outras coisas, e nesse caso é muito comum haver uma queda muito grande de produção científica durante o período de coordenação; ou o contrário, deixar de lado algumas coisas da coordenação. Então tem que saber gerenciar bem isso, saber dividir seu tempo entre a coordenação e suas outras atividades. É preciso também ter um bom diálogo tanto com os docentes quanto com os discentes. Uma das atividades que é feita pela coordenação de curso é a atribuição didática e isso é uma das coisas que mais afeta a vida dos docentes. Então, às vezes, existem conflitos, situações em que nem todo mundo fica feliz, então é preciso ter um bom diálogo para não ter estresse. A mesma coisa com os alunos, sempre existem itens de pauta que são de interesse dos alunos e a representação discente explica o ponto de vista do aluno (quando isso faz sentido) e é preciso conversar.

PET-SI: Quais são as principais atividades e atribuições de um coordenador de curso?

Prof. Luciano: A atividade rotineira é cuidar de diversos requerimentos que passam pelo coordenador do curso. Requerimentos de matrícula e de reativação de matrícula dão muito muito trabalho devido ao tamanho do nosso curso. Participar da, e presidir a comissão do curso e gerenciar as pautas. Outra atividade é realizar a atribuição didática dos docentes, que é uma das coisas mais sensíveis da coordenação do curso – é feita uma reunião específica convidando todos os membros da CoC a participar. Participar da CG, que tem uma reunião mensal e, novamente, por ser uma unidade grande com os 10 cursos de graduação mais o ciclo básico (CB), é uma reunião que dificilmente se consegue fazer em menos de 5 horas, sendo mais tensa por reunir diferentes cursos, o que às vezes dificulta a colocação de um ponto de vista. Às vezes queremos ajudar os alunos de SI, dentro do curso de SI, mas para os outros cursos, o que queremos fazer parece uma medida contra os alunos. Os membros da CG sabem que essa medida que foi discutida e aprovada em CoC, inclusive aprovada pelo representante discente, mas acham que essa medida pode prejudicar os alunos, porque a realidade dos outros cursos é muito diferente. Tem cursos que não preenchem todas as vagas no vestibular, ou que depois do segundo ano tem menos da metade de alunos por turma, ou seja, eles não têm turma lotada, por exemplo. E nós temos preocupações que os outros cursos não tem e sempre temos que justificar o porquê isso é uma preocupação. Essa é uma reunião que dá bastante trabalho nesse sentido, tem muito assunto a ser discutido, envolvendo os cursos da unidade. Você tem que entender um pouco dos outros cursos até para falar no que eles são parecidos conosco e no que eles são diferentes de nós. Essa é uma das tarefas complicadas. É uma reunião superimportante, a gente aprende muito sobre a unidade nessa reunião, mas as pautas são sempre muito grandes e as reuniões costumam demorar mais de 5 horas – é um pouco cansativo e um pouco estressante. De modo geral, essas são as principais atividades que sempre passam pelo coordenador de curso, ou pela coordenação do curso. Também, o coordenador recebe um e-mail anual do Guia do Estudante para fornecer dados sobre o curso; e o coordenador se preocupa com a renovação do curso no Conselho Estadual de Educação, que acontece a cada quatro ou cinco anos. Alguns coordenadores acabam por participar apenas da escrita do relatório ou apenas da visita do conselho, dependendo da janela de tempo em que se encontra o seu mandato de coordenador.

PET-SI: Além da remuneração, quais as vantagens e desvantagens de ser coordenador de curso?

Prof. Luciano: Existe uma vantagem política no sentido de que para crescer na carreira, você tem que passar pelas quatro etapas da vida acadêmica. Falamos que a universidade tem um tripé, mas na verdade tem uma quarta vertente que seria a administração universitária, que é responsabilidade dos docentes. Então para progredir na carreira, é importante estar atuando ou em todas ou na maioria das atividades. As pessoas chamam essa participação de “engajamento institucional”. Esse engajamento se dá exercendo uma atividade de administração, coordenando um grupo PET … há diferentes maneiras de exercer esse engajamento. Isso é muito bem visto dentro da universidade e deve ser levado em conta quando se pensa em progressão dentro da carreira profissional. Mas, realmente … de vantagem explícita …, se tem a remuneração financeira, que é por volta de 10% do salário. Mas se você imaginar que você trabalha 40h por semana, e se você fizer uma relação, 10% significa então 4h na coordenação. Não, você vai gastar de oito a vinte horas com coordenação por semana. Então, até por isso, não é uma atividade muito procurada pelos colegas dos diferentes cursos. É algo que te traz muita responsabilidade com a única vantagem explícita sendo essa remuneração e, implicitamente, a relação com a carreira, pois é algo a mais para estar no seu currículo.

PET-SI: Existe uma certa quantidade de horas a serem dadas como aula, e quando você é coordenador, você pode diminuir essa carga horária?

Prof. Luciano:No regimento da USP, se eu não estou enganado, as únicas funções que permitem que você dê menos aulas são diretor de unidade e chefe de departamento (e daí para cima). Isso é previsto no regimento. E isso é importante esclarecer para os mais novos: a diferença de ter ou não departamento é uma questão complicada, pois o regimento da USP foi adaptado de maneira não muito transparente para suportar uma unidade sem departamentos. Nesse contexto, a coordenação de curso herdou algumas responsabilidades que deveriam ser do conselho de departamento ou do chefe do departamento. Por exemplo, atribuição didática é uma atividade que não faria sentido estar numa comissão de curso, até porque as pessoas também dão aula na pós-graduação e a atribuição didática deveria olhar para as duas coisas. Além disso, outra herança são os pedidos de férias e licenças. Então, uma desvantagem que a gente tem hoje em dia na coordenação de curso na EACH, e não só em SI, é que a gente tem várias atribuições que deveriam ser do chefe de departamento e que acabam caindo para coordenação de curso, oficialmente ou informalmente. E não, ele não tem desconto de carga horária, a função imediatamente superior a ele, que deveria ter, não existe na EACH e por causa disso, diferentes níveis organizacionais e estruturais na EACH acumulam funções que não existem ou que não precisam acumular nas outras unidades por conta da existência do departamento.

PET-SI: Você comentou que ser coordenador de curso pode ser bastante estressante. Quais foram suas maiores dificuldades e como você as contornou?

Prof. Luciano: Uma grande preocupação que muitos têm antes de assumir é como manter a carreira, as outras atividades da carreira, já que você não vai ter nenhum tipo de desconto de horas. É uma preocupação saber como levar a coordenação do curso de maneira objetiva, e ser um bom coordenador de curso. Então, vou responder a sua pergunta em duas partes: primeiro, como conciliar isso com meus objetivos de carreira, e ou mesmo de vida; segundo, efetivamente quais foram alguns pontos estressantes. Primeiro, assumi a coordenação no mês que meu filho nasceu. Então, obviamente, isso exige uma adaptação na agenda para conseguir fazer todas as coisas, inclusive cuidar de um bebê. Outra coisa que eu tinha como objetivo nesses dois anos, era cuidar da minha livre docência. Quando fui convidado a concorrer a coordenação de curso, a pessoa que me convidou ou que sugeriu que eu me indicasse, disse assim: “não ia te convidar, não pretendia te convidar porque seu filho está para nascer”. Bom … então eu falei: vamos lá. Eu queria manter minha produção científica; tanto a produção científica propriamente dita, quanto a formação de alunos, não só nas aulas, mas também nas orientações de iniciação científica, de trabalho de conclusão de curso (TCC) e na pós-graduação; queria cuidar da minha livre docência e sabia que minha agenda teria que ser adaptada para cuidar do meu filho também, isto é, não poderia chegar em casa e dizer que ficaria até de madrugada escrevendo um artigo, e obviamente, queria fazer direito meu trabalho de coordenador. Para tentar conciliar todas essas coisas, organização é a palavra-chave. Agora, sobre os pontos estressantes. Um dos aspectos mais estressantes está relacionado com a atribuição didática. Essa tarefa sempre pode gerar atrito e a gente tenta conciliar a graduação com a pós-graduação. Então, perguntamos para os programas de pós quais professores eles gostariam que tivessem horários reservados para dar aula na pós-graduação, e a gente tenta conciliar. Apesar de graduação ter prioridade, e mesmo a gente consultando de antemão os programas de pós, nem sempre dá para agradar todo mundo, nem sempre dá para atender aos pedidos de licença de todo mundo, etc. Isso é sempre um pouquinho estressante, mas isso por si só não foi um grande problema durante a coordenação porque os colegas sempre colaboraram com isso. Eles sabem da dificuldade disso. Isso é um momento que você sempre espera que vai dar problema, mas não chegou a dar nenhum grande problema. Tinha um problema mais pontual e potencialmente maior que tem a ver com a verticalização do curso. Quando assumi a coordenação, já estava no primeiro ano da verticalização da grade de SI. Eu tinha participado como suplente no estudo para estimar quais seriam os problemas potenciais que a gente teria nos primeiros anos até que a primeira turma entrasse em fase, e tinha dois pontos que eu falei que a gente poderia ter problema. Um deles era que a gente teria que oferecer seis turmas de economia no mesmo semestre – três para os alunos da grade nova e três para a grade antiga – e a gente só tem um professor de economia. Dentre esses possíveis problemas, duas ou três vezes foi necessário “correr atrás de docentes”, ter que conversar com a CG, para ver como resolver para que os alunos não fossem prejudicados. Outro ponto que também é estressante, que também tem a ver com uma atribuição que não deveria ser de coordenação de curso, é quando, por exemplo, um professor tem algum problema e precisa parar de dar aulas – estamos tendo um semestre letivo normal e de repente um professor precisa se ausentar de repente. Existe um problema na nossa estrutura organizacional (na EACH) referente ao único chefe imediato do docente, que deveria ser o chefe do departamento, ser na realidade a diretora, e isso fica muito distante do curso e do professor, sendo difícil operacionalizar esse modelo. Então problemas pontuais, que aconteceram no passado e estão acontecendo agora, são muito estressantes, porque não há muito que o coordenador possa fazer em relação ao docente, mas ele tem que ficar pensando em um plano de contingência alternativo de como não prejudicar os alunos apesar dele não ter nada a ver com a causa do problema. Esses costumam ser, ou foram, os pontos de maior estresse durante a coordenação, que infelizmente ocorreram na coordenação de SI e de outros cursos, e sempre vão existir.

PET-SI: E se você pudesse recomeçar sua carreira na coordenação do zero, teria alguma coisa que você teria feito diferente?

Prof. Luciano: Nunca parei para pensar profundamente nisso… na hora de contextualizar sobre o meu trabalho na coordenação, eu não comentei algumas coisas. Comentei que o curso tinha terminado de ser verticalizado, era o primeiro ano dessa verticalização e agora estamos no final do segundo ano. Mas não comentei que naquela época nós tínhamos voltado de uma greve parcial, e isso também foi uma coisa um pouco estressante, principalmente no que diz respeito ao agendamento de horários com alunos etc. E teve ainda um outro ponto de estresse, que por algum motivo devo ter apagado da minha mente, por isso não tinha comentado, mas acabei de lembrar: a interdição do campus! Esse foi um ponto muito estressante do ponto de vista da coordenação, pois não sabíamos onde teríamos aula, quando e como… E nesse sentido, junto com a CoC e os outros docentes (todo mundo ajudou bastante) nós conseguimos chegar a uma solução. Os alunos e professores aceitaram mudar o local das atividades. Mas, dado o cenário que a gente tinha, acho que não teve nenhum grande problema sobre o qual a coordenação de curso poderia ter atuado de maneira diferente. É lógico que sempre dá para fazer mais coisas … enfim, dá para arriscar coisas diferentes dentro da coordenação. Uma das coisas que a gente fez de forma bastante efetiva nessa última coordenação e que a gente continua a fazer agora, é uma análise mais profunda do histórico escolar dos alunos para identificar causas de evasão, disciplinas em que há maior retenção, o porquê, se os pré-requisitos estão ok, ou se não estão ok, e como mudar isso… Então, a gente tem acompanhado isso já há algum tempo. Essa questão foi bem sistematizada durante esse período de coordenador de curso e eventualmente a gente poderia tomar medidas mais rápidas em relação a estes pontos. Mas a gente preferiu esperar mais um semestre para ter mais números, para não ter perigo de tomar medidas meio arbitrárias. E é assim, a gente sempre sabe que daria para fazer as coisas de modo diferente, mas não dá para ter certeza se seria melhor ou pior.

PET-SI: Qual o maior legado deixado pela sua gestão para o curso de SI e pra EACH como um todo?

Prof. Luciano: Essa é uma questão sobre a qual eu já gastei algum tempo pensando, porque não teve nenhuma ação pontual extrema durante essa coordenação, e por alguns outros motivos. A gente tinha acabado de passar por uma mudança curricular muito grande e até fechar quatro anos, que fecha no final deste ano, não tinha sentido fazer nenhuma outra mudança drástica, porque o coerente seria primeiro avaliar o que estava acontecendo. Na verdade, por causa da interdição, a gente só vai conseguir avaliar bem daqui a dois anos, final de 2018. Mas acho que posso destacar o que aconteceu e o que se consolidou nesse período. Eu já estava no CoC há anos, já tinha sido suplente de coordenador de curso, e algumas ações que começaram comigo, ou tiveram meu apoio lá atrás, foram sendo consolidadas ao longo do tempo. Uma era a renovação do curso no conselho estadual de educação, na verdade ainda está em julgamento, pois é um processo muito longo. Durante a coordenação da Prof. Patrícia não foi necessário enviar o documento, por causa da janela de tempo que costuma ser de quatro ou cinco anos, então era uma preocupação, produzir e enviar esse documento e torcer para dar tudo certo. Aparentemente a gente não teve nenhum problema quanto a isso, já tivemos a vistoria, agora durante a coordenação do Prof. Ivandré e pelos pontos que eles levantaram aparentemente está tudo certo. Uma característica de quando assumi é que o curso estava mais ou menos com todos seus docentes. Até há cinco anos, a gente oscilava muito no número de docentes do curso. Principalmente depois que a pós-graduação foi criada, diminuiu bastante o número de professores que saiam, pois esse era principal motivo de saída dos professores: o fato de não ter a pós-graduação. Os professores prestavam concursos em outros lugares nos quais tivesse e iam trabalhar nesses lugares. Então, durante minha gestão, foi possível trabalhar com esse número maior de docentes, próximo do máximo. Agora já existe, por exemplo, a comunicação da graduação com a pós-graduação, que no início da minha gestão era uma relação incipiente. Hoje já se pensa, por exemplo, em alternativas para ter disciplinas em conjunto. E isso foi algo que foi possível consolidar nesse período. Foi o período que a gente teve mais intercambistas saindo para o Ciências sem Fronteiras ou chegando do Ciências sem Fronteira, então, talvez parte do legado do que foi feito durante a coordenação foi o procedimento para tratar a covalidação de disciplinas. Antes, essa questão de convalidar disciplina cursadas no exterior era algo pontual. Também, ajudei a montar alguns dos procedimentos criados dentro da comissão de graduação, incluindo a dinâmica para tentar deixar a reunião mais efetiva e mais justa, no sentido de, já que somos uma única unidade, precisamos tentar ver todos os coordenadores de curso, olhando pra EACH como unidade … tentando ter um julgamento o mais parecido possível entre os cursos, mas respeitando-se as diferenças de cada um. Outra coisa que era objetivo era manter o curso com cinco estrelas no Guia do Estudante. Talvez essa não seja uma das grandes preocupações do coordenador, mas para um estudante colegial, isso pode ser uma coisa importante. E isso tem que fazer parte da coordenação do curso, não só cuidar do curso, mas passar essa visão do que acontece dentro do curso. Nesse período, outro destaque, é que a gente conseguiu, especialmente em conjunto com o PET, manter um site atualizado do curso, e foi um período que, talvez até pelo fato do site estar atualizado, dos professores saberem disso e se comunicarem melhor por causa disso, o curso atingiu muitas coisas … grupos de alunos e professores se destacaram de diferentes maneiras, alunos e ex-alunos e professores ganharam um conjunto grande de premiações nacionais e internacionais, foram destaques em várias coisas, incluindo empresas incubadas ou empresas criadas fora da EACH.

PET-SI: Você respondeu às perguntas e citou alguns conceitos. Então só para deixar claro, o que é livre docência? E verticalização?

Prof. Luciano:A verticalização do curso foi a mudança da grade curricular que ocorreu em 2013. Até 2012, a gente tinha o ciclo básico igualzinho ao de toda a unidade, em que no primeiro semestre só tinha Cálculo I e Introdução a Programação de matérias específicas (do curso), no primeiro semestre, e daí tinha RP I e as matérias do ciclo básico; e no segundo semestre, RP II … enfim … todo mundo tinha, e como específicas só tinha Introdução a Análise de Algoritmos e Cálculo II. E o grande peso do curso ficava no terceiro semestre. A gente sabe que hoje em dia, vocês têm muita coisa do curso já no primeiro ano, e até tem um semestre complicado por causa disso. Mas esse semestre já existia, ele apenas mudou de lugar, era no terceiro semestre e agora é no segundo. A verticalização foi essa mudança, a gente pegou o ciclo básico e verticalizou, espalhou ao longo da grade. Isso era uma demanda grande dos alunos e também de alguns professores por diferentes motivos. Um deles era que com o ciclo básico no começo do curso, o aluno que ia estagiar a partir do segundo ano, ia para o estágio tendo Introdução a Programação e Introdução a Análise de Algoritmos, ele tinha muito pouco conhecimento de SI. Mesmo a disciplina de Fundamentos de Sistema de Informação, ficava lá na frente. Então essa mudança objetivou atender a uma das demandas dos alunos, que era o aluno já no primeiro ano ter um conhecimento melhor do que é o curso. E outra coisa a grade antiga causava, é que o aluno tinha tão pouca impressão de que ele estava num curso de computação, da área de computação, que a evasão no primeiro ano era grande pelo aluno não ter o interesse, não se identificar com o que está acontecendo, ou acontecer um problema maior: às vezes demorava dois anos para o aluno perceber que ele não tinha nenhum prazer ou gosto ou desejo de fazer um curso de computação. E ele passou o primeiro ano inteiro sem perceber que ele estava fazendo um curso de computação. E quando chegava no segundo ano é que ele via que isso ele não queria, daí ele ficava, muitas vezes, patinando um ou dois anos, para então ou ele ser desligado do curso pelo sistema ou desistir mesmo, porque ele demorava para ter esse casamento. A verticalização, obviamente, deixou o primeiro ano de vocês mais pesado, mas também permite que vocês tenham essa visão do que é o curso desde o começo, e da dificuldade associada ao curso também. Deixar a dificuldade mais para a frente não necessariamente ajuda, porque obviamente, às vezes, quando o aluno tem mais tempo, ele vai entrando no ritmo mais lentamente, e isso pode ser bom. Mas por outro lado, pode ter o efeito contrário. O aluno passa o primeiro ano aqui, passando em 75% dos créditos, sendo que em nenhum específico do curso (acontecia muito isso), e no primeiro semestre do segundo ano ele só conseguia fazer Cálculo I e Introdução a Programação, e não tinha mais matéria que ele pudesse fazer (por conta dos pré-requisitos). Então o aluno tinha feito um ano de curso, passado em 75% dos créditos, mas na verdade não tinha feito nada de SI. Por causa de diferentes demandas, mas principalmente de alunos, a gente fez essa mudança, e umas das coisas que a gente ainda está estudando são os gargalos dessa mudança e o que a gente pode ir adaptando para os próximos anos. Na verticalização, também foram retiradas duas disciplinas de dois créditos do ciclo básico que eram chamadas de Estudos Diversificados I e II. Essas disciplinas foram extintas para dar lugar para uma disciplina específica do curso, que é Desenvolvimento de Sistemas de Informação Distribuídos. Bom, isso é verticalização. Sobre livre docência… Livre docência é um título que a gente pode obter, assim como o doutorado. Porém, o processo para obtenção, diferentemente do doutorado, não possui um orientador envolvido. O processo é mais ou menos a junção do concurso público para entrar aqui, com a defesa de doutorado. No doutorado, você faz algumas disciplinas, tem que entregar a sua tese e defender sua tese. Na livre docência, você não tem mais que fazer disciplinas, você já passou desse ponto, já é o Doutor que mudou de fase, mas você tem que entregar uma tese ou um texto sistematizando sua produção, enfim, você tem que entregar um texto no formato mais ou menos de uma tese, que vai ser julgado, e além disso, você tem todas as outras provas de um concurso público pra professor doutor da USP, tudo isso num processo só. Nesse processo você tem análise do seu currículo (de seu memorial), uma prova escrita de um tema que é sorteado na hora dentro de uma gama pré-definida e uma prova didática – dar uma aula sobre um assunto. No concurso de ingresso, o assunto da aula também é sorteado dentro de uma gama. Na livre docência não, você pode escolher sobre qual dos assuntos ali você vai querer dar aula. Então, livre docência é um título, é o próximo depois do Doutorado, e é uma mudança de carreira que faz parte do nosso planejamento estratégico. E para passar nela, você concorre num concurso, podendo concorrer quantas pessoas quiserem e todas podem virtualmente passar. Você só tem que atingir uma média de nota sete por mais da metade da banca que estiver te avaliando.

PET-SI: Na livre docência existe um número específico de cadeiras por unidade?

Prof. Luciano: Na livre docência não, a princípio não. Mas tem mais um nível depois, para o qual tem um número limitado de cadeiras, que é o concurso de professor titular, e esse é o último nível da carreira. Hoje em dia, nós temos aqui, talvez meia dúzia de livres docentes no curso de SI e nenhum professor titular.

PET-SI: Professor, você comenta muito sobre essa diferenciação do curso de SI em relação aos outros cursos aqui da EACH, e também em relação a grade e sobre essa comunicação com a pós, quais são os próximos passos que o curso tem que tomar nessa direção?

Prof. Luciano: Bom, tem algumas coisas a serem feitas. Umas das coisas é avaliar com muito cuidado o impacto da verticalização, para melhorar internamente o curso. A nossa comunicação com os outros cursos tem evoluído bastante ao longo dos anos, antes na comissão de graduação, transparecia que nós éramos muito alienígenas aqui dentro. Parece que eles nos entenderam melhor e nós os entendemos melhor. Então, nesse sentido, a comunicação já melhorou bastante. Por outro lado, nós somos um curso bem diferente aqui na EACH e vamos continuar sendo, nós somos um curso de ciências exatas, nós temos o número de candidatos por vaga bastante alto, tem várias características diferentes e exclusivas do nosso curso em relação a maioria. Obviamente, tem um ou outro curso que acabamos tendo mais características em comum, mas de qualquer forma somos um curso bastante diferente. Aí, existem algumas questões com as quais temos que tomar cuidado. Essas questões têm mais a ver com a evolução do campus leste do que com a evolução do curso de SI por si só. Por exemplo, está sendo proposta uma reestruturação da EACH, que ainda não se sabe que direção vai seguir, mas uma das propostas é ter departamentos. Daí talvez faça sentido criar departamentos com cursos mais próximos, inclusive com integração de grade entre esses cursos. Potencialmente, a POLI está vindo para cá, alguns dos cursos da Poli virão para cá, o campus leste não vai ser só da EACH, vai também ser do departamento da POLI. Então, são unidades diferentes, mas são cursos afins e talvez dê para ter intercambio de disciplinas ou mesmo de professores. Mas, novamente, não é algo que dependa tanto do curso. Acho que o que depende muito do curso e a gente tem tentado evoluir é justamente ter um perfil próprio, diferente do curso de Ciência da Computação, e acho que talvez essa seja uma função interessante nossa. A gente está tendo um aspecto de inovação muito grande no curso. A gente tem grupos e alunos se destacando na formação de empresas, nesses concursos de inovação – e desde a primeira olimpíada USP de inovação, o curso de SI tem se destacado em relação à escola. Na verdade, a primeira equipe que ganhou um prêmio da USP de inovação foi uma equipe de SI, mas não só a equipe de SI, mas justamente essas esquipes mistas estão trazendo muita coisa boa. Estar nesse campus nos dá essa oportunidade, principalmente nessa questão de inovação e aproveitando a ponte que a gente tem com uma incubadora. Acho que esses são dois aspectos que a gente tem que aproveitar. A existência do Programa de Educação Tutorial também é uma coisa de destaque. Então a gente já se destaca bastante por algumas coisas em relação aos outros cursos de computação da própria USP e acho que é positivo buscar essa cara. Nossos alunos e nossa infraestrutura, permite-nos trabalhar muito com essa inovação e com essa inovação interdisciplinar também. Acho que o curso tem que continuar investindo e muitas vezes isso não consegue ser um investimento por parte do curso por si só, não é a coordenação do curso que vai fazer isso, são os alunos e os professores querendo interagir. Como ex-membro da comissão de graduação, várias vezes outros coordenadores de curso apresentavam algum problema que eles queriam enfrentar, tecnológico ou cientifico, e eu falava: “olha, conversa com esse grupo de SI ou com esse professor ou com aqueles alunos, porque eles estão justamente trabalhando com isso ou em um assunto correlato; e juntar a expertise deles com a de vocês pode gerar soluções muito boas”.

PET-SI: Dupla diplomação nas universidades europeias e americanas? Não seria um grande passo?

Prof. Luciano: Sim, começamos a caminhar nesse sentido e esse é um grande passo, mas os convênios específicos do curso foram estabelecidos agora, nos últimos anos e obviamente se nós conseguíssemos fazer um convênio com algumas das grandes universidades europeias ou americanas, seria muito bom, mas acho que isso ainda vai demorar um pouco para caminhar. A burocracia para chegar na dupla titulação é um pouco grande, tem um procedimento envolvido, e as etapas burocráticas são trabalhosas, você tem que passar o “token” para o outro lado, esperar ele voltar e depois passar de novo. E tem a questão do tempo e da dedicação para isso. Durante a minha coordenação deixei o Prof. Marcelo Lauretto responsável por essa parte, porque realmente é uma coisa de louco você cuidar de todas as coisas da coordenação, se você não dividir as tarefas. O Lauretto era meu suplente, e nós demos os primeiros passos para isso. E os primeiros passos começam com alguns alunos vindos para cá por exemplo, para a semana de SI, alguns dos nossos indo para lá, algumas disciplinas em comum para depois você chegar na dupla diplomação que costuma ser o objetivo final desse tipo de convênio. Com certeza é um passo superimportante para a evolução do curso, mas eu acho que a gente ainda está numa etapa inicial. Mas o ponto positivo é que está andando, se anos atrás isso nem era comentado, estamos andando nessa direção, não temos nenhum convênio com nenhuma grande universidade, mas justamente fazer o primeiro convênio era um passo importante, e esse passo já foi dado. Acho que é natural que possamos evoluir nisso, talvez não nessa coordenação, mas especialmente na próxima tenhamos convênios de dupla titulação com universidades interessantes.

PET-SI: Você falou que muitos alunos estão se destacando não só academicamente, mas também no mercado de trabalho. Como o senhor vê a projeção do curso daqui há uns 5 ou 10 anos?

Prof. Luciano:A gente fica muito feliz em ver como os alunos estão saindo daqui. Em dois aspectos. Apesar da crise, o mercado de trabalho está bom, e as empresas têm vindo procurar nossos alunos, às vezes, até com olhos mais atentos aqui do que para os alunos da Ciência da Computação do IME. Por causa do perfil diferente, para várias empresas isso é interessante. O que nos distingue de um bacharelado em Ciência da Computação, às vezes, para a empresa é muito bom. Então, não foram poucos os casos de divulgarem o processo seletivo primeiro na EACH e depois abrir para todo mundo ou para as outras unidades da USP. É muito gratificante a gente perceber que está tendo esse reconhecimento, um dos objetivos do curso ser diferente também era esse, ter um perfil que seja também adequado e eventualmente mais adequado para algumas empresas do que o perfil tradicional do bacharel em Ciência da Computação. Outro aspecto interessante que eu tenho acompanhado, nos últimos anos, especialmente com o crescimento da nossa pós-graduação, é que a bagagem dos nossos alunos está muito boa. Obviamente, quando a gente monta um curso, no início das disciplinas, a gente acredita que está passando um conteúdo diferenciado para os alunos, mas a gente não tem certeza do quanto eles estão absorvendo nem do quanto isso é diferente em relação a quem está estudando nos outros lugares. E agora ao receber, na pós-graduação, alunos inclusive de várias federais importantes ou de estaduais importantes, a gente consegue perceber que nosso aluno está muito bem preparado, além de, obviamente, ver nossos ex-alunos de graduação ou de mestrado serem aceitos em programas muito bem consolidados da área. Então nesses dois aspectos a gente consegue perceber que está fazendo alguma coisa certa. E o que a gente planejou para dar certo, para garantir o sucesso de vocês, tem funcionado. E nesse sentido a situação só tende a melhorar, estamos consolidando uma pós-graduação aqui também, isso reflete diretamente na graduação, e além disso, os alunos que estão se destacando, estão levando o nome da unidade, o nome do curso para outros lugares. Então com isso, cada vez mais, o curso está sendo conhecido e reconhecido. Então acho que a situação que já está muito boa hoje, tende a melhorar ainda mais, justamente por esse ciclo positivo – nós estamos formando bons alunos, esses alunos estão se dando bem no mercado de trabalho, a empresa reconhece que a formação é boa e vem procurar mais alunos e isso vai retroalimentando esse ciclo positivo.

PET-SI: O senhor acha que o curso forma tanto para o mercado de trabalho quanto para a área acadêmica? É dada atenção para os dois aspectos? E anteriormente o senhor falou da análise de currículo e da identificação de problemas ou de espaço na grade. Existe algum problema que está sendo identificado agora e o senhor tem alguma sugestão para resolvê-lo?

Prof. Luciano: Bom, vou começar pela pergunta da grade e você vai ter que provavelmente me lembrar da anterior. Sobre a grade, umas das coisas que a gente percebeu agora (o Fábio Nakano, o Marcelo Lauretto e eu estivemos conversando hoje de manhã sobre isso), é sobre algumas mudanças de pré-requisitos e eventualmente mudança de disciplina na grade. A gente está analisando uma medida que chama “risco relativo de reprovação” que basicamente verifica qual é o risco de um aluno que tem pré-requisito fraco reprovar numa disciplina em relação a um aluno que tem pré-requisito forte ou a um aluno que ainda não cursou a disciplina. Então com isso a gente consegue não só fazer uma análise que a gente já tinha feito, de que um aluno que reprova em Cálculo I reprova em Cálculo II, por exemplo, mas também consegue falar que o aluno que reprovou em Análise de Algoritmo e Estrutura de Dados II, que só tinha o pré-requisito fraco em AED I, tem três vezes mais chance de reprovar do que um que passou em AED I. A gente chegou a esses números para todos os pares de disciplinas e a gente está ordenando isso por diferentes critérios, justamente para falar que essa flexibilidade — deixar de ter um pré-requisito fraco ou de não ter um pré-requisito fraco — potencialmente está prejudicando o aluno que entra nessa disciplina acreditando ter um conhecimento prévio suficiente, pois a chance dele reprovar é muito maior do que o aluno que já tenha o pré-requisito fraco ou o pré-requisito forte, dependendo da disciplina. Então na última (ou na penúltima) reunião de CoC, já passou uma mudança de pré-requisito e provavelmente na próxima vai passar outra para ajustar isso. E as próximas mudanças mais pesadas em relação a isso serão relacionadas a mudança de algumas disciplinas de lugar por causa da análise de risco relativo. Obviamente, as atividades extracurriculares também colaboram com o desempenho em disciplinas. O desempenho de alunos que têm participado de coding dojo e BXComp também tem sido analisado. Um estudo que a gente fez recentemente mostrou que o aluno que está com problemas em Introdução a Programação e participa efetivamente do BXComp, tende a ir muito melhor do que o aluno que estava na mesma categoria e não participou do BXComp. Quer dizer, a gente sabia, obviamente já esperava, que os bons alunos fariam o BXComp e eles vão continuar bons ou seria uma surpresa muito estranha se eles piorassem. Mas a gente viu que eles continuam bons. Por outro lado, o que a gente não sabia, o que foi surpreendentemente bom, é o que aconteceria com os alunos não muito bons que participariam do BXComp. O que a gente percebeu é que os alunos que a princípio tiveram problemas em IP e foram fazer o BXComp e ficaram até o final do BXComp, melhoram. Isso é muito legal porque comparando com outros alunos que tiveram o mesmo desempenho em IP, mas não participaram da atividade, os primeiros (que participaram) tiveram uma melhora significativa. A gente sabe também que numa competição — e mesmo o questionário final do BXComp também indica isso, um aluno que nunca participou de uma competição e está empolgado em participar, ao participar e não ir bem, tende a não querer mais participar, isso é normal. Só que um aluno que está mal na disciplina tende a não querer participar, porque ele fala que tem pouquíssimas chances de ganhar. Mas ele ganha conhecimento que pode ser fundamental para ele conseguir se formar. E esse tipo de conhecimento novo é importante, e só fazendo análise estatística a gente consegui descobrir e então pode divulgar. A gente está tentando combinar diferentes recursos e atividades que existem no curso e entender o efeito delas nos alunos e como podemos melhorar. Uma coisa que aconteceu já há muitos anos, sobre a qual a gente tem os dados e análises prontos, é que a mudança do pré-requisito fraco para forte em Cálculo I diminuiu a reprovação em Cálculo II por mais da metade. O aluno que quebrava apenas o fraco (obtinha nota entre 3 e 5 em Cálculo I) tinha um risco relativo de três a quatro vezes maior de reprovação que o aluno que quebrava o forte (que tirava 5 ou mais em Cálculo I). E com isso o aluno gastava muita energia e ainda tinha a chance grande de reprovar e de desanimar com o curso. Não deixar o aluno fazer o Cálculo II (isto é, criar um pré-requisito forte), por mais que pareça que a gente está querendo prejudicar o aluno, não, não estamos! O pré-requisito é para ajudar o aluno, deixar explícito para o aluno que conhecimento ele precisa ter para fazer uma graduação relativamente tranquila ou menos desesperadora ou menos trabalhosa. E é justamente isso que as atividades extracurriculares tem mostrado: o que a coordenação pode fazer e o que todo mundo pode fazer. Isso tem dado um resultado bastante interessante. Esse tipo de análise, a gente conseguiu consolidar e manter de forma sistematizada desde que assumi a coordenação, e hoje, mesmo não sendo mais coordenador, pretendo continuar ajudando nessa atividade. Sobre a outra pergunta … eu não esqueci dela … uma coisa muito legal do curso de SI é que ele consegue formar tanto para a parte acadêmica quanto para o mercado de trabalho. Obviamente eu tenho que colocar alguns parênteses, alguns detalhamentos. Nunca foi intenção nossa formar em tecnologia. Hoje em dia é mais raro, mas antigamente tinha mais alunos que reclamavam: “ah! No meu processo seletivo está sendo pedido .NET e eu nunca tive uma aula de .NET” Bom, sim, não se preocupe, você vai continuar não tendo. Isso é tecnologia, não importa, você aprendeu fundamentos e se você aprende como uma linguagem de programação funciona, como um paradigma de programação funciona, você aplica para os outros. A gente deixa vocês mais perto do mercado de trabalho justamente com exemplos mais próximos, com atividades mais aplicadas, etc. E nesse sentido a gente consegue, e muitas empresas reconhecem isso. Na verdade, foram elas que vieram falar para a gente isso, que a gente consegue dar um perfil mais adequado ou já mais próximo do mercado de trabalho do que um bacharelado em Ciência da Computação costuma fazer. Por outro lado, sem ter perda nenhuma na parte científica também. Até porque, na verdade, essa intersecção é importante para as vagas mais interessantes – vou chamar de interessantes sem nenhum compromisso com essa palavra – dentro da área. Na verdade, muitas vezes você precisa especificar um algoritmo entendendo a complexidade assintótica. Bom, o curso não é um bacharelado em Ciência da Computação, então se vocês forem fazer uma prova como PósComp, eventualmente vai ter uma disciplina que vocês não tiveram aqui e que vocês teriam tido no bacharelado em Ciência da Computação e, por isso, pode ter umas três perguntas nessa prova sobre essa área que vocês não vão saber responder, mas seria algo muito pontual muito específico, e pode ser que aconteça na verdade o contrário, que caiam perguntas que vocês viram aqui e eles não teriam visto lá. E nesse sentido acho que a gente pode dizer com muito orgulho que vocês saem muito bem formados e preparados para o mercado de trabalho, talvez até de maneira mais próxima que um outro curso convencional da área, mas também sem perder nada para quem quiser seguir para área acadêmica.

PET-SI: Como foi citado, os grupos independentes ajudam os alunos a ter uma bagagem a mais ao longo da graduação. Como o “sufoco”, dojô, desenvolvimento web … e esses grupos ganharam muito destaque esse ano principalmente entre os calouros. O senhor teria algum tema para surgir para futuros grupos independentes?

Prof. Luciano: Isso é difícil, e é difícil por dois motivos: porque tem tanta coisa legal que qualquer sugestão pode ficar meio chutada (mas eu vou falar algumas coisas), e porquê de modo geral, esses grupos funcionam se tiver pelo menos dois alunos que estão muito a fim de trabalhar nessa área, e é isso que faz funcionar, obviamente eles fazem ponte com professor ou com a coordenação, mas são esses subconjuntos de alunos, que fazem funcionar. Uma coisa muito legal que está começando a acontecer ou está se consolidando agora é a parte de computação física, usando arduíno ou outras tecnologias (e eu acho que isso vai se consolidar, inclusive teve uma disciplina optativa aprovada). Tem ainda a parte de Deep Learning, por exemplo, que é uma parte muito legal e tem muita coisa que pode ser feita a partir disso e várias soluções de Inteligência de Negócios estão indo por essa direção, então é uma área que se você acha dois alunos muito interessados e se eles começarem a tocar, chama a atenção de muito mais gente e isso tende a ir para a frente. Mas realmente, daria para ter uns vinte grupos de estudos diferentes de coisas legais. Basta dois alunos bastante motivados para começar a chamar as outras pessoas e os professores obviamente também colaborarem …. isso dá certo.

PET-SI: Aqui na EACH, nós temos uma diversidade muito grande de cursos, há cursos extremamente diferentes. O senhor acha que isso agrega ao curso de SI mais do que se estivéssemos num campus que só tivesse os cursos de computação?

Prof. Luciano:Tem pontos positivos e negativos. Muita gente reclamava, e até hoje reclama, do ciclo básico por ser muito ortogonal ao curso. Mas você ter Mecânica Geral e de Fluidos dentro de um curso de Computação também é um tanto ortogonal ao restante do seu curso. Então nesse sentido, especialmente para o curso de SI, ter essa parte humana em disciplinas é importante. Na verdade, faz parte do currículo de referência em SI, ter disciplinas dessa área. Mas o que pode, ou deveria agregar, é a questão de vivenciar problemas diferentes, não só o raciocínio diferente, isso é importante, por isso vocês vão conviver nas disciplinas com alunos de outros cursos também, mas principalmente quando vocês começarem a pensar em resolver problemas de verdade, e isso é superimportante. Você conviver com alguém que vive o problema do outro lado, conviver com alguém que é usuário de sistema, enfim, esse ponto de vista, dependendo do curso e do campus, é difícil ter. É difícil, em outro tipo de ambiente, você conviver com essas pessoas tão diferentes, inclusive de formação, e aqui você consegue ganhar nisso. Inclusive para os professores, que podem ter projetos em conjunto com professores e outras áreas, e é importante ter projetos em conjunto envolvendo alunos diversos. A final do Imagine Cup do ano passado, na qual um time misto ganhou foi justamente por causa disso. Juntou expertises totalmente diferentes de docentes e de alunos e isso fez a diferença. A importância de ganhar um prêmio mundial, nesse sentido interdisciplinar, é fundamental para a gente entender isso; alguns dizem que a multidisciplinariedade é legal, que a ideia é bonita, mas não funciona. Não! Funciona sim! Os problemas do mundo real são interdisciplinares, multidisciplinares. Só não adianta a gente querer resolver o interdisciplinar se não tiver o conhecimento disciplinar. É importante a gente conseguir conciliar essas duas coisas. A formação de vocês não é para vocês por si só aprenderem tudo de dez cursos. É para vocês aprenderem muito bem as coisas de um curso, mas conseguirem ter o entendimento diferenciado em como aplicar isso nas outras áreas. Então isso, com certeza é uma grande vantagem que temos aqui na EACH.

PET-SI: Como você descreveria o perfil do aluno de SI comparando com alunos da POLI, do IME e de outras universidades como a UNICAMP?

Prof. Luciano: Os nossos ingressantes, principalmente depois que a gente criou a carreira, são basicamente os mesmos. Quem entra aqui tem o mesmo perfil daquele que entra nas outras universidades. Mas o perfil de egresso é diferente, e isso é muito legal. A gente vê que o aluno muda, inclusive as empresas perceberam que o aluno muda não só pelo conhecimento que é passado que é diferente obviamente, mas também por essas disciplinas em conjunto, por esse raciocínio em conjunto por conviver com professores de outros cursos e ao mesmo tempo com projetos que integram cursos. O aluno sai com uma cabeça diferente é até difícil de medir isso, mas você percebe e até os empresários te passam esse sentimento. Para gente isso é uma coisa gratificante. O aluno de um curso mais teórico realmente acaba ficando muito fechado. Quando eu prestei vestibular eu optei por ir pra UNICAMP ao invés de ir para o BCC do IME porque pelo que entendi da grade, era um curso mais aplicado. Eu achava que mesmo sendo BCC (na Unicamp também é BCC) seria mais interessante para mim, investir em um curso que tivesse o viés um pouco mais aplicado do que um pouco mais teórico apesar de obviamente ter uma intersecção entre os cursos muito grande. Então, nesse sentido, nosso curso consegue ser mais aplicado ainda. Obviamente tem gente que, a depender do que quer fazer da vida, precisaria ou gostaria de ter um viés mais teórico. São cursos diferentes.

PET-SI: A EACH tem diversos grupos de pesquisa como o GPOPAI, o GrIA, o NISC, o LAPiS e alguns outros. O que o senhor acha que, dada nossa base de professores, seria um novo tema para ter um novo grupo de pesquisa?

Prof. Luciano: Tema que falta na verdade é uma coisa difícil porque normalmente o que vai ser pesquisa tem que a ver com o perfil do pesquisador. E assim como acontece com os grupos de estudo, em que tem que ter pelo menos dois alunos que gostem muito do assunto sob estudo, em um grupo de pesquisa também tem que ter pelo menos dois professores que estejam muito interessados em um determinado tema. A pesquisa varia muito, mesmo no curso de SI. Há pesquisas totalmente aplicadas e qualitativas e há um pessoal que trabalha um pouco mais com a teoria. Há grupos trabalhando em temas que vão de um extremo ao outro. Mas, obviamente, cada um pesquisa nas áreas que tem interesse. E é assim que tem que ser. No trabalho de pesquisa a pessoa tem que realmente gostar do que faz, ou não dará certo. Quanto aos assuntos, eles esquentam e esfriam ao longo do tempo. Por exemplo, pesquisa envolvendo redes sociais online é uma coisa que ainda está bastante quente hoje e que, há sete ou oito anos, tinha pouca gente trabalhando. Inclusive hoje tem um grupo mais forte, tanto dentro do curso quanto fora trabalhando nesse assunto. A pesquisa sobre a nova Inteligência Artificial (IA), novas técnicas de IA que estão sendo empregadas, é algo que tem feito sucesso aí no mundo. Se faz sentido ou não estudar isso, obviamente tem que ver com os docentes que estão trabalhando com isso. Pesquisa de computação física ou web of things, integrando software e hardware, também é uma coisa que está bastante quente no mundo, mas novamente tem que ter gente que goste de estudar o tema … com todas essas coisas têm gente trabalhando aqui no curso de SI. Observando os grupos internacionais, analisando os dez departamentos mais famosos do mundo na área de Computação, uma coisa que a gente percebe, é que, na verdade, nossos grupos costumam ser muito mais densos do que esses outros grupos (os internacionais). A gente trabalha mais em conjunto, a gente colabora mais do que o que é comum nesses departamentos internacionais. Eles costumam ter pessoas muito importantes trabalhando com mais uma ou outra, e pessoas de fora do grupo, não dentro do grupo. Então, na verdade, a gente tem um perfil diferente, de colaboração para potencializar a pesquisa interna. Isso é legal, mas talvez uma próxima evolução, um amadurecimento da nossa pesquisa, seja também a gente começar a ter alguns destaques que comessem a fazer pontes com outros lugares. Hoje, a gente já tem várias pontes … mas precisa se consolidar nesse sentido de ser realmente o elemento principal de um grupo que tenham mais da metade de seus membros fora da unidade. Talvez essa seja a evolução natural, o amadurecimento da pesquisa dentro de SI e dentro da EACH.

PET-SI: Voltando a um assunto ligado ao ensino. Em algum momento já foi pensado ter um feedback dos alunos sobre as aulas?

Prof. Luciano: Isso voltou a ser discutido na CoC; como fazer isso! Antes, a gente tinha o sistema SIGA. Ele já apresentava alguns problemas, mas servia para fazer isso: todo ano todos os alunos deveriam avaliar todas as suas disciplinas. Porém, tinha algumas perguntas que não eram muito boas no sentido de não serem muito informativas. Além disso, era avaliado por disciplina e não por turma e isso gerava um ruído porque professores diferentes davam a mesma disciplina e a avaliação ficava um pouco estranha. Mas isso está sendo rediscutido tanto no GAP, na CG, quanto na CoC; a gente está pensando sobre como ter uma medida institucional para fazer isso de maneira sistemática. O intuito é fazer com que isso sempre ocorra porque é superimportante. O ruído não é tão difícil de filtrar porque, por exemplo, a gente tinha, mesmo na época do SIGA, cerca de 180 alunos que faziam Introdução a Programação e cerca de 150 preenchiam o questionário. Desses, 145 falavam que o professor era assíduo e cinco falavam que o professor nunca entrava na sala de aula. Então você pensa: “bom, tudo bem… isso é ruído e dá para gente filtrar”. O problema, no entanto, era que as perguntas eram apresentadas em alto nível e, se a gente tinha alguém que usava uma estratégia pedagógica diferente que estava dando certo, era difícil recuperar tal informação pelo sistema. Na verdade, você percebia que algumas turmas ou disciplinas estavam dando certo, ou seja, os alunos estavam gostando, e você tinha que descobrir o porquê, pois as vezes era porque tudo mundo passou e o motivo era só esse, às vezes não. Então era um sistema que pelo menos te dava algumas direções, mas não era suficientemente adequado pensando em como seria possível extrair coisas boas da disciplina e divulgar para os outros docentes para que eles tentem fazer a mesma coisa se eles quiserem. Hoje, está sendo pensado justamente em adaptar o SIGA, mudando as perguntas. Pretende-se chegar a um conjunto de 15 perguntas (por exemplo) mais adequadas para tentar justamente descobrir essas e outras coisas. O SIGA funcionava bem para tentar detectar que tinha algum problema com algum professor, alguma coisa esquisita acontecendo, como todo aluno falar que o professor não era assíduo. Mas as coisas boas não eram fáceis de serem recuperadas. Uma coisa que a gente queria era um sistema que a gente conseguisse pegar uns bons exemplos para divulgar, para que contagie as outras disciplinas também.

PET-SI: Foi discutido na avaliação do curso sobre um grupo de apoio aos alunos, como foi que surgiu esse grupo?

Prof. Luciano: Na verdade, já existia o grupo de apoio pedagógico que teoricamente deveria pensar em como fazer esse tipo de coisa. Ele tem outras atribuições também, e é esse grupo de professores que está sistematizando essa análise sobre feedback de alunos. São coisas paralelas que estão acontecendo. Principalmente a questão do sistema de acompanhamento, foi algo que já estava sendo discutido, mas que depois da avaliação do curso, recebeu prioridade. A gente precisa de uma medida institucional até para nos autorizar a tomar certas providências.

PET-SI: Fazendo uma pergunta mais pessoal, como se deu a conciliação entre desempenhar a sua função de coordenador e a sua função de docente?

Prof. Luciano: A gente tem muita atribuição … de muita coisa. Sempre que eu tenho muita coisa para fazer, ou seja, quase sempre, eu tento me organizar para dividir meu tempo entre todas as tarefas. Eu já tinha sido suplente da coordenação e já tinha uma noção mais o menos das coisas que precisavam ser feitas e de como fazer. Eu assumi uma nova atividade que dá bastante trabalho, então como encaixar esse trabalho nas minhas 24h de cada dia, dado que eu não queria abrir mão de nada? Eu tive que adaptar algumas coisas por causa disso, pois alguns horários que eu tinha disponível eu não teria mais. Uma coisa que a gente faz para resolver esse problema é trabalhar 60/70 horas por semana e aí, está tudo resolvido. Contudo, a partir do momento que você tem um filho isso começa a dar mais problema porque duas horas da manhã não é horário para você estar escrevendo um artigo, é horário de você estar trocando a fralda do bebê recém-nascido. Então foi necessário readaptar minha agenda e, inclusive, o maior desafio dessa adaptação foi o fato de ter filho porque antes a única coisa que eu tinha que fazer, é claro que entrando em acordo com minha esposa e tudo mais, era achar horários… minha esposa dava aula a noite e esse era um horário que eu já estava em casa. Então, já que ela estava trabalhando, e eu estava em casa, se eu trabalhasse mais quatro horas naquele dia, tudo bem. Mas com um filho isso muda e o maior cuidado que eu tive foi em como fazer essas adaptações considerando um filho. Ele acordava de madrugada a cada duas ou três horas, então obviamente eu ia participar desse revezamento de cuidar do bebê nesses dias, ou dia sim dia não, então a gente montou um esquema… nesses dias eu não dormia, eu preferia não dormir ao invés de ficar acordando de duas em duas horas. Assim, eu trabalhava a madrugada inteira em um cômodo do lado do quarto do bebê e cuidava dele e aí eu dormia algumas horas depois do horário que minha esposa já estava acordada. O mais difícil não foi adaptar a quantidade de trabalho, que essa já era prevista, mas sim como fazer isso considerando um dia útil de dez horas, e não de 12 ou 14 horas … que era o que eu podia considerar antes do meu filho nascer. Mas, realmente, a resposta para a pergunta é se organizar, tentar colocar prioridade nas coisas, não perder o foco — objetivo que hoje muita gente tem problema em alcançar. Se você tem muita coisa para fazer é muito fácil você se distrair e não fazer nenhuma delas. Então eu senti a necessidade de montar uma agenda. Sempre tive uma agenda semanal. Eu organizava mais o menos dentro do dia quais eram as minhas metas daquele dia. Montei essa rotina de agenda, adaptei aos horários de trabalho aqui, e algumas folgas que eu tivesse fora do horário de trabalho eu também usava para deixar tudo em ordem.

PET-SI: O senhor poderia falar um pouco sobre os altos e baixos na sua vida como aluno, na carreira como professor e como coordenador?

Prof. Luciano: Bom, em 1999 entrei no curso de BCC na UNICAMP — um curso noturno. Eu tinha passado no IME/USP também e em outras universidades, mas eu escolhi fazer lá por conta da grade do curso ser um pouco mais aplicada, e também pelo fato de ser um curso noturno porque o meu dia cresceria. Eu teria mais horas para poder me dedicar a outras coisas, inclusive trabalhar se necessário. Assim como a maioria de vocês, quando eu entrei na faculdade eu descobri que eu estava no mesmo nível de todos os demais alunos, então, aquela doce ilusão de “nossa, como eu sou um bom aluno” que eu tinha no colégio foi por água abaixo. Eu tive que escolher o que eu ia fazer da vida e eu escolhi que se eu ainda queria me destacar eu teria que estudar. Pela primeira vez na minha vida eu teria que estudar seriamente. Não que antes eu não estudasse, mas eu ia ter que estudar muito mais. Então, o primeiro baque foi esse. Nas primeiras aulas de Geometria Analítica, de Álgebra Linear, de Cálculo (eram salas grandes de turmas mistas do ciclo básico de exatas lá da UNICAMP) percebi, de repente, o professor falando de espaço n-dimensional e vários alunos fazendo perguntas que pareciam fazer sentido … para eles, mas não para mim. O professor respondia e … na primeira e segunda semana de aula os alunos já estavam tirando dúvida sobre derivadas. Foi então que eu pensei “é… acho que vou ter que estudar”. Então eu decidi que eu ia estudar, e o primeiro ano foi um ano de muito estudo, como eu nunca tinha estudado antes na minha vida. A partir do segundo ano eu já comecei a fazer iniciação científica. Desde o começo do segundo ano eu pensei: “ótimo, só estudo”. Fiz isso até o final da minha graduação. A pesquisa que eu desenvolvia era interdisciplinar, inclusive meu orientador era professor do Instituto de Biologia. Além disso, eu adiantei algumas disciplinas já que só estava estudando, adiantei principalmente as optativas livres, e no último ano eu aproveitei para puxar as disciplinas da pós-graduação, igual vocês podem fazer aqui. Durante a graduação eu não tive nenhum grande problema, usando essa estratégia a graduação fluiu bem. No final da graduação, em uma das disciplinas da pós, o trabalho final era fazer uma proposta de pós-graduação, um projeto de pós-graduação. Eu fiz e a professora que estava ministrando a disciplina perguntou se eu não queria executar esse projeto com um outro professor, em um projeto interdisciplinar de Bioinformática e Banco de Dados. Ela era professora de Banco de Dados e queria trabalhar com um professor de Bioinformática e ela achou que seria uma boa oportunidade. Eu faria essa ponte. Topei, me inscrevi no mestrado, fiz o PosComp, já tinha feito as disciplinas obrigatórias da pós-graduação, acabei sendo convidado para fazer o doutorado direto no próprio processo seletivo. Conversei com os meus orientadores e eles toparam e então fui para o doutorado direto. O doutorado direto é uma coisa assustadora, principalmente quando você está chegando na metade e você ainda vai qualificar e seus amigos já estão defendendo o mestrado. Você fica com medo de dar problema. Um susto que eu tomei é que o que seria meu projeto inicial que eu tinha definido no final do primeiro ano, e no começo do segundo ano do doutorado, a IBM lançou um edital para contratar algumas dezenas de engenheiros de software para fazer uma coisa muito parecida e lógico que maior e tudo mais. Imaginem, “eu e dezenas de engenheiros de software” é meio que uma concorrência desleal. Então eu tive que adaptar meu projeto de doutorado. Foi um susto. Nessa vida acadêmica de hoje em dia, um grande desafio é você ter como medir o que está fazendo, principalmente porque tem umas coisas que são muito longas e demoram muito para começar a ter resultados. Mas a filosofia que eu sempre usei e uso até hoje nesse tipo de projeto, ou na minha vida, é: trabalho! Vai trabalhando, pode ser que um dia você não está com nenhuma ideia genial, mas vai trabalhando que as coisas vão surgindo. Eu chegava cedinho no laboratório e saía no final da tarde ou à noite. Eu ficava trabalhando na ideia, desenvolvendo, lendo artigos para a coisa ir surgindo e para os objetivos do doutorado irem sendo atingidos. Deu certo. No meio do processo surgiu uma oportunidade de fazer tanto um intercâmbio científico quanto um estágio recebendo bolsa de doutorado da Microsoft Research e eu consegui ganhar essa bolsa nesse processo. Fiquei seis meses na Microsoft Research e foi bastante gratificante. Durante essa minha vida de trabalho acadêmica do doutorado eu costumava treinar vôlei de três a quatro vezes por semana também e corria para desestressar. É importante também você ter outro tipo de atividade para você não endoidar. Participei do INTERCOMP. Lá na Microsoft eu também participei de algumas atividades e depois eu voltei para o Brasil e continuei com isso, inclusive durante o doutorado. No dia da defesa do meu doutorado um professor me convidou para fazer pós-doutorado, e alguns meses depois de começar abriu concurso aqui na EACH. Eu prestei e vim para cá. Parei com todas as atividades extracurriculares, não consegui conciliar espaço físico, com horário e tudo mais para fazer cinco atividades físicas por semana. Quando eu prestei o concurso aqui eu tinha 26 anos. Por causa do doutorado direto e acho que até hoje eu sou o professor de SI que foi contratado mais novo … apesar da minha barba branca eu tenho 35 anos.

PET-SI: O senhor disse que entrou na graduação em 1999, relativamente recente. Mas de lá para cá muita coisa nova na área da Computação foi desenvolvida. O senhor acredito que esse novo desenvolvimento influenciou muito a Computação de lá para cá?

Prof. Luciano: O legal de ter base na tecnologia, de aprender fundamento, é que realmente não tem tanta mudança. Realmente aconteceram mudanças, mas é muito fácil de se adaptar a essas mudanças, que na verdade não foram tão drásticas. As grades curriculares evoluíram mais pela mudança de perfil de aluno. Lá na UNICAMP, assim como no IME, teve uma mudança de grade curricular relativamente grande em BCC, mas mais porque a sociedade mudou, não tanto pelo conteúdo das disciplinas. Mas só para que vocês tenham noção, eu tinha uma disciplina que a gente chamava carinhosamente de “Linguagens de programação esquisitas”, e era a disciplina que ensinava Computação Orientada a Objetos. Era uma coisa nova na época. Coisas que hoje são básicas, estavam surgindo naquela época. Na disciplina de pós de Engenharia de Software, eu fiz um trabalho sobre uma coisa nova que era Programação Extrema. A Engenharia de Software era ainda aquela engenharia mais tradicional com processos, com muita documentação, era algo bem separado do código e essa fusão é algo relativamente recente. Então, obviamente que houve mudanças, mas o interessante de ter uma base boa é isso, você consegue se adaptar muito facilmente e muito rapidamente às mudanças. Uma coisa engraçada que acontecia logo que eu entrei na graduação era a gente ficar no laboratório de madrugada, depois da aula, para baixar qualquer coisa que seja: um software, um artigo … Porque a maioria das pessoas tinha internet discada, inclusive na república em que eu morava a gente não tinha um plano de internet ainda, mas a gente tinha até uma LAN interna, que não era ligada à internet, mas servia para compartilhar arquivos. A gente só tinha uma impressora e ela era compartilhada dessa forma. Obviamente que nossa LAN servia para jogar joguinho também, mas não tinha internet. Só no meu segundo ano de graduação a gente fez um primeiro plano de internet. Isso mudou nosso acesso a informação. A gente tinha um professor que disponibilizava os PDFs, os slides — quando não era transparência — e tinha que ir na xerox fazer a cópia, mas aos poucos começaram a disponibilizar artigos digitais e a gente começou a ir no laboratório de noite para copiar num disquete de 3½. Era uma época diferente, e é interessante como realmente muita coisa de tecnologia mudou. Mas a questão de fundamento não mudou tanto, obviamente a Orientação a Objeto é uma coisa que entrou para ficar, e de um modo geral as práticas de Engenharia de Software evoluíram bastante, mas em termos de base, mais de 80% do que foi aprendido naquela época é basicamente igual até hoje.

PET-SI: O senhor tem algum plano agora que saiu da coordenação? E tem planos para voltar a ser coordenador do curso?

Prof. Luciano: Uma possibilidade que eu estou analisando com carinho, e sobre a qual vários colegas vieram falar comigo, inclusive vários coordenadores de outros cursos, é eu me candidatar à presidência da CG. Até o ano passado, o presidente da CG, tinha que ser um coordenador de curso. Assim como o coordenador de curso é eleito dentre os membros da CoC, o presidente da CG era eleito dentre os titulares da CG, mas agora não, agora é uma função à parte, eleita de maneira separada. Obviamente, é uma eleição, caso eu me candidate, eu posso ganhar ou não ganhar, eu não ganhando eu posso voltar a olhar com carinho, por exemplo, para coordenação do curso de SI. Por enquanto eu ainda faço parte da comissão e temos aí mais um ano e nove meses da coordenação atual. Se não tivesse surgido essa oportunidade de eu me candidatar como potencial presidente da CG, tinha até conversado com o atual coordenador da pós-graduação em SI sobre entrar como membro titular dessa comissão, para eventualmente eu poder concorrer a um mandato de coordenador futuramente. Haverá eleição nesses próximos meses e a ideia seria eu me candidatar como suplente. Mas, não faz sentido pensar nessas duas coisas. Não faz sentido acumular cargos, é muita coisa para fazer.

PET-SI: O que o senhor leva de aprendizado no geral como coordenador do curso?

Prof. Luciano: O que você mais aprende é sobre a EACH. O fato de você estar na CG, convivendo com os outros coordenadores, te possibilita ter uma noção maior sobre como cada curso funciona, quais são as dificuldades que cada curso tem. Tem curso que tem dificuldade de atrair o aluno, tem curso que tem dificuldade para ser reconhecido no seu conselho, tem curso que os concursos públicos que abriram na área não colocavam explicitamente o nome do curso e por isso o candidato precisava de uma liminar para poder concorrer, são coisas totalmente fora do nosso contexto. Nesse sentido meu entendimento da EACH passou de 20% para 40%, dobrou ou mais que isso. Dentro do curso, como coordenador, você começa a entender um pouco melhor duas coisas: uma é a questão interpessoal de docentes, enquanto docente, não se tem um conhecimento sobre todos os processos e procedimentos, e a coordenação de curso acaba sendo uma ponte para isso; uma outra coisa que às vezes a gente acaba sendo obrigado a entender é sobre as relações trabalhistas que envolvem nosso contexto. Os professores têm um período probatório de seis anos e nesse período é necessário fazer relatórios que são avaliados. Nessa avaliação, eventualmente, dá um problema. Em uma unidade normal quem cuida disso é o chefe de departamento, aqui é o coordenador do curso. Por mais que seja estranho, o coordenador não é o superior hierárquico mas acaba tendo até que lidar com questões pessoais dos outros colegas. Isso, a princípio não faria parte do meu cotidiano. Mas você acaba tendo uma relação, de certa forma, mais próxima com alguns colegas. Por causa disso, por causa da função de coordenador, você passa a entender algumas coisas que antes você não entendia. Sabe aquela história de que diariamente todo mundo está enfrentando sua própria batalha, que a gente basicamente não sabe nada sobre ela, pois a gente só tem uma interface muito pequena com as pessoas? Por isso, às vezes a gente acha coisas esquisitas por não conhecer o outro lado, e na coordenação do curso você acaba conhecendo. E uma coisa que é super legal, mas não é explicita ao coordenador de curso, mas que acaba acontecendo bastante, principalmente em colação de grau ou eventos dessa natureza como a recepção dos calouros, é que você acaba conhecendo um pouquinho da família de vários dos alunos, e isso é bem interessante. Tanto no ingresso, quando você está ali na sala dos pais conversando com eles e vendo quais são os anseios e as preocupações, como no final, quando você vê o sonho da família realizado. De repente, aquele aluno que você foi professor e que entrou com aquele requerimento complicado que você conseguiu agilizar, está agora colando grau. Para a família inteira do aluno, não só para aquele núcleo que está ali, mas para o núcleo expandido, ele é a referência de caminho a seguir na vida; e você fala “Puxa! Participei desse processo. ” Participei de uma forma mínima, mas é muito legal perceber isso até mesmo para a gente valorizar porque às vezes tem tantos alunos, tantas coisas, tantos procedimentos, processos, requerimentos, que eles viram números. São documentos nos quais você analisa uma regra, vê um número e bate um carimbo. Mas, na verdade, não, são pessoas que estão ali envolvidas. É por isso também que a gente faz muitas coisas que a gente não precisava. Pensamos … “vamos analisar o histórico escolar de todos os alunos que já entraram no BSI da EACH para descobrir o que a gente pode mudar para melhorar o ensino. ” Então, com as mudanças implantadas, aumentamos, por exemplo, em 2% o número de alunos que se formam. Isso vale a pena. Na coordenação a gente acaba aprendendo muito sobre as pessoas, e isso é muito legal. E a gente acaba tendo uma visão muito maior da escola como um todo.photo_2016-05-18_02-21-28-1024x768