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Funk ostentação em São Paulo: imaginação, consumo e novas tecnologias da informação e da comunicação
Funk ostentação em São Paulo: imaginação, consumo e novas tecnologias da informação e da comunicação
porAlexandre Barbosa PereiraresumoO artigo aborda a configuração recente de um movimento musical, protagonizado principalmente por jovens de origem pobre, em São Paulo, o funk ostentação. A partir da pesquisa em casas noturnas e da observação de videoclipes na internet, explora-se a importância das referências a marcas de diferentes produtos e bens de valor elevado e a imagem como componente fundamental para a apresentação e divulgação desse estilo musical. Nesse circuito funk, a proposição de Arjun Appadurai sobre a centralidade do deslocamento pelas migrações e novas tecnologias da comunicação mostra-se como um caminho importante para se refletir sobre esse funk a partir da ideia de imaginação. -
Marcos fundamentais da Literatura Periférica em São Paulo
porAntonio Eleison LeiteresumoA literatura da periferia de São Paulo se divide em dois períodos históricos: a) Literatura Marginal, de 2000 a 2005 e b) Literatura Periférica, a partir de 2005 até os dias atuais. A primeira fase teve como marco inaugural a publicação do livro Capão Pecado, de Ferréz, no ano 2000, obra muito influenciada pela cultura hip hop, especialmente o RAP. Este escritor foi o principal nome dessa fase, sendo também seu maior articulador, ao coordenar inúmeras coletâneas literárias que proporcionaram o surgimento de dezenas de autores. O segundo período é marcado pela ascensão dos saraus, principalmente do Sarau da Cooperifa. Este Coletivo publicou sua antologia em 2005 e estimulou diversos saraus a fazerem o mesmo. Viabilizados, em boa parte, por políticas públicas, perto de 200 livros, coletivos e individuais, foram lançados desde então, configurando um vigoroso movimento cultural. Entretanto, passados 12 anos, a rubrica periférica e/ou marginal se mostra insuficiente para identificar essa prática literária. Este artigo apresenta duas hipóteses para superação desse problema. A primeira é contextualizar a literatura periférica como uma dimensão da cultura popular urbana, ampliando assim o seu alcance como expressão cultural, sem prejuízo da sua identificação de origem. A segunda é de ordem estética e implica na afirmação da busca da qualidade como um imperativo da criação. Esse desafio, porém, requer, por parte dos escritores, uma disposição para se submeterem à crítica, ao mesmo tempo em que torna-se necessário um novo paradigma crítico que possa responder à especificidade dessa literatura. -
Estudios culturales en América Latina
porEduardo RestreporesumoDuas grandes confusões parecem operar, com frequência, nos discursos em torno dos estudos culturais na América Latina. A primeira é a equivalência de estudos culturais e estudos sobre a cultura. A segunda, muito frequente no contexto estadunidense, é misturar sob o rótulo de estudos culturais a produção heterogênea de intelectuais latino-americanos que abordaram assuntos de cultura e poder e a de acadêmicos latino-americanistas das universidades do Norte. Neste artigo se evidenciam os problemas de ambas as confusões e se sublinham algumas de suas nefastas consequências para a articulação de um projeto intelectual e político de estudos culturais na América Latina. -
Valesca Popozuda: ministra da Educação
porAristóteles BerinoresumoOs chamados funks sensuais fazem parte da cultura juvenil da cidade do Rio de Janeiro. Valesca Popozuda é uma das suas principais estrelas, amplamente conhecida através das mídias. As vozes femininas do funk chamam atenção pelas letras que narram façanhas e fantasias que destoam da imagem que são destinadas ao sexo feminino. São vozes que que presentificam existências recalcadas pelo falocentrismo dominantes nas narrativas sobre o amor, o sexo e a vida na cidade. Seus aspectos políticos e culturais são agora estudados e debatidos. A política convencional também desperta para a cultura popular das periferias. O artigo lembra dois encontros ocorridos entre Lula e Valesca Popuzada, nos anos de 2008 e 2009. Oportunidade para a funkeira entregar ao então presidente uma letra de música que fala da favela, do funk, dos jovens e até da possibilidade de ser ministra da Educação. O artigo discute a intromissão das vozes femininas dos funks sensuais na vida das cidades como agenciamento politicamente significativo através das interpelações que produz. Na tradição dos estudos culturais, se propõe a problematizar o poder através também da criação popular no circuito da cidade. -
Rolezinhos: Marcas, consumo e segregação no Brasil
porRosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury ScalcoresumoNo início de 2014, o fenômeno conhecido como rolezinho ganhou ampla visibilidade nacional e internacional. Trata-se de adolescentes das periferias urbanas que se reúnem em grande número para passear nos shopping centers de suas cidades. O evento causou apreensão nos frequentadores e fez com que alguns proprietários dos estabelecimentos conseguissem o direito na justiça de proibir a realização dos rolezinhos, barrando o acesso dos jovens. Desde então, emergiu um amplo debate sobre segregação na sociedade brasileira. Com base em uma pesquisa etnográfica sobre consumo popular com jovens da periferia de Porto Alegre, o artigo analisa o fenômeno dos rolezinhos, abordando suas dimensões locais, nacionais e globais. Levando em consideração o atual momento brasileiro, que versa sobre políticas de ascensão social via consumo e sobre uma onda de protestos de inquietação social, argumentamos que os rolezinhos estão se modificando e encontrando diversas formas de discutir e realizar política cotidiana no âmago de uma sociedade segregada. -
Matriz biológico-cultural da existência humana: fundamentos para aprender, ensinar e educar
porMaria Elena Infante-MalachiasresumoNeste ensaio apresentamos uma reflexão sobre a matriz biológico-cultural da existência humana a partir da epistemologia da Biologia do Conhecer, que considera o conhecimento a partir do sujeito que conhece. A matriz que constitui o cerne da Biologia Cultural corresponde à trama relacional onde o homem surge se realiza e conserva o seu viver humano. Nesta trama relacional que se inicia em um processo histórico que teve a sua origem há bilhões de anos, surgem todos os mundos que vivemos como as distintas dimensões do nosso viver cultural. Discutimos a relevância desta perspectiva, que considera ao mesmo tempo a constituição biológica e a cultura, para as relações humanas do ensinar e aprender e destacamos a possibilidade de transformação que surge ao considerar o outro como um legítimo outro na convivência. -
Ethnical Afro Tourism in Brazil
porLuiz Gonzaga Godoi Trigo e Alexandre Panosso NettoresumoO artigo desenvolve uma discussão teórica sobre o turismo étnico afro no Brasil. A temática somente recentemente tem merecido a devida atenção dos estudiosos, motivo pelo qual se justifica a abordagem. Os objetivos são três: 1) revisar a história das culturas afros no Brasil; 2) identificar as forças que garantem o respeito a essas identidades e; 3) analisar como os destinos afro devem ser trabalhados neste contexto. A metodologia empregada é a revisão teórica dos textos que abordam a cultura afro brasileira, tendo como pano de fundo da discussão os delineamentos dos estudos culturais. Conclui-se que o produto turístico com base na cultura afro é um produto viável no Brasil, porém deve primar pelos quesitos de respeito, alteridade, ética e valorização de todas as culturas envolvidas no processo. -
Alfabetização científica e cartográfica no ensino de ciências e geografia: polissemia do termo, processos de enculturação e suas implicações para o ensino
porVeronica Guridi e Valeria CazettaresumoNeste trabalho realizamos uma análise crítica com relação ao significado do conceito “alfabetização científica” dentro do campo da Educação em Ciências e em Geografia. Constatamos que o termo é ainda bastante polissêmico e que dependendo do enfoque adotado, se seguem diferentes implicações para o ensino de Ciências. Concluímos mostrando uma definição do termo que incorpora elementos dos recentes estudos na área bem como da vertente dos Estudos Culturais em Educação. -
A fome antropofágica - utopias e contradições
porFernanda Oliveira Filgueiras Santos e Mauro de Mello LeonelresumoO Modernismo no Brasil significou um marco, que anunciou o fim de um período cultural caracterizado pelo legado e pelo conservadorismo. O Movimento Antropofágico foi a síntese artística e intelectual dessas reflexões. Este trabalho se propõe a discutir as contribuições e controvérsias deixadas pelo movimento no contexto de urbanização e cosmopolitismo em que ele emergiu na cidade de São Paulo. -
A versão encantada da pós-modernidade
porMauro de Mello Leonel e Maira MesquitaresumoO livro em epígrafe tem como objetivo principal relatar com rigor cronológico as origens das versões de pós-modernidade ("não como idéia, mas como fenômeno"), remontando ao modernismo. Numa abordagem incomum o autor percorre, no tempo e nas circunstâncias, as dimensões estéticas, históricas e políticas da express
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Temporalidades
Temporalidades
porLuiz Menna-Barreto e Mario PedrazzoliresumoEsta edição da Revista Estudos Culturais foi dedicada a estudos sobre o tempo, tema recorrente em diversas áreas do conhecimento e que vem adquirindo relevância crescente num mundo globalizado no qual as pessoas acabam se expondo a desafios inéditos até meados do século XX. Atravessamos fusos horários, acompanhamos bolsas de valores em Tóquio e Nova York e assistimos a jogos que ocorrem do lado oposto do planeta, numa sucessão de eventos que acontecem em tempos próprios e que nem sempre coincidem com os tempos de cada indivíduo. Surge nesse contexto certa tensão entre nossas percepções da passagem do tempo, aquela interna que dialoga com nosso sono ou fome e a outra externa, imposta pelos vários relógios aos quais tentamos obedecer. Dessa tensão emergem reflexões que trazemos aos leitores, reflexões inspiradas em diferentes olhares que vão desde aspectos filosóficos e sociológicos a aspectos biológicos. -
Sobre os autores
Sobre os autores
resumoLuiz Menna-Barreto, Mario Pedrazzoli, Robert Levine, Muara Kizzi Figueiredo, Rafael H. Silveira, Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Neto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo escrevem no número dois da Revista de Estudos Culturais. -
Ordem e progresso, aceleração e alienação
Ordem e progresso, aceleração e alienação
porRafael H. SilveiraresumoComo diversos exemplos dados em Aceleração e alienação [1] [1] ROSA, Hartmut. Beschleunigung und Entfremdung: Entwurf einer kritischen Theorie spätmoderner Zeitlichkeit. Traduzido do inglês para o alemão por Robin Celikates. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2013. confirmam, a condição de especialista no campo da aceleração social muitas vezes não exime o próprio autor da ação dos fenômenos por ele analisados – sobretudo por se tratar de uma das personalidades acadêmicas mais conhecidas, citadas e requisitadas na imprensa alemã atualmente. Como minha resenha da análise de Hartmut Rosa mostra, a obra está longe de ser die Entdeckung der Langsamkeit ou um éloge de la lenteur, como interpretado por alguns. No diálogo, conduzido em 23/10/2014 na cidade de Jena, Alemanha, originalmente em alemão, transcrito, editado e traduzido para o português por Rafael H. Silveira, são abordados pontos que complementam o entendimento da Teoria da Aceleração através de uma perspectiva voltada para a realidade brasileira. -
Tempo e bem estar
Tempo e bem estar
porRobert LevineresumoNeste artigo examino o impacto da experiência temporal – o emprego do tempo, concepções do tempo e normas temporais - sobre a felicidade e o bem estar; sugiro políticas públicas voltadas à ampliação dessa experiência. Inicio com uma revisão da literatura relativa às interrelações entre o tempo, dinheiro e felicidade. Em segundo lugar, reviso dados e questões em torno dos horários de trabalho e não trabalho ao redor do mundo. Em terceiro lugar, descrevo numa perspectiva mais ampla as questões temporal que deveriam ser levadas em consideração nas decisões de políticas públicas, por exemplo, medidas de relógio versus eventos, enfoques monocrônicos versus policrônicos, definições de tempo perdido, ritmo de vida e orientação temporal. Concluo com sugestões para a elaboração de políticas do emprego do tempo voltadas para aumentar a felicidade individual e coletiva. Trata-se de um truísmo virtual o modo como empregamos nosso tempo se expressa no modo como vivemos nossas vidas. Nosso tempo é o bem mais valioso do qual dispomos. Boa parte desse tempo, no entanto, é controlado por outros, desde nossos empregadores até nossos familiares mais próximos. Também está claro que existem diferenças profundas – individuais, sócio econômicas, culturais e nacionais – no grau de controle que indivíduos exercem sobre seus próprios tempos (ver p. exemplo LEVINE, 1997; LEE, et al., 2007). Pode ser argumentado que políticas públicas são necessárias para proteger os “direitos temporais” dos indivíduos, particularmente aqueles mais vulneráveis à exploração. Este artigo foi motivado por um projeto de largo espectro do qual tive a oportunidade de participar. O projeto começou na primavera de 2012 na sequência de uma resolução da ONU, aprovada por unanimidade em sua Assembleia Geral, na qual “felicidade” foi incluída na agenda global. O Butão foi convidado a receber um grupo interdisciplinar de “experts” internacionais com a tarefa de elaborar recomendações para incentivar a busca da felicidade no planeta; mais especificamente desenvolver um “novo paradigma para o desenvolvimento mundial”. O Butão é um pequeno país pobre, cercado de montanhas na região do Himalaia, foi escolhido para essa tarefa em função do pioneirismo de seu projeto de “Felicidade Nacional Bruta” - FNB (Gross National Happiness - GNH). “Progresso” na definição dos autores desse projeto, “deveria ser visto não apenas através das lentes da economia como também a partir de perspectivas espirituais, sociais, culturais e ecológicas”. Felicidade e desenvolvimento, em outras palavras, dependem em mais fatores do que o crescimento e acumulação de capital. Inglaterra, Canadá e outros países e organizações de dimensões nacionais seguiram na mesma direção do Butão, estabelecendo medidas de FNB (LEVINE, 2013). Um dos domínios centrais do índice de FNB do Butão é “emprego do tempo” que correspondeu à minha participação no relatório do grupo de estudo. Este artigo está bastante apoiado naquele relatório e nas inferências que o projeto me proporcionou. Discuto quatro conjuntos de temas: I. As interrelações entre tome, dinheiro e felicidade. Máxima importância, qual a relevância do emprego do tempo com o bem estar e a felicidade? II. Emprego do tempo: questão dos horários e políticas de organização do trabalho. III. Outors fatores tempais que devem ser considerados ao formularo políticas de promoção de felicidade.. IV. Sugestões para elaboração de políticas: a chamada para uma “Lei de Direitos Temporais”. -
A ilusão dos relógios: uma ameaça à saúde
A ilusão dos relógios: uma ameaça à saúde
porMario PedrazzoliresumoA mecanicidade ou digitalidade dos relógios representa a imutabilidade da duração de frações de tempo. A contagem das 24h de um dia teve como referência, a princípio, as pistas ambientais associadas às condições do dia e da noite que são diferentes em diferentes locais da terra e portanto mutáveis. A emergência de uma sub-área da Biologia, a Cronobiologia, em meados do século XX permitiu a interpretação de que a apreensão do tempo de um dia como regularidade mecânica aliena os seres humanos da percepção da temporalidade diária como integração entre temporalidade ambiental e temporalidade biológica. Pretendo demonstrar que esse equívoco perceptual da duração do tempo de um dia pode ter como consequência uma desorganização temporal fisiológica que é a origem ou está associada a origem de muitas doenças modernas. -
Os horários fora de lugar – ritmos biológicos e literatura
Os horários fora de lugar – ritmos biológicos e literatura
porMuara Kizzy FigueiredoresumoEste trabalho analisa a relação existente entre personagens e ambiente e objetiva investigar como, supostamente, se deu a implantação no Brasil do século XIX dos ritmos sociais europeus, tendo em vista os ritmos biológicos da população brasileira (em termos coletivos) – adaptada ao ambiente tropical. Para tal estudo, foram analisados alguns textos literários do período (em especial a obra de Machado de Assis e Eça de Queirós) - visando identificar menções aos horários de sono, refeições, atividades sociais e aspectos do sono; bem como a leitura de autores contemporâneos que discutem a construção de identidades nacionais – em especial no Brasil – e ainda; autores que investigam a temática do tempo – seja em termos cronológicos, psicológicos e biológicos. -
Slow movement: reação ao descompasso entre ritmos sociais e biológicos
Slow movement: reação ao descompasso entre ritmos sociais e biológicos
porRafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Netto e Luiz Gonzaga Godoi TrigoresumoEste artigo discute o descompasso entre os ritmos biológicos e os ritmos sociais emergentes a partir da Revolução Industrial. Para tal, são apresentados indícios de mudanças rítmicas nas últimas décadas, acarretando um processo contínuo e profundo de aceleração e mecanização sociocultural, predominante nas estruturas societárias capitalistas. Em seguida, discute-se a relação entre ritmos sociais e ritmos biológicos, com a contribuição conceitual advinda da Cronobiologia. Por fim, destaca-se o processo de surgimento e consolidação do Slow Movement nas últimas décadas, tornando-se mais um indício da desarticulação temporal vivenciada nos dias atuais. -
Os tempos da vida
Os tempos da vida
porLuiz Menna-BarretoresumoO tema do tempo tem atraído bastante atenção no ambiente acadêmico contemporâneo. Apresentarei uma abordagem na qual são associados os conceitos de condicionamento reflexo clássico com a cronobiologia, área na qual a dimensão temporal da matéria viva é explorada. O conceito de antecipação é proposto como elo central dessa associação. Discuto a seguir os níveis de determinação que podem ser propostos a partir da observação de fenômenos temporais nos organismos. Concluo com as noções de desafios e armadilhas temporais que parecem caracterizar fortemente os dilemas humanos num mundo globalizado, conduzindo a diferentes processos de adaptação resultantes desses desafios e armadilhas. -
Resenha do livro Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Harmut Rosa
Resenha do livro Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Harmut Rosa
porRafael H. SilveiraresumoEm Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Hartmut Rosa recapitula resumidamente e amplia sua Teoria da Aceleração Social. A ampliação da teoria se dá em primeiro lugar através da análise de elementos desaceleradores da tendência aceleratória e, em seguida, da análise das consequências da aceleração para a Teoria Crítica social atual, cujos questionamentos levantados e respostas dadas até o presente momento não apresentariam uma solução para a perda da credibilidade do projeto da Modernidade, uma vez que a aceleração social teria sucumbido e instrumentalizado a possibilidade de autonomia prometida. Partindo da busca de uma resposta à questão de o que seria uma vida plena, Rosa retraça, assim, o contexto do surgimento de diferentes categorias de alienação, retratando em sua teoria uma tendência social crescente extremamente relevante e em crescimento na era moderna.
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Editorial
Editorial
poros editoresresumoA Revista Estudos Culturais chega agora ao seu número três, no mesmo momento em que o Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH-USP completa seu sexto ano de atuação. O amadurecimento de nossas empreitada é marcado pela amplitude dos temas desta edição da Revista. O campo dos estudos culturais, sempre liberto das amarras disciplinares tradicionais, aparece aqui em várias de suas múltiplas chaves. -
Sobre os autores
Sobre os autores
resumoEduardo Wanderley Martins, Carlos Velázquez, Damián Cabrera, Madalena Pedroso Aulicino, Daniela Signorini Marcilio, Agnès García Ventura, André Vitor Brandão Kfuri Borba e Mariana Moreira. -
Mídia: o Novo Totem Dessacralizado
Mídia: o Novo Totem Dessacralizado
porEduardo Wanderley Martins e Carlos VelázquezresumoO presente texto tem como objetivo refletir sobre a função de mediação da Mídia para o Sagrado, partindo da concepção de Mídia como novo totem nas sociedades contemporâneas. Sob a metodologia indutivo-analítica de base bibliográfica e documental, explora-se a hipótese de que a mídia, como novo totem nas sociedades midiáticas , cumpre a função organizadora, mas não a função mediadora. A mídia não liga as aspirações e necessidades humanas ao Transcendente, encerrando em si mesma a satisfação dessas aspirações através do fornecimento de bens simbólicos, mas que não têm contato com suas fontes originárias – não há relação com o Sagrado. Dessa forma, a mídia se apresenta nas sociedades midiáticas como um totem dessacralizado - oferece bens de grandes valores universais, mas desprovidos de lastro divino. -
Literatura paraguay/guaraní - transversalidades
Literatura paraguay/guaraní - transversalidades
porDamián CabreraresumoPassando por trabalhos compilatórios dos escritores paraguaios Augusto Roa Bastos e Rubén Bareiro Saguier, e a partir de discursos literários e não literários, analisa-se a ambiguidade fundada na palavra guarani; que designa, indistintamente, uma língua, uma cultura, uma etnia; e que, por metonímia, constitui-se em apelido-gentílico dos paraguaios. Relações entre literatura paraguaia e literatura Guarani são exploradas, desde a perspectiva dos autores citados; tanto conhecedores e divulgadores da mesma, como dois dos poucos paraguaios capazes de ultrapassar um cerco de isolamento cultural graças, em parte, ao exílio político; sob a luz de uma tradição crítica latino-americana hispanizante que, enquanto invisibiliza a literatura paraguaia, contribui com uma mistificação dela, fundada em sua peculiaridade linguística, seja ela real ou inventada. -
O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir
O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir
porMadalena Pedroso Aulicino e Daniela MarcílioresumoO brincar é uma atividade livre e séria, possui finalidade autônoma e é um intervalo da vida cotidiana (HUIZINGA, 2005; CAILLOIS, 1990). A criança se desenvolve, adquire experiência, constrói e transmite sua cultura lúdica brincando (WINNICOTT, 1979; BROUGÈRE, 2008). Mas, que brincar é esse promovido e recomendado na atualidade? O objetivo desse artigo é refletir sobre a redução do tempo da infância em prol de uma ideologia da produção e do consumo, que valoriza a informação, o conhecimento e o aprendizado técnico e científico, e reduz o “saber de experiência” (BONDÍA, 2002). Nesse contexto, a retomada do brincar como atividade livre e uma experiência de vida seria uma possibilidade de resistência aos valores vigentes. Constatou-se que os Estudos Culturais como estratégia crítica e política podem contribuir para repensar o brincar hoje. -
Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo
Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo
porAgnès García VenturaresumoSuele decirse que el estudio del pasado siempre tiene relación con el presente y con el futuro, bien porque presente y futuro se construyen a su imagen y semejanza, bien porque no podemos imaginar un pasado sin los referentes de nuestro presente. Por este motivo, ocuparse de la historia de las mujeres en la Antigüedad y de cómo incluir a las mujeres en la historia, nos permite reflexionar acerca de la situación de las mujeres en el mundo presente en el que vivimos y en el mundo futuro en el que querríamos vivir. En este artículo propongo aproximarnos a este tema con las herramientas críticas de la investigación feminista, ilustrando la propuesta con algunos ejemplos acerca de cómo algunos sesgos pueden afectar al modo en que se aborda el estudio de las vidas de las mujeres en el Próximo Oriente Antiguo. -
A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil
A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil
porAndré VitorresumoCada momento histórico é único, mas carrega em si tensões permanentes, num paradoxo entre o novo e o velho, valendo-se de novas experiências sem, entretanto, negar toda a bagagem cultural adquirida. Assim, este trabalho busca relacionar dois momentos distintos da história do Brasil, mas com características em comum: a higienização do início da República e o momento recente, em que estava em jogo o mandato da presidente Dilma Rousseff. Por ser o Brasil um país com pouca mobilidade social e sem alterações substanciais no seu controle político, veremos como os interesses das camadas superiores da sociedade se reproduzem e se perpetuam, no intuito de fazer a população aderir a essa ideologia em favor de seus interesses privados. -
Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos
Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos
porMariana MoreiraresumoA presente resenha aborda o livro “Memória Coletiva e Identidade Nacional”, de autoria de Myrian Sepúlveda dos Santos. Importante pesquisadora de temas como memória, identidade, práticas políticas, culturais e relações raciais, obteve seu título de doutora em Sociologia pela New School for Reserch de Nova Iorque e desenvolveu pesquisas em pós-doutorado no Centro de Estudos Latino-Americanos da University of Cambridge; no Centro de Pesquisa sobre Relações Sociais da Université de Paris V e no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Atualmente é professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordena o Grupo de Pesquisa Cultura e Poder, registrado no CNPQ Arte, e o museu Afrodigital. Suas análises abordam teorias de nomes de grande relevância para os Estudos Culturais como Karl Marx, Walter Benjamin, Michel Foucault, Maurice Halbwach, Stuart Hall entre outros.
Rolezinhos: Marcas, consumo e segregação no Brasil
Ethnical Afro Tourism in Brazil
Matriz biológico-cultural da existência humana: fundamentos para aprender, ensinar e educar
Neste ensaio apresentamos uma reflexão sobre a matriz biológico-cultural da existência humana a partir da epistemologia da Biologia do Conhecer, que considera o conhecimento a partir do sujeito que conhece. A matriz que constitui o cerne da Biologia Cultural corresponde à trama relacional onde o homem surge se realiza e conserva o seu viver humano. Nesta trama relacional que se inicia em um processo histórico que teve a sua origem há bilhões de anos, surgem todos os mundos que vivemos como as distintas dimensões do nosso viver cultural. Discutimos a relevância desta perspectiva, que considera ao mesmo tempo a constituição biológica e a cultura, para as relações humanas do ensinar e aprender e destacamos a possibilidade de transformação que surge ao considerar o outro como um legítimo outro na convivência.
In this essay we present a reflection on the biological and cultural matrix of human existence from biology of cognition’s epistemology that considers the knowledge from the knowing subject. The array that forms the Cultural Biology core corresponds to relational plot that arises where the man appears on earth and conserves their own human life. In this relational plot that begins in a historical process that had its origin billions of years ago, are originated the worlds that we live as different dimensions of our living culture. We discuss the relevance of this perspective that considers both the biological and cultural aspects to the human relations in teaching and learning process. Finally, we highlight the possibility of transformation that arises when considering the other as a legitimate other in coexistence.
Introdução: a nossa origem distante no espaço e no tempo
O ponto de partida para a explicação que aqui se pretende oferecer é dizer que todo conhecer, e em consequência, todo explicar é um fazer daquele que conhece (MATURANA; VARELA, 1984). Queremos explicar como seres vivos a nossa origem de seres vivos, nas explicações que nós mesmos, os seres humanos, geramos. Também queremos explicar, fundamentalmente através de três autores centrais: Humberto Maturana, Francisco Varela e Ximena Dávila, de que forma a nossa origem nos faz seres biológicos e culturais e como esta perspectiva é fundamental nas relações de ensinar e aprender. Para isso, começaremos tomando como exemplo uma antiga chave de ferro, e vamos tentar retrospectivamente reconstruir a sua história seguindo o exemplo elaborado pelo filósofo Jean Guitton. Uma antiga chave de ferro há uns cem anos atrás podia ser apenas uma barra de ferro não trabalhada, mas se retrocedermos um pouco mais no tempo, podemos pensar que há duzentos anos a barra de ferro estava escondida sob a forma de minério no âmago de uma rocha. Se pensarmos por um instante que o ferro estava prisioneiro na rocha há bilhões de anos, isto significa que o metal da chave é tão antigo quanto a própria terra (aproximadamente quatro e meio bilhões de anos). Podemos continuar retrocedendo no tempo e imaginando a história da chave, e se afirmamos que o ferro é o elemento químico mais estável do universo, então antes do nosso sol existir o metal da chave já estava flutuando no espaço interestelar, sob a forma de uma nuvem que continha os elementos pesados necessários à formação do sistema solar. Continuando a indagar podemos nos perguntar: De onde vinha essa nuvem? A resposta será: de uma estrela, isto é um astro como o sol que lançou para o espaço a sua atmosfera. Algumas estrelas o fazem violentamente como as supernovas, outras o fazem de modo mais suave, como as nebulosas planetárias. Isso significa que a chave de ferro é o resíduo gerado pela ejeção de matéria dessa antiga estrela. O serralheiro que trabalhou fazendo a chave a partir da barra de ferro não sabia que a matéria que martelava nasceu da explosão de uma supernova e do turbilhão ardente de uma nuvem de hidrogênio primordial. E o que é mais surpreendente ainda é que esse mesmo serralheiro não sabia que a matéria que lhe permite manter a sua estrutura como ser humano e a sua organização como ser vivo nasceu do mesmo turbilhão da nuvem de hidrogênio. O físico norte-americano John Wheeler diante do surpreendente que isto resulta diz: “Tudo o que conhecemos encontra sua origem num oceano infinito de energia que têm a aparência do nada”. Mas, ainda não fica claro na história da chave de ferro que ilustra o inicio deste texto, de onde vem a matéria prima da chave? De onde surge o elemento químico ferro? Retomaremos a explicação partindo do modelo do hidrogênio. O átomo de hidrogênio formado por um elétron e um próton mantém a sua estrutura de hidrogênio por uma energia de ligação. Uma energia muito maior do que a energia de ligação fará com que o elétron e o próton se dissociem e se movam livre e independentemente um do outro (GLEISER, 1997). Este processo foi descrito no final da década de 1930 por Hans Bethe. O físico descobriu que as estrelas são verdadeiros laboratórios de alquimia onde elementos leves podem ser transmutados em elementos mais pesados, em um processo denominado fusão, liberando desta forma quantidades imensas de energia.
[...] Composta na maior parte de hidrogênio, que é “queimado” durante bilhões de anos, uma estrela por fim não conseguirá gerar energia suficiente para contrabalancear a atração inexorável da gravidade e começará a implodir... Para estrelas até oito vezes mais pesadas que o sol, o hidrogênio no coração da estrela se fundirá e se transformará em hélio, o hélio, em carbono, o carbono, em oxigênio... Os processos de fusão projeta material das camadas mais externas da estrela a través do espaço, criando uma nebulosa planetária. Para estrelas oito vezes mais pesadas do que o sol, a enorme pressão da gravidade em seu coração provocará a fusão de elementos ainda mais pesados do que o oxigênio, chegando até o ferro, o núcleo mais fortemente ligado. A estrela então explode com uma fúria tremenda, num fenômeno conhecido como explosão do tipo supernova. (GLEISER, 1997, p.377)
O ferro da nossa chave martelada pelo serralheiro se originou de uma explosão estelar incomparável, foi o remanescente da morte de uma estrela que tinha vivido por bilhões de anos. E a nossa estrela, o sol? Digamos que ela encontra-se em um ponto intermediário da sua existência e irradiará ainda por pelo menos quatro bilhões de anos antes do seu fim. Durante o processo de formação uma estrela aglutina ou agrupa em torno de si um halo de matéria que capta do espaço interestelar. Esse halo gira em torno dela e depende energeticamente do curso de transformações da estrela (MATURANA; VARELA, 1984). Para estes autores, a terra e outros planetas rochosos do nosso sistema planetário são desse tipo e foram formados pela matéria que girava em torno do sol como um disco, na época da sua formação. Essa matéria foi sintetizada no interior de estrelas que antecederam à formação do sol e que ejetaram a sua atmosfera ao final de sua evolução. Átomos de ferro, carbono e oxigênio, por exemplo, não apenas fazem parte da matéria viva, são fundamentais para a nossa sobrevivência, e, no entanto, foram sintetizados no interior de estrelas moribundas. Dito de outra forma, toda forma de matéria conhecida inclusive a matéria viva em todas as suas formas, teve a sua origem primordial em um berço distante no espaço e no tempo, literalmente nas estrelas.
Uma novidade cósmica: a organização do vivo
Para a Geofísica a terra tem pelo menos quatro e meio bilhões de anos e uma história de incessante transformação pela ação de um permanente bombardeio energético de radiações ultravioleta, raios gama, descargas elétricas, impactos de meteoros e explosões vulcânicas. Maturana e Varela (1984, p. 44) acrescentam:
Todos esses aportes de energia produziram (e continuam produzindo), na terra primitiva e em sua atmosfera, uma continua diversificação das espécies moleculares. No começo da história da estrela havia, fundamentalmente, homogeneidade molecular. Depois da formação dos planetas, um contínuo processo de transformação química produziu uma grande diversidade de espécies moleculares, tanto na atmosfera quanto na superfície da crosta terrestre.
No planeta terra, alvo de bombardeios de energia e em processo incessante de transformação, se acumulam e diversificam moléculas formadas por cadeias de carbono, as chamadas moléculas orgânicas que geram um amplo espectro de possibilidades. Para Maturana e Varela (1984, p. 46):
É precisamente a diversidade morfológica e química dessas moléculas que torna possível a existência de seres vivos, ao permitir a diversidade de reações moleculares envolvidas nos processos que os produzem... Devido à diversificação e plasticidade possíveis na família das moléculas orgânicas, tornou-se por sua vez a formação de redes de reações moleculares, que produzem os mesmos tipos de moléculas que as integram e, também, limitam o entorno espacial no qual se realizam. Essas redes e interações moleculares que produzem a s mesmas e especificam seus próprios limites são... seres vivos.
Maturana e Varela (1984) afirmam que quando se fala de moléculas orgânicas presentes em qualquer forma de vida, tais como cadeias proteicas, bases nucleotídicas, aminoácidos tende se a pensar que é impossível que eles tenham se originado espontaneamente. No entanto, cada uma das etapas de transformação da matéria no universo surge como consequência da etapa anterior em um processo histórico de transformações. A evidência clássica destas transformações foi proporcionada pelo clássico experimento de Miller em 1953, mesmo ano em que Watson e Crick, desvendavam a estrutura do DNA através de difração de raios X. Miller, em um experimento de reconstrução da atmosfera primitiva, obteve uma produção abundante de moléculas orgânicas como as tipicamente encontradas nos organismos celulares atuais. Isto significa, tentando simplificar processos altamente complexos relatados de maneira muito simples neste texto, que todos os elementos químicos que conhecemos na terra se originaram no espaço cósmico como resultado de uma explosão estelar. Esses elementos químicos, a partir dos mais estáveis como o ferro, favoreceram a agregação de átomos produzindo um substrato de matéria que formou o nosso planeta, como já foi dito, há aproximadamente quatro e meio bilhões de anos. No planeta terra o processo de transformação química dos elementos permitiu um continuum de produção de diversas espécies moleculares e em particular foi favorecido o surgimento de moléculas ricas em cadeias de carbono, isto é, moléculas orgânicas que permitiram que a vida surgisse e se diversificasse no planeta. Quando falamos de vida e de seres vivos, fundamentalmente queremos entender a vida a partir dos processos iniciais de geração destas moléculas orgânicas no planeta. Um fato importante é lembrar que átomos de Carbono podem formar tanto sozinhos quanto com a participação de outras muitas espécies de átomos uma quantidade ilimitada de distintas cadeias moleculares. Todas estas cadeias possíveis de serem geradas são distintas em tamanho, ramificação, composição e dobradura, e precisamente por isso, pela enorme diversidade morfológica e química das moléculas orgânicas é o que torna possível a existência dos seres vivos (MATURANA; VARELA, 1984). Estes seres vivos surgiram com uma característica fundamentalmente diferente de qualquer outra forma de matéria. As moléculas orgânicas tornaram possível a produção de uma rede de reações moleculares que são capazes de produzir as mesmas moléculas que as formam. Por outro lado, estas redes moleculares geradas limitaram o seu entorno espacial com uma membrana, este é o momento da emergência da matéria viva. A surpreendente autoprodução dos seres vivos levou os biólogos chilenos, Humberto Maturana e Francisco Varela em 1973 a tentar descrever e nomear o que caracteriza a organização particular do ser vivo, desde as células isoladas que não precisam de uma compartimentalização para o seu material genético, as células procariontes; até os organismos metacelulares mais complexos com uma clara separação do material genético, formados por trilhões de células eucariontes. Para estes autores, todos os seres vivos se caracterizam pela sua organização autopoiética, isto é, uma trama contínua de interações químicas que permitem a autoprodução do ser vivo, ou seja, o metabolismo celular. A primeira definição de autopoiese foi dada por Maturana e Varela (2008, p. 77).
Un sistema autopoiético es definido como unidad por su organización autopoiética. Para que esta organización se materialice en un sistema físico, se requieren componentes definidos por su papel en la autopoiésis y descriptibles solamente en relación a ella…una organización autopoiética constituye un dominio cerrado de relaciones especificadas solamente con respecto a la organización autopoiética que ellas componen, determinando así un espacio donde puede materializarse esta organización como sistema concreto, espacio cuyas dimensiones son las relaciones de producción de los componentes que lo constituyen.
Desta forma, a diversidade imensa de seres vivos se origina porque estes têm estruturas diferentes, mas invariavelmente todos são iguais na sua organização. O que caracteriza todos os seres vivos formados a partir de moléculas orgânicas, e estas originadas de elementos químicos provenientes de uma explosão estelar é a organização autopoiética.
O processo histórico da diversificação dos seres vivos na terra
Para compreender a perspectiva histórica da diversificação da vida no nosso planeta utilizaremos o conceito de Maturana e Varela (1984), para os quais, cada vez que, num sistema, um estado novo surge como modificação de um estado anterior surge um fenômeno histórico. O ambiente inicial da terra onde a vida surgiu e onde os organismos evoluíram conservando a sua organização autopoiética sofreu mudanças muito grandes, como já vimos, por influências astronômicas e pela dinâmica do próprio planeta. Antes da origem da vida e provavelmente por um tempo muito grande a terra apresentava uma atmosfera reducional, isto é sem oxigênio livre. Para Futuyma, (1993) a evolução dos seres vivos fotosintetizadores capazes de produzir a sua própria energia a partir da energia luminosa do sol há cerca de três bilhões de anos criou uma atmosfera oxidante. Os mecanismos do fenômeno histórico pelos quais a matéria viva se originou a partir de elementos químicos inanimados não deixaram rastros uma vez que reações químicas orgânicas não deixam um registro fóssil evidente. No entanto as experiências como a de Miller que tentam reproduzir uma atmosfera primitiva, revelam que macromoléculas como aminoácidos, pirimidinas açucares e purinas podem ser formadas em abundância em uma atmosfera reducional com presença de energia elétrica ou luz ultravioleta. Futuyma (1993) afirma de esta diversidade molecular surgiu em meio a um furacão de processos químicos. O registro de vida fóssil mais antigo foi encontrado em rochas datadas em cerca de três bilhões de ano na África do Sul, contendo formas parecidas com bactérias, isto significa para Futuyma (1993) que os organismos conhecidos mais antigos eram procariotos (células com o material genético disperso sem separação em um núcleo), e eram provavelmente fotossintetizadores. Em torno de dois bilhões de anos a atividade destas células teria criado um ambiente, isto é, uma atmosfera rica em oxigênio que teria levado ao desaparecimento de muitos organismos anaeróbicos (cujo metabolismo não precisa de oxigênio). O autor destaca que a origem dos eucariotos realmente constitui, dentro da história do surgimento da vida, um dos eventos mais importantes, uma vez que marcou o inicio da evolução de cromossomos, da meiose (formação de células sexuais) e da reprodução sexuada organizada. Os cinco reinos dos seres vivos: animal, vegetal, fungos, protistas e monera provavelmente diferenciaram-se no período pré-cambriano, isto é há 670 milhões de anos, no entanto apenas o reino animal tem um rico e variado registro fóssil (FUTUYMA, 1993). Após cada uma das várias extinções em massa, a diversidade aumentou talvez como consequência da exploração por parte destes seres vivos de uma maior variedade de recursos. Para Maturana e Varela (1984), o surgimento de uma grande variedade de seres vivos adaptados a uma grande diversidade de meios diversos ocorreu fundamentalmente para conservar a organização do vivo, isto é, a autopoiese. Desta forma, cada grupo de organismos conserva elementos das suas reações químicas metabólicas que lhe permitem conservar a adaptação e a autopoiese como um fenômeno histórico.
O que nos torna seres vivos humanos?
A evolução do homem que é um processo biológico histórico a partir de uma primeira célula ancestral nos permite dizer que o fenômeno do conhecer não é inerente ao homem e sim a todo ser vivo que para manter a sua organização, isto é, para manter a vida, precisa conservar relações que favoreçam a sua autopoiese. Bem adiante na escala evolutiva surge o pensamento que permite criativamente, que muitos seres vivos, mantenham uma dinâmica relacional com o ambiente, para manter a vida, ou seja, para conservar a organização autopoiética. Finalmente, alguns hominídeos desenvolveram uma nova possibilidade fornecida pela matriz biológica: a linguagem. A partir da linguagem, o homem se dá conta de si mesmo e esta autoconsciência lhe permite “criar o mundo”: um mundo, vários mundos onde ele indaga, nomeia, pergunta, explica. A partir desse momento o ser humano mergulha na reflexão e cria cultura. Desde então somos mergulhados na reflexão simbolizamos e escrevemos a nossa história de espécie biológica e cultural como também defende Geertz (1989). Biologia e Cultura se constituem em um processo recursivo onde uma dimensão favorece a expressão da outra. Somos inexoravelmente culturais porque temos uma história biológica e a nossa biologia se transforma em uma deriva natural que nos leva a criar vários mundos, através da cultura. Nas palavras de Clifford Geertz:
As ferramentas, a caça, a organização familiar e, mais tarde, a arte, a religião e a “ciência” moldaram o homem somaticamente. Elas são, portanto, necessárias não apenas à sua sobrevivência, mas a sua própria realização existencial. A aplicação dessa revisão da perspectiva da evolução humana conduz à hipótese de que os recursos culturais são ingredientes, e não acessórios, do pensamento humano... Isso, por sua vez, significa que o pensamento humano é, basicamente, um ato aberto conduzido em termos de materiais objetivos da cultura comum, e só secundariamente um assunto privado. No sentido tanto do raciocínio orientado como da formulação dos sentimentos, assim como da integração de ambos os motivos, os processo mentais do homem ocorrem, na verdade, no banco escolar, ou no campo de futebol, no estúdio ou no assento do caminhão, na estação de trem, no tabuleiro de xadrez ou na poltrona do Juiz. (GEERTZ, 1989, p. 97).
Neste ponto, torna-se necessário tomar consciência deste duplo enraizamento humano na Biologia e na Cultura. A cultura surge na linguagem e é uma manifestação comportamental humana, uma forma de interagir com a realidade e de influenciar a maneira de atuação no meio e nas relações com outros indivíduos. A concepção da linguagem, em uma visão bakhtiniana, inclui a noção de sujeito perante um contexto com vários elementos influenciadores, sendo eles contextos históricos, culturais e sociais, e ela envolve a compreensão e a análise, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos (BRAIT, 2005). Analisando o sujeito envolvido nesta linguagem, existe um domínio particular que é sua constituição biológica, ou seja, sua constituição como ser vivo, como fenômeno biológico. Um fenômeno biológico é todo fenômeno que envolva a realização do viver de pelo menos um ser vivo (MATURANA; VARELA, 1998). Para estes autores, toda reflexão, inclusive a que o indivíduo faz sobre os fundamentos do conhecer humano, ocorre necessariamente na linguagem, segundo eles, a linguagem é nossa maneira particular de sermos humanos e estarmos no fazer humano (MATURANA, 2001). Dessa forma, queremos conduzir a reflexão para o domínio relacional do ensinar e do aprender que culturalmente para nós seres humanos ocidentais, se dá na sala de aula.
Conhecer quem conhece: a dinâmica relacional na escola
Os educandos estão em constante interação com o meio em que vivem e com outros indivíduos. Esta ação é tão recorrente que pode não ser notada no cotidiano. A interação, nesta perspectiva, pode ser compreendida como as relações com o meio ou as relações com outros indivíduos. As interações de um educando influenciam a forma que este determina as referências da realidade que o cerca. O modo pelo qual interage é um reflexo da sua estrutura cognitiva e neurológica, que permite uma plasticidade de dinâmicas para estabelecer a forma como responde a estímulos do meio pelo qual formula suas proposições e explicações a respeito daquilo que aprende. A ação que influencia a interação pode ser compreendida como aprendizagem (MATURANA; VARELA, 1998). A ação da interação é um fazer humano no seu espaço de viver, no seu fluir como ser vivo. MATURANA; VARELA (1998) afirmam em um aforismo chave o ciclo interacional do individuo com a realidade que o cerca: “Todo fazer é um conhecer, todo conhecer é um fazer”. O processo educacional como espaço de interação do educando deveria promover este ciclo entre conhecer e fazer de forma intencional, pois este espaço é pensado e planejado para que isto aconteça. Mesmo que não planejado a interação acontecerá em todo ambiente escolar. Seja nas salas de aula, nos corredores, na quadra de esporte ou nas áreas ao ar livre, os educandos estão sujeitos a uma interação constante e são seus atores. Os domínios de interação do individuo podem ser compreendidos em relação ao meio como “o domínio de sua operação como um todo no espaço de todas as interações” (MATURANA; VARELA, 1998). Assim, o ambiente escolar ao estimular o fazer estará fomentando o processo de aprendizagem, ou seja, o conhecer. Quando o educando encontra-se intricado neste ciclo constante, a sua forma de interagir vai modificando-se junto com o meio que o cerca e junto às referências que vão sendo estabelecidas e construídas pelo sujeito-educando. Maturana (1998, p. 29) define educar ao dizer:
o educar se constitui um processo em que à criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência.
Como ser vivo, um educando não pode ser compreendido fora desta constituição, e seu processo de aprendizagem através da interação não pode ser ignorado. Pode-se compreender como referência o conhecimento formalizado nos conteúdos disciplinares, os educadores, os colegas de classe, os colegas da escola, os amigos preferidos, os pais, ou seja, tudo aquilo que ele estabelece como importante nas suas relações. O objetivo da escola e do ensino é proporcionar oportunidades de desenvolvimento das capacidades e habilidades do educando e contribuir para que ele construa um conhecimento que promova o entendimento do mundo em que vive. Para que este objetivo seja alcançado é preciso deixar claro para o educando sua posição em relação ao conhecimento e seu próprio desenvolvimento educacional. Assim, o educar deveria se fundamentar em princípios que estabeleçam conexões com a realidade do educando. Maturana (1998) ao dizer que “A realidade é uma proposição explicativa”, define uma perspectiva para o aluno frente à realidade, que pode mudar a forma do sistema de ensino promover suas ações dentro do campo de ensino. Esta mudança tem como fator principal a importância da proposição do educando ao explicar a realidade em que vive. Levando em conta a perspectiva da realidade como construída pelo processo de interação do educando com esta, o ensino de qualquer disciplina poderá colocá-lo na posição de observador do próprio viver cotidiano, no entender da vida, na forma de construir conhecimento e na manifestação de sua experiência. A aprendizagem é a reação do ser vivo a uma interação com o meio ou com outros seres vivos, que resulta em conhecimento, o qual o indivíduo utiliza para selecionar a forma de interação a partir deste conhecimento. Depois que acontece o processo de aprendizagem, a maneira pela qual o individuo interage não é meramente ao acaso ou simplesmente desprovida de coordenação, ou seja, seu comportamento não é meramente aleatório (WIESER, 1972). Passa a existir uma intencionalidade, uma escolha comportamental e um modo de interagir determinado pelo indivíduo. A partir desta perspectiva surge o sujeito que observa. O homem posiciona-se perante a realidade dentro do processo de interação. Somos observadores no observar, no suceder do viver cotidiano na linguagem, na experiência da linguagem (MATURANA, 1998).
A matriz biológica do habitar humano
Referiremos-nos brevemente ao pensamento de alguns autores que podem ajudar a demarcar inicialmente os contornos de uma explicação para a matriz biológico-cultural. Com esta finalidade assumimos o conceito de Reuven Feuerstein, de cultura como o processo através do qual as aprendizagens, atitudes e valores são transmitidos de uma geração para outra (GOMES, 2002). O antropólogo Marcel Mauss (1974) enfatiza que indivíduos não se reconhecem como tais a não ser dentro da cultura. Marc Augé (1997) completa esta ideia, ao afirmar que o individuo se reconhece no ritual das relações com o outro, de forma que na alteridade é possível voltar o olhar para si mesmo e para a autoconsciência. A filosofia do diálogo de Martin Buber afirma que é através da palavra que o homem se introduz na existência, se vincula diretamente com o desenvolvimento da linguagem, que o permite simbolizar e criar cultura e ao criar cultura pode “ver” o outro. Para Buber, a palavra dita, pronunciada é uma atitude eficiente, eficaz e atualizadora do ser do homem, neste sentido, Von Zuben expressa que:
[…] a palavra é um ato do homem pelo qual ele se torna homem e situa-se no mundo com os outros. Buber pretende desvendar o sentido existencial da palavra, que, pela intencionalidade que o anima, é o princípio ontológico do homem como dia-logal e dia-pessoal. (VON ZUBEN in BUBER, 2010, p. 28).
Na abordagem fenomenológica existencial de Buber, ele propõe a existência da palavra princípio eu - você, como sendo absolutamente diferente do eu - coisa, a filosofia do diálogo do autor defende que só existimos em relação com o outro:
O você encontra-se comigo. Mas sou eu quem entra em relação imediata com ele. Tal é a relação, o ser escolhido e o acolher, ao mesmo tempo, ação e paixão. Com efeito, a ação do ser em sua totalidade como uma suspensão de todas as ações parciais e sentimentos da ação, com base em sua limitação - deve se parecer com uma passividade. A palavra princípio eu-você só pode ser emitida pelo ser em sua totalidade. A União e a fusão de um ser total não podem ser realizadas por mim e não podem ser feitas sem mim. O eu se realiza na relação com o você; Toda a vida atual é um encontro. (BUBER, 2010, p. 57).
Por outro lado, a perspectiva epistemológica de Humberto Maturana da Biologia do Conhecer valoriza o diálogo, o respeito pelo outro, considerando-o como um legítimo outro na convivência (MATURANA; VARELA, 2007). A abordagem fenomenológica existencial de Martin Buber considera o homem como um ser no mundo. Para garantir que o indivíduo seja alguém, ele precisa existir com as outras pessoas nas mais diversas situações. O viver cotidiano mostra que as experiências não estão dentro dos indivíduos, mas ocorrem intimamente ligadas às pessoas e às situações concretas, e por outro lado, essas vivências e a vida mesma estão cheias de ambiguidades. Este processo dialético e dialógico está presente na vida cotidiana de todos os seres humanos. Maturana e Nisis (2000) dentro da perspectiva da Biologia Cultural consideram que para nos tornarmos humanos não basta nascer apenas com a constituição anatômica fisiológica do Homo sapiens sapiens, é necessário crescer na forma de viver humana, dentro de uma comunidade humana que está inserida e se desenvolve em um contexto histórico. A formação de crianças e jovens durante seu crescimento é a que determina a história da humanidade. Por isso, para os autores a educação é um processo fundamental: é por isso que a educação é um processo de transformação na convivência, e aquilo que é humano, o ser humano, se conservará ou se perderá durante o desenvolvimento da história através da educação. (MATURANA; NISIS 2001, p. 81.) A prática cultural não separada da nossa natureza biológica poderia valorizar mais os sujeitos que os conteúdos, e assim promover a reflexão crítica, a solidariedade e a aceitação do outro como um caminho para a transformação social. A formação humana deveria ser este processo de transformação mútua na convivência e para isso, nós adultos, pais e professores precisamos de experiências e reflexões que nos façam novamente mergulhar na Matriz Biológico-Cultural da nossa existência, que nos permitam naturalmente aceitar o outro como legítimo outro na convivência. A este respeito, Fernando Savater (2006, p. 29) insiste claramente:
O que verdadeiramente faz o mundo avançar é saber que os seres humanos não somos enigmas para outros seres humanos. Nós procuramos uns aos outros. Que estamos capacitados para nos compreender para nos comunicar e que todo o nosso esforço deveria ir nessa direção. E eu creio que a educação hoje deve ser a maneira de nos abrir para os outros e de possibilitar esta comunidade humana à qual pertencemos e da qual fazemos parte.
Neste ensaio queremos enfatizar que a compreensão de fornecer verdadeiras experiências humanas aos educandos é urgente. Referimo-nos aqui a noção de experiência defendida por Walter Benjamin, e que é fundamentalmente diferente da noção de experiência. A experiência supõe uma abertura para a grande diversidade de estímulos, para um encontro com a diferença (MARONI, 2008). Para Maroni, a sala de aula é um lugar privilegiado para a experiência, no entanto nela só se promovem vivencias. Isso significa que nela se produzem poucas situações, encontros e relações que marcam a história do outro. Maroni (2008) insiste em que não poucas vezes estudantes e professores deixam salas de aula feridos ou indiferentes. Estes indivíduos só tiveram vivências, não passaram pela experiência humana. Este problema é agravado quando o professor é obrigado a assumir um papel social, uma máscara. Para a autora o papel social do professor o protege de viver e fornecer verdadeiras experiências para os seus educandos. Claramente podemos vislumbrar aqui uma tentativa frustrante de separar o cultural do biológico, somos desde o princípio da nossa humanização seres reflexivos e altruístas que geramos cultura, e que com ela nos fazemos mais humanos e conservamos também nela a nossa organização de seres vivos autopoiéticos. Assim, os espaços da relação de ensinar e aprender se reduzem apenas à transmissão de conhecimentos como insistentemente nos diz o educador Paulo Freire. Não criamos espaços de reflexão, de recepção e de transformação para todos aqueles que aceitam o desafio de estarem juntos e correm o risco da transformação. Nesta perspectiva, Humberto Maturana e Ximena Dávila (2006, p. 34) propõem:
O que queremos da educação no momento histórico presente não é ensinar habilidades e conhecimentos para um futuro tecnológico, mercantil e político, mas gerar uma transformação dos educandos na sua transição para a vida adulta de forma que surjam adultos autônomos que se respeitem a si mesmos, que colaborem e aprendam qualquer coisa na oportunidade do conviver social, ético y criativo da convivência democrática e respeito mútuo. Queremos que os educandos se transformem em adultos espontaneamente éticos na sua conduta cotidiana; que a sua conduta ética não surja como o controle de um o impulso de uma conduta não ética possível.
A possibilidade de gerar a transformação sugerida por Maturana e Dávila (1999) em nossos jovens e crianças, pode começar nas salas de aula se existirem adultos que tenham esse desejo e essa clareza. Não só adultos, mas colegas, pais, educandos, que reflitam sobre a tarefa educativa é fundamental que também eles se tornem espontaneamente éticos e acreditem na possibilidade de transformação. Paulo Freire nos recorda insistentemente que o homem é um ser inacabado e que nosso processo biológico e cultural só acaba quando cessa a nossa organização como seres vivos autopoiéticos. Porém, a cultura fica viva nas experiências que construímos junto com os outros seres humanos com os quais convivemos.
A modo de conclusão em andamento do nosso viver biológico cultural
Pretendemos com este texto despertar a admiração e a surpresa com que deveríamos olhar o universo e as explicações geradas pelos seres humanos ao longo do seu percurso neste planeta, através da ciência. Neste texto, de uma maneira muito simples tentamos responder que o átomo de carbono estudado pela química é o mesmo estudado pela biologia, e poderíamos acrescentar que é o mesmo estudado pela física, pela literatura, pela arte. Apenas nos referimos a ele (o átomo de carbono) a partir de domínios explicativos diferentes, desde diversos mundos criados pela cultura através da linguagem na tentativa de desvendar os seus mistérios. Como seres humanos junto a todas as formas de vida na terra, surgimos de elementos químicos que se originaram no cosmos, em uma explosão estelar de dimensões inimagináveis. Assim como todas as formas de vida que existiram e existem no planeta ao longo do tempo geológico, temos uma organização particular que nos permite, através de reações químicas moleculares, a produção de nós mesmos. Isto é, a nossa organização autopoiética (MATURANA; VARELA, 1984). Mas nós seres humanos somos também autoconscientes, podemos através da razão, da emoção e da linguagem perceber a nós mesmos, questionar, indagar e principalmente tentar explicar. As explicações elaboradas pelo ser humano dentro de uma trama de relações que Ximena Dávila e Humberto Maturana denominam a Matriz Biológico-Cultural da existência humana foram separadas em diversos domínios, e em particular as do domínio da ciência foram separadas em áreas para que se possa compreender melhor aquilo que explicamos. Infelizmente nem sempre percebemos que essa separação é artificial, e ao não perceber, perdemos a oportunidade de nos encantar com a natureza, com a natureza biológica do homem e com as explicações que este elabora. Porque quando explicamos somos indissolúveis e ao mesmo tempo seres biológicos e culturais, e desta perspectiva nos perguntamos no nosso viver cotidiano: o que queremos conservar?
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