Entrevista com o Prof. Dr. Valtencir Zucolotto, coordenador do grupo de pesquisa GNano

Biografia / Currículo Acadêmico – Profissional do Entrevistado

É Professor Titular no Instituto de Física de São Carlos – IFSC da Universidade de São Paulo (USP), e coordenador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP São Carlos. É membro do Conselho Superior da Inova USP. É presidente da comissão do Portal da Escrita Científica da USP São Carlos e Membro da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC). Possui graduação em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (1997), mestrado em Ciência e Engenharia dos Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (1999) e doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais pela Universidade de São Paulo (2003). Realizou estágio na University of Massachusetts at Lowell, USA (2000-2001) e foi Professor Visitante na Universidade Joseph Fourier, Grenoble, França, em 2010. Tem experiência nas áreas de Nanotecnologia e Desenvolvimento e Aplicação de Nanomateriais em Medicina e no Agronegócio. Orientou dezenas de alunos de Pós-graduação e supervisionou mais de 50 Pós-doutores. Publicou mais de 200 artigos em revistas internacionais, 20 capítulos de livros e 20 depósitos de patentes, com 8 cartas patentes já concedidas. Ministrou mais de 450 palestras em eventos científicos e didáticos, no Brasil e no exterior. Possui mais de 5600 citações e fator H 44, 46, 52 (Web of Science, Scopus, Google Scholar). Desenvolveu e ministra anualmente o curso de Pós-Graduação em Técnicas de Escrita Científica em Inglês. Desenvolveu cursos online e DVDs em Escrita Científica. Seus vídeos online possuem mais de 600 mil visualizações. É editor da série de livros Nanomedicine and Nanotoxicology – Springer-Nature.

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www.zucoescrita.com
lattes.cnpq.br/5768000922241088

Gantry 5
Logo do site GNano, retirado de: https://nanomedicina.com.br/

NANOEACH – O que te motivou a seguir na área de Exatas? Desde sempre era um sonho/ vocação, ou foi algo que no começo você sentia uma incerteza e que acabou se estabelecendo?
VZ – Eu sempre tive curiosidade quando criança… Aliás, eu ministro vários cursos de formação de pesquisadores e de escrita científica e, nos meus cursos de formação de pesquisadores, eu sempre lembro que as principais características de um bom cientista são a curiosidade e a criatividade. Então, desde criança eu sempre tive muita curiosidade com aspectos relacionados à ciência, experiências, experimentos de química como brinquedo ou os kits de experimentos de química e tudo mais. Bem, e eu sou católico, era coroinha e também tinha um padre salesiano aqui na frente de casa que era químico e trazia brinquedos com experimentos de química, mostrando ali os tubos de ensaio, aquelas coisas. Aquilo sempre me chamou muito a atenção e daí eu comecei a me interessar pela Ciência… A área da Engenharia que eu estudei e me formei, Engenharia de Materiais, aconteceu naturalmente. Temos um dos melhores cursos de Engenharia de Materiais aqui na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), e foi onde eu me formei, depois fiz Mestrado e Doutorado… Trabalho como professor aqui no IFSC (Instituto de Física de São Carlos) da USP… Então esse foi o início, essa curiosidade natural por experimentos, da área de química principalmente.

NANOEACH – Para os leitores do nosso site, como o senhor pode definir resumidamente Nanotecnologia e Nanociência?
VZ – A Nanotecnologia é um conjunto de ferramentas e processos, de habilidades digamos assim, que nós temos sobre a produção de materiais numa escala muito pequena, certo…Em uma definição um pouco mais formal, Nanotecnologia é design, ou seja, envolve a ideia, o projeto, a síntese e a fabricação de materiais e o seu controle na escala nanométrica… Essa escala nanométrica, para aqueles que não são familiarizados com o termo Nanotecnologia…. Quando a gente avalia a palavra Nanociência / Nanotecnologia, o prefixo nano se refere à uma escala de tamanho 10-9m; essa escala de tamanho é mais ou menos do tamanho de átomos ou moléculas… Então, quando a gente fala de Nanotecnologia significa a habilidade que a gente desenvolveu nas últimas décadas e as ferramentas e processos que a gente criou/aperfeiçoou para produzir materiais, transformar materiais em produtos; mas esses materiais têm que estar nessa escala de tamanho…Nós produzimos, nós transformamos materiais em produtos há centenas de milhares de anos… Teve a época da Pedra Polida, a Era do Bronze, a Era da Pedra Lascada; desde há muito tempo a humanidade usa materiais, transforma matéria em produtos úteis… Só a partir da segunda metade do século passado que a gente começou a ter controle para produzir esses materiais nessa escala de tamanho, porque esse conjunto de habilidades que a gente tem de ferramentas, de várias áreas (Física, Química, Biologia, Engenharias), esse conjunto de ferramentas, é o que a gente vai chamar de Nanotecnologia… Nanociência é um braço menos aplicado, digamos assim, que vai estudar os fenômenos, entender, prever os fenômenos que vão acontecer na escala nanométrica, isso é Nanociência… Quando se tem a Nanociência sendo aplicada, transformando os materiais em produtos, você vai chamar de Nanotecnologia… Então é uma área extremamente dinâmica (Nanotecnologia) e, como eu falei, com esse controle que você adquire ao manipular materiais na nanoescala… As propriedades desses materiais são melhoradas, mas quais propriedades? Propriedades elétricas, ópticas, magnéticas, mecânicas ou propriedades novas que podem surgir com o mesmo material… Então um material que não emitia luz, de repente emite luz, passa a ser fluorescente… Ou tem uma cor totalmente diferente, justamente por essa nanoestruturação, por estar organizado nessa escala muito pequena, muito particular… Isso é Nanotecnologia, isso é Nanociência.

NANOEACH – Atualmente, quais os principais setores que fazem uso da Nanotecnologia, ou seja, que se beneficiam: saúde, ambiental, materiais e outros? Quais o senhor pode nos citar?
VZ – Vários… É sempre bom deixar claro que a Nanotecnologia já é uma revolução científica e tecnológica há muito tempo… Atualmente, a Nanotecnologia está se consolidando como uma Revolução Industrial já, esse é um ponto muito importante… Então vários setores estão sendo afetados, mas isso é só o começo… As décadas que se seguem vão dar vazão à essa Revolução Industrial… Então, vários setores têm se beneficiado, a gente já tem mais de 10 mil produtos registrados no mundo à base de Nanotecnologia, de nanomateriais ou nanoprodutos, com centenas de empresas produzindo esses nanoprodutos ao redor do mundo… Os principais setores, eu diria que são: área de materiais, áreas / setores relacionados a médicos, por exemplo; têm vários produtos à base de Nanotecnologia… E uma particularidade que surgiu com a pandemia, que inclusive é a nossa área de estudo no grupo de Nanomedicina aqui de São Carlos (quem tiver interesse pode entrar na nossa página: https://nanomedicina.com.br), se refere à Nanomedicina que se consolidou nesse período de pandemia, principalmente com o advento das vacinas de RNA…Você sabe que as vacinas da Pfizer e da Moderna, contra a COVID-19, são à base de RNA? E é uma tecnologia relativamente nova…Mas o RNA é uma molécula muito instável e a vacina só funciona (e funciona muito bem) porque as moléculas de RNA na vacina estão alojadas/protegidas dentro de uma nanocápsula… Então, essa Nanotecnologia é usada nas áreas médicas, nas áreas de saúde….Você tem milhões de pessoas que já receberam ou vão receber uma dose de nanopartículas a partir das vacinas da Pfizer e da Moderna…Então são vários setores, mas principalmente setores das áreas de materiais, produção de materiais, indústria de transformação. Muitas nanopartículas são usadas para várias finalidades, inclusive como aditivos, reforços mecânicos… As áreas que o nosso grupo atua também incluem o Agronegócio. Então, a Nanotecnologia faz bastante e tem um impacto enorme no Agronegócio/Agricultura também.

NANOEACH – Considerando que a Nanotecnologia, um dos eixos da área de Engenharia dos Materiais, não era tão divulgada na mídia há 20 anos atrás, como é hoje? Como você analisa o cenário atual dessa ciência multidisciplinar, e o seu reconhecimento?
VZ – Há 20 atrás, estava ali a Nanotecnologia… A gente começou a produzir nanomateriais de verdade, em escala de laboratório, para entender, estudar e investigar nas décadas de 80, 90… Há 20 anos atrás era esse o começo, então é natural…Mas havia divulgação de certa forma. Eu já trabalho com Nanotecnologia há uns 20 anos, por aí… Então claro que, estava ali nas origens, principalmente no Brasil, hoje é muito mais divulgado porque você tem uma massa crítica, você tem um conjunto maior de pesquisadores, resultados e de avanços. Também, como a área se consolidou, o interesse para se aplicar essa tecnologia (para produção de bens e serviços e tudo mais) aumenta muito… Não só interesse acadêmico, mas industrial também. Então é natural que a divulgação passe a aumentar…Tem aumentado e talvez ainda possa aumentar nos próximos anos… Há 20 anos atrás era muito no começo, especialmente no Brasil, por isso que a divulgação era menor… Agora daqui para frente, as perspectivas são fantásticas. Como eu falei, com o desenvolvimento das vacinas à base de Nanotecnologia contra COVID-19, você consolidou uma área: área médica, tanto a parte de terapia quanto de diagnóstico, que é uma coisa que a gente faz aqui no grupo de pesquisa… A tendência é utilizar cada vez mais a Nanotecnologia. As perspectivas são as melhores possíveis, mas não só na área médica… Nas áreas de materiais/química/biotecnologia, há uma interface muito grande com a Nanotecnologia e também, como já mencionei, com Agronegócio, Agricultura, Pecuária… Há um potencial enorme de nanoprodutos que sejam capazes de serem mais eficientes, mais eficazes, mais seguros para o homem e o meio ambiente.

NANOEACH – Na sua opinião, quais os principais desafios a serem vencidos, ainda, em relação à Nanotecnologia?
VZ – Os principais desafios estão relacionados à levar a tecnologia para a indústria, transformar esse conhecimento que nós temos no laboratório para produtos… Esse é o desafio agora dos próximos anos, da próxima década. Um aspecto importante é a questão de regulação, de registro desses produtos, ou seja, a área de nanoregulação. Você precisa de políticas específicas para que a gente tenha esses produtos que as empresas já estão produzindo; que sejam registrados pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), por exemplo, ou pelas agências regulatórias não só no Brasil, mas como no mundo todo, para que você tenha os produtos chegando aos consumidores… São poucos os países que têm políticas regulatórias específicas para Nanotecnologia; no Brasil a gente tem o Projeto de Lei n°880/2019 que começou a tramitar no Congresso; já passou por algumas instâncias e agora, com a pandemia, está um pouco parado… Seria o Marco Legal da Nanotecnologia, que é o instrumento jurídico importante de reconhecimento regulatório, importante para as empresas que produzem Nanotecnologia… Então, eu diria que um dos desafios é vencer esses aspectos regulatórios e de registro de nanoprodutos.

NANOEACH – Sobre o seu grupo de pesquisa (GNano), como ele começou e quais as linhas de pesquisa de interesse?
VZ – Eu fundei o nosso grupo de nanomedicina há uns 10-11 anos… Já trabalhava com Nanotecnologia antes, obviamente… Mas o GNano, Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia, foi fundado há uns 10, 12 anos. Nós temos um eixo muito bem definido de atuação acadêmica… A gente trabalha na interface entre a Nanotecnologia e a Biotecnologia, principalmente em aplicações em Medicina … Onde? Em diagnóstico, terapia e medicina regenerativa… No eixo de diagnósticos, a gente usa esses nanomateriais, essas nanopartículas, nanotubos, nanofios, grafeno, etc. para produzir sistemas de detecção, por exemplo, testes rápidos para COVID-19, tuberculose, zika, dengue, câncer… São os chamados biossensores. Então, a gente tem muitos trabalhos nessa área de biossensores, usando nanomateriais… E também a gente já desenvolveu parcerias com outras universidades como a Rice nos EUA… Nanomateriais, nanopartículas para serem usados como agentes de contraste, para fazer ressonância magnética e tudo mais na área de diagnóstico… Na parte de medicina regenerativa, a gente trabalha manipulando nanofibras, para que você possa acoplar células ali e depois produzir um futuro implante celular e assim por diante. A gente chama essa área de Engenharia de Tecidos assistida pela Nanotecnologia… A parte de terapia é bastante pujante e a gente trabalha muito aqui no grupo. Nós temos uns projetos hoje em dia com o Ministério da Saúde, tanto com aplicação para tuberculose quanto câncer, para produzir sistemas à base de nanocápsulas terapêuticas que vão levar o fármaco até o tumor, por exemplo. Você entrega o quimioterápico só no tumor, não entrega na célula saudável; com isso você diminui muito os efeitos colaterais… Ou também levar uma outra nanopartícula, uma nanopartícula específica, que vai receber luz. Você depois irradia esse tecido com luz, luz especial, uma luz infravermelha que passa pelos tecidos… Essa nanopartícula é iluminada por essa luz e ela aquece… Aquecendo, aumentando a temperatura só onde ela está (presente somente no tumor), ela induz morte celular no tumor e não na célula saudável; é o que a gente chama de fototerapia ou uma fotohipertermia (técnica terapêutica relativamente bem conhecida, só que agora ela é assistida pela Nanotecnologia)… Então, essas são as 3 frentes que a gente atua no nosso grupo: diagnóstico, biossensores, medicina regenerativa, engenharia de tecidos e terapia (entrega controlada de fármacos) e fototermia (terapias fotodinâmicas)… Meu grupo de pesquisa hoje tem por volta de 30-35 alunos, além dos 9 da nossa equipe que são secretária, técnicos de laboratório… São desde a graduação, iniciação científica, mestrando, doutorando, pós-doutorando… Temos muitos pós-doutorandos no grupo… Eles são da Física, são formados em Biotecnologia, Biologia, Física Médica, Física Biológica, médicos, Farmácia e Bioquímica. É um grupo bastante multidisciplinar; essa é a história do nosso grupo… A gente tem patenteado muita coisa do que a gente faz e o nosso grupo também tem vários projetos com empresas.

NANOEACH – Aproveitando esse contexto, seu grupo de pesquisa (GNano) também tem atuado junto a empresas e indústrias, no sentido de aplicar os resultados gerados na Universidade e obter novos materiais e produtos?
VZ – Nós temos, ao longo dos anos, vários projetos com empresas, de diferentes setores… Esses projetos são realizados via convênios entre as empresas e a USP. A gente desenvolve vários produtos para as empresas, principalmente para empresas do Agronegócio, para aplicação na Agricultura, Pecuária…

NANOEACH – Para finalizar nossa entrevista, qual o potencial do Brasil, nos próximos anos, considerando a Nanotecnologia / Ciência dos Materiais como um setor estratégico para Economia? O Brasil tem aproveitado o potencial da Nanotecnologia?
VZ – Olha, o potencial é enorme, como você mesmo disse, a Nanotecnologia é promissora… E lógico, tem como pano de fundo a Ciência e a Engenharia dos Materiais… A Nanotecnologia tem um potencial econômico, um valor econômico muito grande para o setor industrial do país, sem dúvida alguma… Isso já está em determinada escala no mundo todo e a tendência é só aumentar. É claro que o Brasil tem todas as condições para participar desse crescimento, nos setores industriais… Então, as perspectivas são muito grandes, de você ter setores muito impactados pela Nanotecnologia… Nós temos expertise, temos um parque industrial muito importante… O próprio MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) define nanomateriais como uma das áreas estratégicas para o crescimento do país e nós temos recursos humanos… Então, cada grupo de pesquisa (como o meu) qualifica muita gente em Nanotecnologia, em nanoprocessos, em nanociência, principalmente nanotecnologia… Assim, você tem todos esses fatores, você tem matérias-primas (que são commodities globais) e um parque industrial. Junto com essas possibilidades, junto com estratégias de empreendedorismo que vêm aumentando nos últimos anos, da criação e fomentos de startups, fica adequado para ter grandes avanços na área de Nanotecnologia… Você tem recursos humanos muito bem formados nas universidades… Temos tido um bom investimento, no âmbito governamental (seja estadual ou federal); você tem também a ousadia das startups que querem fazer a inovação ser transformada em um produto… Isso vai ser incorporado ao modelo convencional das grandes empresas, grandes multinacionais, digamos assim, mais cedo ou mais tarde, sem dúvida alguma.

NANOEACH – Em nome do projeto NanoEACH, muito obrigado pela entrevista Professor Valtencir!

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