O transporte certamente é um transtorno na vida dos habitantes de São Paulo, que levam em média duas horas e 38 minutos por dia no trânsito para realizar suas tarefas diárias [1]. Imagine, então, se houvesse uma maneira de aumentar a eficiência do transporte, reduzindo o stress e a perda de tempo associada à locomoção no dia a dia. É esta uma das propostas por trás dos carros autônomos.
Daniel Bolsonaro Vaz Filho e Vinícius Shoiti Koike Graciliano
Na última década, diversas montadoras vem implementando funcionalidades em seus carros que garantem ao motorista um certo grau de assistência computacional, como assistentes de estacionamento ou sistemas que mantém a velocidade e faixa em uma estrada. Porém, muitas empresas de tecnologia visam remover completamente o componente humano por trás do volante.
Uma destas empresas é a Waymo, que nasceu do projeto de carros autônomos da Google. Em desenvolvimento desde 2009, os carros da Google já percorreram mais de 6 milhões de milhas em testes [2] e foram os primeiros a atingir o quarto nível de autonomia [3] dentre os seis ditados pela Society of Automotive Engineers [4], conforme a mostra a figura 1.
Figura 1 – Níveis de automação de direção, segundo a SAE. Adaptado de: Automated Vehicles for Safety.
A Waymo prepara-se agora para lançar seu serviço de táxis autônomos que vem sendo testado com um número reduzido de clientes em uma cidade do Arizona, estado dos Estados Unidos da América onde a legislação relativamente relaxada permite sua operação [21]. Além disso, as condições climáticas da região ensolarada, como a baixa incidência de chuva e neve, tornam o ambiente de testes mais atraente [3].
Mas a Waymo não é a única fazendo grandes progressos na área de transporte autônomo. Uma famosa competidora é a Tesla, importante montadora de carros elétricos estadunidense. Atualmente, seus modelos têm uma tecnologia denominada de Autopilot, que dá a seus carros a capacidade de atender o terceiro nível de autonomia e oferece aos compradores a opção de adicionar ao veículo mais sensores que futuramente serão utilizados para obter um nível de automação completa [22].
Figura 2 – Carro da Waymo. Fonte: Wikimedia Commons.
Algumas desenvolvedoras como a BMW também possuem planos de implementar algum sistema de nível 3 em seus carros [23]. Outras, porém, como a Waymo [24] e a Toyota [25], acreditam que é mais viável remover o componente humano e desenvolver sistemas completamente autônomos. Para elas, há um problema pois os motoristas passam a rapidamente confiar na tecnologia e começam a distrair-se. Em casos onde o sistema é incapaz de operar e devolve o controle ao piloto, é possível que o motorista esteja no celular, comendo ou até mesmo dormindo.
Alguns acreditam também que a tecnologia assistiva fará com que ocorra uma atrofia nas habilidades dos motoristas, análoga ao cenário da aviação, onde acredita-se que a sobre confiança na automação foi um fator responsável em alguns acidentes aéreos. [26]
De uma maneira ou outra, diversas companhias, além das já citadas, como a Volvo [5] e Nissan [6], por exemplo, possuem seus programas de testes e prometem datas tão próximas como 2020 para a implementação em grande escala de suas tecnologias autônomas, nos assegurando de que o problema dos carros autônomos é um problema que será resolvido no futuro próximo.
E como será tal futuro? Uma mudança drástica em um aspecto tão importante do cotidiano como o transporte certamente trará grandes disrupções na sociedade. Uma mudança comumente citada é a redução de acidentes. O Brasil é o quinto país do mundo em número de mortes no trânsito e perdeu em 2016 cerca de 56 bilhões de reais devido aos acidentes [7]. Um estudo estadunidense afirma que 94% dos acidentes no país tiveram como razão crítica um erro do motorista [8]. Os carros controlados por software têm o potencial de remover o erro humano como fator causador de acidente [4] e introduzem outros componentes de segurança a um veículo, como sensores que analisam os 360 graus em volta do carro, ao invés do campo de visão limitado do ser humano, e a possibilidade de uma comunicação sofisticada entre veículos, com trocas de mensagens entre computadores ao invés do atual sistema de buzinar e piscar o farol.
Esta comunicação entre veículos pode também tornar o trânsito mais enxuto e coordenado, já que veículos dirigindo de maneira sincronizada podem reduzir a distância entre si [9]. A redução do espaçamento entre os veículos traria uma utilização mais eficiente da área pavimentada, aumentando a vazão de veículos em um determinado espaço. Além disso, carros autônomos não apresentam a característica humana de constantemente trocar de faixa, comumente responsável em criar congestionamentos, tornando-os um possível redutor de congestionamentos [9][10] e consumo de combustíveis ao reduzir a frenagem seguida de aceleração em tais cenários [10]. Alguns imaginam ainda que carros autônomos poderão organizar-se de maneira a eliminar a necessidade de semáforos, comunicando-se para decidir qual carro passará na intersecção em qual momento [27].
Outros acreditam, porém, que os benefícios que serviços de transporte autônomo como a Waymo ou Nissan planejam oferecer farão deles um agravante aos congestionamentos ao diminuir os custos e preocupações de utilizar um carro, como o gasto com combustível e estacionamento, encorajando a demanda por carros e reduzindo a demanda de meios de transporte público, aumentando ainda mais a quantidade de veículos por pessoa nas ruas [11].
A ideia de que um carro de passeio autônomo nos economizaria tempo, portanto, é contestável. Mas sem a preocupação de dirigir, é fácil imaginar um cenário em que o viajante pode dedicar seu tempo a tarefas mais produtivas. Conforme a necessidade de um piloto é eliminada, podemos nos desvencilhar do design habitual automobilístico e possuir carros, por exemplo, cujo interior é um pequeno escritório ou uma sala de estar, reaproveitando o tempo improdutivo gasto no tráfego [12].
Mas os carros de passeio não são os únicos que sofrerão mudanças. Inclusive, acredita-se que é possível que a tecnologia atinja de forma significativa os caminhões antes dos carros de passeio, já que as estradas são mais fáceis de lidar do que ambientes urbanos, pois provêem ao software um ambiente de aprendizado com menos variáveis para se preocupar [13]. Para o transporte de bens em menor escala e distância, como deliveries ou e-commerce, uma startup chamada Nuro, criada por ex membros da Waymo, projetaram uma van autônoma cuja missão é fazer suas entregas [14].
Figura 3 – Caminhão autônomo da empresa Otto, adquirida pela Uber em 2016. Fonte: Wikimedia Commons.
Além das ruas, procura-se também soluções navais para a automação. Empresas como a Rolls-Royce [15] ou a Oceanalpha [16] possuem iniciativas que visam criar navios de carga não tripulados, que não estão sujeitos a erros humanos, ou alvos à ataques piratas, tornando o transporte marítimo de carga mais eficiente e seguro [15]. Enquanto isso, pesquisadores do MIT buscam auxiliar o trânsito em cidades ricas em canais, como Amsterdam ou Veneza, criando barcos autônomos possivelmente impressos em 3D que possam transportar bens e pessoas, ou até mesmo realizar serviços como a monitoração da qualidade da água ou a coleta de lixo nas cidades [17].
Apesar do progresso que as iniciativas de veículos autônomos apresentam, ainda existe insegurança por parte da população em relação à tecnologia. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos pela American Automobile Association mostra que 74% da população ainda tem medo de andar em um carro que se pilota sozinho [18]. Além disso, com a ameaça da eliminação de empregos, como os dos caminhoneiros [19], por exemplo, é possível que a tecnologia encontre resistência da população ao desestruturar o mercado, tornando a tarefa de substituir um ser humano tão social e economicamente complexa quanto tecnologicamente, discussões já tratadas em recente matéria do Coruja Informa [20] sobre o embate de Tecnologia versus Empregos.