O uso das redes sociais em manifestações

O uso das redes sociais em manifestações

A internet é vista por alguns como ambiente de descontração, entretenimento ou até mesmo de trabalho, mas de poucos anos para cá vem se tornando um espaço de difusão de informações para manifestantes se organizarem. Aqui discutimos como o uso das redes sociais beneficiaram diversos protestos pelo mundo e pelo Brasil.

Gabriel Andrade Dantas de Oliveira e Ricardo Faria da Silva

Protestante conectada. Fonte: http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/03/era-dos-protestos-conectados.html
Protestante conectada. Fonte: http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/03/era-dos-protestos-conectados.html

O Brasil vive um momento de instabilidade política como jamais vista antes. Contribuiu para esse fato não só a crise econômica, mas também a crise das instituições políticas. Nesse contexto, a população vem ganhando destaque ao promover as mais diversas mobilizações de apoio ou protesto às decorrentes tentativas de retomada do antigo equilíbrio alcançado pelo país. Com o amplo uso das redes sociais, como Twitter e Facebook, a divulgação de notícias e eventos relacionados a esse fenômeno fez com que o interesse e a aderência nas mobilizações crescessem.
Dados da TIC Domicílios, pesquisa que mede o uso, o acesso, a posse e os hábitos da população em relação às tecnologias da informação e comunicação, mostram que mais de 102 milhões de brasileiros usam a Internet, representando cerca de 58% da população [1]. Com esse número expressivo é possível imaginar o impacto que o acesso à Internet vem causando na vida do brasileiro, especialmente em relação às redes sociais. Mais da metade da população tem oportunidade de participar desse ambiente tão vasto e repleto de oportunidades. O Brasil é o país que mais usa as redes sociais na América Latina, com ênfase ao Facebook: 95% dos brasileiros que possuem alguma rede social estão no Facebook [2].
Esses dados motivam uma reflexão sobre como a Internet pode afetar a vida de nosso país e mudar nossas formas de relacionamento, servindo como um possível ponto de partida para futuras mudanças. Dado o tamanho do Brasil na Internet e seu enorme potencial, a reconstrução pós-crise pode ser iniciada por meio de discussões no meio digital, ou partindo deste para o real.

O CIBERESPAÇO

Segundo Leonardo Sakamoto [3], as “tecnologias de informação e comunicação, sobretudo as redes sociais da Internet, não são apenas ferramentas de descrição, mas sim de construção e reconstrução da realidade. Quando alguém atua por meio de uma dessas redes, não está simplesmente reportando, mas também inventando, articulando, mudando. Isto, aos poucos, altera também a maneira de se fazer política e as formas de participação social”.
O ciberespaço [4] surge como um espaço ocupado por diversos tipos de sujeitos altamente heterogêneos e multifacetados, capazes de utilizar as ferramentas disponíveis pela tecnologia para uma mobilização e organização de tamanho e intensidade antes nunca vista. E é justamente esse veículo que mais se aproxima da ideia da liberdade plena, permitindo a esse sujeitos emitir sua opinião e interagir com outros grupos de forma facilitada. Então abre-se uma brecha para aqueles que não se sentem representados pelo modelo tradicional de comunicação vertical, já que no ciberespaço todas as culturas, disciplinas e discussões se entrelaçam.
Na atualidade, o uso massivo das redes sociais faz com que estas se estabeleçam como novos meios de formação de sociedades [7]. Por meio das redes, informações podem ser compartilhadas de maneira instantânea, fazendo com que a comunicação aconteça muito rápido e em larga escala, atingindo inúmeras pessoas. As redes sociais permitem que as pessoas compartilhem seus próprios pontos de vista, ideias e afins, fazendo com que cada um “seja o editor do seu próprio jornal” [8]. É necessário reconhecer então que as redes sociais têm o poder de conscientizar e colaborar na luta pelas causas sociais com rapidez e abrangência, e de abrir caminhos para a reivindicação dos direitos, em nível ambiental, político e social. As redes sociais podem originar comunidades de atividade ou interesse, distintamente dos grupos de opinião de imprensa ou das massas de consumo da mídia tradicional. Dessa forma, quebra-se o monopólio dos grandes meios de comunicação e se inicia um processo de disseminação de informação muito mais democrático, fazendo gradualmente com que a informação dada de forma vertical perca seu espaço para os novos meios [9]. O canal Mídia Ninja [6] é um reflexo desse fenômeno, onde há uma lógica colaborativa de criação e compartilhamento de conteúdo, respeitando sempre a diversidade e o espaço de fala de todos os setores da sociedade.

Manifestantes reafirmando a identidade do ciberespaço Fonte: http://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/wp-content/uploads/ciber1.png
Manifestantes reafirmando a identidade do ciberespaço Fonte: http://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/wp-content/uploads/ciber1.png

O ciberativismo aparece então como uma forma de aproveitar esses recursos como um mecanismo de mobilização e enfrentamento político, social e cultural.  Vegh [5] conceitua ciberativismo como a utilização da Internet por movimentos politicamente motivados. Para o autor, o ativismo digital possui três categorias de atuação: a primeira está relacionada com a conscientização e promoção de uma causa, com a difusão de informações e eventos quebrando o bloqueio dos meios de comunicação tradicionais hegemônicos, agindo como meio alternativo de informação; a segunda envolve a organização e mobilização a partir do uso da Internet, tendo em vista uma determinada ação; e a terceira é a da ação e reação, com o chamado hacktivismo ou ativismo hacker, que engloba vários tipos de ações, como apoio on-line, invasão ou congestionamento de sites.

O CIBERATIVISMO NO BRASIL E NO MUNDO

A influência da rede em protestos se concretiza em diversos atos no Brasil e no mundo. O ciberativismo feito dessa forma ganhou força nos acontecimentos da chamada “Primavera Árabe”, série de protestos iniciada no final de 2010 ocorrida no mundo árabe, se estendendo pelo Oriente Médio e a África. O uso da Internet pelos protestos foi tão grande que diversos governos cortaram o acesso para sua população, para assim tentar conter o crescimento dos movimentos e para que as notícias do que estava acontecendo em cada país não se espalhasse para o resto do mundo [10][11].

Manifestação pela renúncia do presidente Ali Abdullah Saleh, em Sanaa, Iêmen. Fonte: http://internacional.estadao.com.br/blogs/olhar-sobre-o-mundo/wp-content/uploads/sites/469/2011/12/C060.jpg
Manifestação pela renúncia do presidente Ali Abdullah Saleh, em Sanaa, Iêmen.
Fonte: http://internacional.estadao.com.br/blogs/olhar-sobre-o-mundo/wp-content/uploads/sites/469/2011/12/C060.jpg

No Brasil, um exemplo claro do uso das redes sociais em manifestações pôde ser visto nas Jornadas de Junho de 2013, quando uma enorme parcela da população brasileira foi às ruas em protestos organizados pelas mais diversas pautas, em um primeiro instante contra os aumentos das tarifas de transporte público, obtendo uma grande participação da população. Com isso, o espaço das redes sociais começa a ter um debate de cunho político mais forte, havendo grande troca de informações dos mais diversos pontos de vista. Tais redes podem ser vistas como tendo um importante papel na mediação das manifestações, já que os participantes podem interagir em tempo real com os acontecimentos, trocar informações para melhor organizar a manifestação e mobilizar mais pessoas para o movimento [9][12].

Manifestantes das Jornadas de Junho, no Congresso Nacional. Fonte: http://1.bp.blogspot.com/-7P9mapDdWmY/Vfl2ycJMicI/AAAAAAAABa0/OdQefyzl5l8/s1600/jornadas%2Bde%2Bjunho2.jpg
Manifestantes das Jornadas de Junho, no Congresso Nacional.Fonte: http://1.bp.blogspot.com/-7P9mapDdWmY/Vfl2ycJMicI/AAAAAAAABa0/OdQefyzl5l8/s1600/jornadas%2Bde%2Bjunho2.

Diante destes fatos, podemos ver que o uso da internet, em especial das redes sociais, pode impactar direta e indiretamente em acontecimentos do mundo real. Movimentos sociais podem ser beneficiados pelo uso das redes, assim como movimentos que nasceram nas redes podem crescer para fora destas. No entanto, apesar de sua influência, podendo até causar revoluções, deve ficar claro que as redes sociais não são a causa destas, mas sim uma ferramenta que pode ser utilizada como auxílio em diversos pontos, seja para levantar debates, mobilizar pessoas ou organizar manifestações. São esses instrumentos fornecidos que ampliam a participação democrática da população e permitem uma maior mobilização política. Portanto, as redes sociais já demonstraram ser preciosas para o exercício da liberdade e cidadania, cabendo a nós, seus usuários, continuar nessa longa caminhada a favor da democracia.

Referências:

[1] http://www.brasil.gov.br/ciencia-e-tecnologia/2016/09/pesquisa-revela-que-mais-de-100-milhoes-de-brasileiros-acessam-a-internet Pesquisa revela que mais de 100 milhões de brasileiros acessam a internet. Portal Brasil. Setembro de 2016.

[2] https://canaltech.com.br/redes-sociais/brasil-e-o-pais-que-mais-usa-redes-sociais-na-america-latina-70313/
Brasil é o país que mais usa redes sociais na América Latina. Canaltech. Junho de 2016

[3] SAKAMOTO, Leonardo. Em São Paulo, o Twitter e o Facebook foram às ruas. In: MARICATO, Ermínia et al. Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2013, p. 95-100.
[4] O termo ciberespaço foi criado em 1984 por William Gibson, um escritor norte-americano que usou o termo em seu livro de ficção científica Neuromancer
[5] VEGH, Sandor. Classifying forms of online activism: the case of cyberprotests against the World Bank. In: MCCAUGHEY, M., AYERS, M.D. (ed.). Cyberactivism: online activism in theory and practice. London: Routledge, 2003.
[6] https://www.facebook.com/MidiaNINJA

[7] LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999; O que é virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996.

[8] AMARAL, Roberto. A grande rede e a explosão das ruas. Publicado em Carta Capital Online em 27/08/2013. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-grande-rede-e-a-explosao-das-ruas-3044.html> . Acesso em junho de 2017.

[9] RODRIGUES, Adriana Alves. Redes sociais e manifestações: mediação e reconfiguração na esfera pública. In: SOUSA, Cidoval Morais; SOUZA, Arão de Azevêdo. Jornadas de junho: repercussões e leituras. Campina Grande: EDUEPB, 2013.

[10] TAVARES, Eduardo. Um resumo, país a país, dos protestos que abalam o mundo árabe. Publicado em Exame em 09/03/2011 e disponível em <http://exame.abril.com.br/mundo/um-resumo-pais-a-pais-dos-protestos-que-abalam-o-mundo-arabe/>. Acesso em junho de 2017.

[11] SILVA, Rafael. Governo da Argélia corta internet e deleta perfis no Facebook. Publicado em Tecnoblog em 2011 e disponível em: <https://tecnoblog.net/56870/governo-da-argelia-corta-internet-e-deleta-perfis-no-facebook/>. Acesso em junho de 2017.

[12] QUEIROZ, Eliani de Fátima Covem. Ciberativismo: a nova ferramenta dos movimentos sociais. Revista PANORAMA, PUC de Goiás, Goiânia, v. 7, n. 1, p. 2-5, jan./jun. 2017.