A cor estrutural da asa da borboleta: sua relação com a nanotecnologia e com o cotidiano

Além de um mecanismo de mimetismo ou camuflagem, as asas das borboletas possuem outras funções, como aviso de presença de predadores ou de alimentos

A evolução é um processo que indica quais características possibilitam que as espécies apresentem um sucesso adaptativo. Com as borboletas esse fator não foi diferente. Ao longo dos anos, uma característica herdável e adaptativa surgiu, e apresentou um grande sucesso de sobrevivência e reprodução. Assim, nos dias atuais é possível notar como elas são importantes para o sucesso desses invertebrados. O aspecto que será abordado nesse texto é a cor estrutural da asa da borboleta, que apresenta conceitos muito além do que se pode imaginar.

Diferentemente da cor química, que é encontrada em pigmentos, na maior parte dos seres vivos, como muitos vegetais, e que podem sofrer alterações decorrentes de algumas reações químicas (como ocorre com a árvore bordo no outono, em que as folhas apresentam um aspecto alaranjado, divergindo de como ela é na primavera, quando suas folhas ficam verdes, por exemplo), a cor estrutural é um fenômeno físico, decorrente devido à ação ótica superficial de difração das estruturas de ordem nanométrica.

Apesar de presente em outros organismos, as borboletas se mostraram os melhores exemplos desse fenômeno ótico e o avanço da nanotecnologia foi fundamental para se estudar seu funcionamento, pois assim foi possível reproduzir essas estruturas, artificialmente, e compreender como é possível utilizar mecanismos semelhantes para aplicações em diversos campos, como será apresentado a seguir.

Cor química x cor estrutural

A cor química se apresenta por meio de pigmentos que absorvem a luz visível e refletem apenas determinado comprimento de onda, que não foi absorvido ou que foi gerado a partir da excitação de um elétron, que passa de um orbital para outro de energia superior. Ao retornar ao seu estado eletrônico fundamental, um fóton é emitido, apresentando determinada coloração, caracterizada pelo intervalo de comprimentos de onda emitido. Quando há um excesso de energia, esta é reemitida por meio de fenômenos como fluorescência ou fosforescência. Nos seres vivos isso ocorre devido a processos bioquímicos, que estão envolvidos em diversas reações entre açúcares e enzimas específicas.

A cor estrutural, por sua vez, não está relacionada a pigmentos. A asa da borboleta apresenta determinada coloração e determinado padrão por conta de um fenômeno físico. A estrutura das asas da borboleta apresenta escamas em escala micrométrica, dispostas de forma periódica, como ocorre em um telhado, em que cada escama seria uma cerâmica e a asa como um todo seria o telhado. Nesse sentido, foi observado que o espaçamento entre as escamas é fundamental para refletir a cor que a borboleta apresenta, pois é a partir disso que haverá múltiplas reflexões e interferências nos comprimentos de onda que chegam aos olhos. Além da reflexão e da interferência, outros fenômenos óticos ocorrem, como a fluorescência, refração e iridescência.

Modelo para explicar a cor estrutural

As nanoestruturas da espécie de borboleta Blue morpho foram tomadas como referência para se explicar os fenômenos óticos que ocorrem em suas asas. Assim, foi possível observar que em cada lamela (componente das escamas) ocorre o fenômeno de interferência, gerada pela reflexão de parte da luz incidente com a refração de outra parte da luz e sua posterior reflexão. Isso causa uma interferência construtiva, na qual há uma soma entre os índices de refração, consequentes dos diferentes meios, o ar e a lamela, que é semitransparente. Assim, na superfície da lamela, uma fração da onda incidente é refletida e a parte da onda incidente que passa pela lamela é refratada.

Em 2002, Kinoshita e colaboradores modelaram matematicamente o funcionamento da reflexão da asa da borboleta, em relação à disposição das lamelas nas escamas, de forma simplificada. Esse modelo foi capaz de demonstrar a relação entre a distância que as lamelas apresentam entre si e a coloração que elas refletem. Assim, quanto maior a distância entre as lamelas, menor a refletividade, e as lamelas que apresentavam maior refletividade se assemelharam bastante ao modelo real da Blue morpho. Os resultados observados apresentaram, portanto, um modelo coerente ao que ocorre na natureza, apesar de o estudo ainda considerar que a estrutura da asa da borboleta é mais complexa do que o modelo proposto.

Inspiração para a nanotecnologia

A partir da compreensão do funcionamento da cor estrutural, é possível empregar esse conhecimento em diversos campos, tais como:

  • na preparação de cristais fotônicos, que são estruturas nanométricas, tridimensionais, que se assemelham a uma colmeia. Essas estruturas podem ser usadas na confecção de guias óticos que podem ser usados na fabricação de fibras ou microchips capazes de transmitir uma grande quantidade de dados;
  • foi proposta também a utilização desses cristais para confeccionar lentes, tintas e membranas que alteram a coloração;
  • no desenvolvimento de tintas que tornariam algumas superfícies não detectáveis por radares;
  • outros estudos, envolvendo a espécie Papilo blumei, indicam que a produção de um verde intenso observado na asa dessa borboleta pode ser usada para estampar cédulas de dinheiro e de ingressos, tornando quase impossível a falsificação;
  • no Japão, fibras de poliéster em escala nanométrica foram desenvolvidas e apresentam coloração intensa, para fins de sinalização, como em jaquetas e capacetes.

Para mais informações, acesse:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-11172013000200001&script=sci_abstract&tlng=pt

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